Taxa voltada à diminuição das enchentes chega às contas este mês em JF

Moradores e comerciantes que têm os alagamentos como parte da rotina contam como tentam escapar das enchentes em JF; nova tarifa vai financiar Plano Municipal de Drenagem

A partir deste mês, o consumidor juiz-forano começa a receber as contas de água da Cesama com a cobrança da Taxa de Drenagem, que irá incidir sobre a fatura com uma alíquota de 4%. A expectativa do Município é de que, com a arrecadação, que será exclusivamente destinada a projetos de drenagem urbana, possa se resolver o problema estrutural do escoamento da água das chuvas na cidade. O valor pago pelo contribuinte será direcionado para o Fundo Municipal de Saneamento Básico e resultará em um montante mensal de R$ 800 mil, podendo chegar a R$ 9,6 milhões por ano.

A cobrança da tarifa, segundo a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), é necessária para investir em projetos de retenção de enchentes e alagamentos; fazer a detenção ou vazão de cheias; tratar e dar destino adequado às águas pluviais drenadas; e contemplar a limpeza, manutenção e fiscalização das redes pluviais. Junto com a aprovação da Taxa de Drenagem, em outubro de 2021, o município também criou a Política Municipal de Saneamento Básico e o Conselho Municipal de Saneamento Básico. Segundo a Cesama, a cobrança da taxa foi abordada sob o aspecto contábil, ou seja, a companhia terá de receber o valor e deverá repassar para o Fundo Municipal, cuja gestão ficará sob a responsabilidade da Secretaria de Obras do Município.

Um dos projetos que serão financiados com essa arrecadação é a execução do Plano Municipal de Drenagem, estudo que está sendo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e promete traçar estratégias para solucionar o problema do escoamento de água na cidade. A fonte de recurso para possíveis obras, segundo a PJF, virá de programas de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (Finisa), do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), do Conselho Municipal de Saneamento Básico (Comsab) e do Tesouro Municipal. A Administração não informou quando o plano ficará pronto.

Cidade sofre com problema estrutural

Durante o último período chuvoso, Juiz de Fora registrou cerca de oito episódios no qual fortes chuvas causaram transtornos na cidade. Em especial entre os meses de janeiro e fevereiro, nos quais o acumulado de chuva ultrapassou a média histórica prevista para o município. Foram registrados 795 milímetros, sendo que, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), durante esses dois meses, o total costuma ser de 496,8 milímetros.

Com o grande volume de precipitação, o alagamento de vias na cidade já é habitual. Ruas da região central e de bairros como Bom Pastor, Poço Rico e Linhares são apenas alguns exemplos de áreas que sofrem com o escoamento insuficiente das águas da chuva. De acordo com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), atualmente, são centenas de ruas em toda a cidade sem drenagem, como, por exemplo, todo o Bairro Granbery, no Centro, que não possui rede de captação de água pluvial.

Tendo em vista a atual discussão, a Tribuna foi até as ruas e observou a condição dos principais aparelhos urbanos de captação das águas da chuva, como bueiros e bocas de lobo. A reportagem também conversou com moradores e comerciantes dessas regiões que têm os alagamentos em dias de chuva como parte da rotina.

Região Central

Elizabeth Lopes Correia trabalha na Avenida Itamar Franco há mais de 18 anos. Atualmente é proprietária do Salão da Beth e, com tantos anos de vivências nas cheias na região, usa de artifícios para se adaptar. “Hoje em dia a água não entra mais aqui no salão, mas graças a essa comporta. Todo mundo aqui da rua tem. Porque é só chover com um pouco mais de intensidade que essa avenida toda alaga, os ônibus passam e a água vem aqui dentro.”

Ela relembra que foram incontáveis as vezes em que teve que deixar o salão com água no meio da canela. “Já fiquei presa na loja sem poder sair e cliente já deixou de vir ser atendida por conta do alagamento. No dia que tá chovendo, a cliente perde o horário.” Beth diz que a água que se acumula na Itamar Franco é a que vem das ruas perpendiculares: Antônio Passarela e Tietê. Em dias de coleta de lixo, a situação fica ainda mais dramática. “A força da chuva carrega tudo e entope os bueiros. Garrafa pet, lixo, sacola. É uma coisa de anos, 18 anos que eu estou aqui e é dessa forma”.

Ainda na Avenida Itamar Franco, na altura com a Padre Café, Vitório Martinho, funcionário de uma farmácia na região, reforça que boa parte do problema se dá por conta de bocas de lobo sujas, entupidas e assoreadas. “Aqui na loja não chega a entrar água porque fica um pouco acima do nível da rua, mas quando chove forte as lojas aqui da frente ficam tomadas pela água. Tenho vários vídeos de carros passando com água na metade do pneu aqui, é um verdadeiro caos.”

Registros feitos pela Tribuna corroboram para a descrição. Na região foram constatadas bocas de lobo assoreadas, quebradas e entupidas, algo que, com a intensidade de chuvas mais fortes, prejudica o escoamento das águas para as galerias subterrâneas, o que gera o alagamento.
Sobre os problemas constatados nos bairros, como obstrução das bocas de lobos e bueiros, a PJF afirmou que tem investido em centenas de ações diárias de zeladoria através do Programa Boniteza. “Em 2021, foram executados 1.170 serviços de limpeza, colocação de tampas e restauração de bocas de lobo. Já este ano, 180 solicitações foram concluídas até o momento”, respondeu, em nota.

Avenida dos Andradas

Uma das avenidas mais movimentadas da cidade é a Avenida dos Andradas, no Centro. No local, os comerciantes já estão habituados com os alagamentos, e a maioria das lojas possui comportas, para evitar com que a água entre no estabelecimento. Mesmo com esse recurso, Rodrigo Teixeira, funcionário de uma lanchonete na região, diz que foram incontáveis as vezes que teve que limpar todo o estabelecimento devido a inundação. “Acho que o principal problema é esse bueiro aqui do lado, ele fica sempre entupido, acumula muito lixo. Nós já colocamos uma grade, mas mesmo assim o pessoal dá um jeito de jogar o lixo lá dentro. É questão de falta de consciência da população também, não adianta a Prefeitura vir e limpar se daqui um ou dois dias vai estar tudo do mesmo jeito.”

Também na Avenida dos Andradas, na esquina com a Rua Barão de Cataguases, Anna Maddalena Bravo, relembra as ocasiões no qual a água da chuva adentrou em sua banca de jornais. Em sua bolsa ela carrega uma página da Tribuna no qual uma foto ilustra a situação, sua banca tomada pela inundação durante o período chuvoso na cidade. “Um chuvinha de 10 milímetros já enche isso aqui. No ano retrasado, nós chegamos a perder material porque não estávamos esperando um volume tão grande de chuva. A água entrou dentro da banca e estragou tudo, depois disso colocamos essa comporta aqui, mas a gente ainda fica com medo de que ela não seja suficiente.”

Alto dos Passos/Bom Pastor

Na Avenida Rio Branco, na altura do Bairro Alto dos Passos, as cheias também são frequentes e ocorrem devido à água que escoa das ruas mais altas, no Bairro Bom Pastor. O ponto mais crítico fica na altura do número 3.760, local de intenso tráfego de pedestres e veículos. Rosângela Carvalho trabalha há mais de cinco anos na região e afirma que o problema das cheias é estrutural e ocorre devido a ocupação desordenada desde o início da urbanização da cidade. Ela afirma que a Praça Bom Pastor costumava ser um lago, responsável por absorver boa parte da água da chuva. “Essa região aqui era conhecida como lamaçal. Há muitos anos, o excesso de água que não era retida pelo lago escoava aqui. A enchente sempre existiu, aí veio a população, o asfalto o desenvolvimento desordenado e estamos nessa situação de hoje.”

Segundo Rosângela, antes da ocupação, a água da chuva fazia o trajeto com menos intensidade, pois ia sendo absorvida ao longo do caminho, mas que agora, com poucos pontos de escoamento, durante as chuvas fortes, a água desce com a força de uma enxurrada. “Não há boca de lobo ou bueiro que dê conta, não acho que seja a questão de não ter equipamento de drenagem, porque tem. É uma questão de mal planejamento urbano que não levou em consideração o caminho natural da chuva. A enchente na Zona Sul sempre existiu, as pessoas que entraram no caminho dela.”

Também no Alto dos Passos, a Rua Doutor José Cesário já foi cenário de inundações diversas vezes. O problema é o mesmo, as águas que caem nas ruas mais altas do Bom Pastor, como a Rua Procópio Teixeira, chegam com grande quantidade e intensidade ao local, com isso a água fica represada. Registros fotográficos da Tribuna mostram situações no qual a inundação atingiu diversos carros estacionados na região.

Poço Rico

Outra região da cidade que também é ponto de alagamento em momentos de forte precipitação é o Bairro Poço Rico, na Zona Sul. Na rua Osório de Almeida, na altura do número 40, a comerciante Milena Sobrinho afirma que durante os 14 anos que trabalha no local, foram incontáveis vezes que já sofreu com inundações da água da chuva. Ela também diz que, nos últimos meses, a situação melhorou muito depois que a Prefeitura fez obras de manutenção no aparelho de drenagem, como limpeza e reestruturação das bocas de lobo. “Depois da obra melhorou muito. Eu mesma já fui várias vezes na Prefeitura pedindo para limpar esses bueiros que estavam todos entupidos, pedi para fazer isso antes da chuva para evitar mais problemas. Se eles estiverem entupidos, a água sobe mais de um metro aqui nessa rua.”

Linhares

A Zona Leste é uma região de Juiz de Fora marcada pela grande quantidade de áreas de risco, seja geológico ou hidrológico. A Tribuna esteve na Rua Itália, no Bairro Linhares, onde, na véspera de Natal de 2018, moradores foram atingidos por uma forte enchente. Shirley de Oliveira é proprietária de um restaurante na região e conta que o medo de que outro alagamento ocorra é constante. “Aqui nós enfrentamos os dois problemas, tanto da água da chuva que escorre dessas ruas todas aí pra cima, quanto do córrego, que muitas vezes não dá vazão para essa água, e a rua fica toda alagada.”

Ela conta que a lama que é trazida pela água da enchente entope os bueiros, o que causa mais alagamentos. “A última chuva que deu aqui alagou tudo, foi em janeiro deste ano. A gente não sai, não vê o asfalto. Tem cliente que vem se abrigar aqui na loja, mulher grávida. Fico com medo de isso acontecer de novo, é um medo constante. Se começar a chover mais forte, não vou esperar nem começar a alagar, já vou fechar a loja e sair. Prefiro isso, do que ficar aqui correndo risco, porque não há coisa pior do que ver a água subindo e não poder fazer nada.”

Falta de planejamento de drenagem é a principal responsável por inundações

A drenagem urbana é o mecanismo que tem a função de captar a água da chuva. Seu modelo é adaptado à intensidade de precipitação da região, assim como às características geológicas do local onde será instalado. Para isso, o planejamento conta com dois sistemas: o de microdrenagem e o de macrodrenagem. O professor da Faculdade de Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Tiago Pereira, explica que a microdrenagem utiliza equipamentos para conduzir a água da chuva até o sistema de macrodrenagem, que seriam os córregos e rios.

“A chuva cai na edificação e deve ser conduzida por um dispositivo que chamamos de sarjeta, que fica às margens da via. Você pode reparar que as ruas possuem uma inclinação pensada nisso, para que água não se acumule e seja conduzida até uma boca de lobo ou um bueiro.” Após cair na boca de lobo, Pereira explica que a chuva deve ser conduzida para galerias subterrâneas com tubulações maiores que levam a água até o rio mais próximo.

Esse é o sistema clássico, pensado desde a Idade Média e com o objetivo principal de retirar o mais rápido possível a água dos centros urbanos. “Isso acontecia porque na Idade Média a água da chuva era sinônimo de doença, visto que a população se desfazia dos dejetos em via pública. Então a água passava e recolhia todo aquele lixo, causando diversas doenças no povo daquela época. Com isso, o sistema de drenagem foi pensado para ser higienista, feito para se livrar o mais rápido possível daquela água.”

No entanto, tal lógica acarreta diversos problemas observados atualmente nos centros urbanos, os alagamentos são um deles. Com a rapidez e a intensidade da chuva, o sistema de drenagem não dá conta de escoar tudo para as tubulações e galerias, por isso, em dias de tempestade, a água fica acumulada e invade casas e lojas.

Tiago Pereira explica que o sistema de drenagem é projetado para um determinado grau de coeficiência de escoamento superficial e cobertura do solo, porém essa cobertura muda muito sem um planejamento habitacional. Principalmente devido a ocupação ilegal, que impermeabiliza quase 100% das áreas do lote, aumentando a quantidade de água a ser escoada.

“A maioria das cidades hoje constrói um sistema de drenagem que fica isolado, ele não entra no planejamento urbano desde o início. Você tem um plano diretor de crescimento, o plano de coleta de lixo, você tem o sistema de abastecimento de água, de coleta de esgoto – são sistemas que tem uma tarifa, a população paga por isso, a drenagem não. A população não paga por um serviço de drenagem urbana. A população não tem acesso à educação ambiental, joga lixo nas bocas de lobo. Juiz de Fora está fazendo agora o plano de drenagem urbana, não se pensa no planejamento desde o início da cidade.”

Nova abordagem: aumentar retenção e permeabilização

A partir da década de 1990, uma nova abordagem da drenagem urbana passou a executar estratégias que vão de encontro a lógica higienista de escoamento da água. Ao invés de se livrar o mais rápido possível da chuva, o foco era aumentar as áreas de permeabilização e reduzir a velocidade com a qual ela chega nas áreas de inundação.

Tiago Pereira explica que hoje em dia há várias alternativas que adaptam o sistema de drenagem das cidades para essa lógica, com o intuito de compensar as ações desordenadas de ocupação do solo. “Existem estratégias para reter a água na fonte, ou seja, a água vai cair em uma edificação, prédio ou casa, e ficar retida, seja por um mecanismo que chamamos de piscininhas ou cisternas. Em São Paulo e Curitiba, por exemplo, isso já é lei, e todo empreendimento que tem a partir de 500 m² precisa reter parte da água da chuva.”

Ele também explica que outra alternativa seriam os “jardins de chuva” que poderiam ser instalados ao longo das sarjetas, para que parte da chuva seja absorvida e não totalmente escoada para as galerias. A mesma lógica pode ser adotada em rodovias, com a criação de trincheiras, valas que servem para potencializar a absorção da chuva nesses locais.

“A criação de bacias de retenção é uma solução adotada em grandes centros no Brasil e no mundo. Durante o período de seca, aquela região funciona como uma área de lazer, uma quadra, por exemplo, e durante a chuva, parte da água fica retida nessa estrutura e posteriormente, através do sistemas de bombas, é jogada de novo no sistema de macrodrenagem.”

As informações são do Tribuna de Minas, associada AMIRT.

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