Cortes de verba já resultaram na redução de 200 bolsas, além de impactarem nos programas de assistência estudantil
De 2016 a 2022, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) enfrentou uma queda de 44% em seu orçamento. Em contrapartida, a universidade continuou crescendo, novos cursos surgiram, mais alunos ingressaram, projetos se expandiram. Mas os recursos para administrar ficaram cada vez mais escassos. O ano de 2022 já começou com um déficit de cerca de R$ 26 milhões em relação aos gastos com as despesas de 2019, último ano em que as atividades foram totalmente presenciais. Na última semana, o Governo federal anunciou um corte de 14,8% nas despesas diárias das instituições, o que representa para a UFJF uma perda de mais de R$ 30 milhões. Na sexta-feira (3), o Ministério da Educação reduziu esse bloqueio para 7,2%, mas ainda assim o corte impacta diretamente no funcionamento da universidade, colocando em risco o auxílio estudantil, bolsas de pesquisa e até mesmo contas de manutenção do campus, como luz, água e segurança.
Em números exatos, os recursos destinados para o custeio da universidade, que inclui água, energia, prestação de serviços e bolsas, em 2016, era de R$ 190 milhões, já em 2022 esse valor caiu para R$ 107 milhões. Se o novo bloqueio for implementado, o orçamento será de cerca de R$ 92 milhões. Em entrevista à Tribuna, o reitor da UFJF e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Marcus David, explica a dificuldade que têm sido para aplicar esses cortes na prática.”Nós ficamos em uma situação administrável. Onde cortar mais? Não tem mais onde cortar sem fazer comprometimentos graves da universidade”, afirma o reitor.
O presidente da Andifes relata ter buscado, nos últimos dias, apoio do Congresso Nacional para reverter esse cenário e evitar o bloqueio financeiro de 7,2%. De acordo com Marcus David, o Conselho Superior (Consu) da UFJF ainda não deliberou sobre os ajustes nas despesas, pois aguarda a reversão do corte. No entanto, caso não consiga evitar o bloqueio, o reitor projeta um segundo semestre caótico, com grandes dificuldades na operação da universidade. “Trabalho sempre com o princípio e com a luta constante de manter a universidade funcionando, só que nós também temos limites para suportar os cortes.”
UFJF reduziu 200 bolsas apenas este ano
Em 2020 e 2021, a suspensão das atividades presenciais permitiu que os serviços continuassem sendo prestados mesmo com os valores já reduzidos. Com o corte do orçamento da UFJF em 2022, 200 bolsas de treinamento profissional, que fazem parte da gestão administrativa da universidade, foram cortadas, sendo que um aluno pode acumular apenas uma bolsa. Além disso, haverá redução no quadro de terceirizados (auxiliares administrativos), nos valores das bolsas Proquali e nos recursos destinados a material de consumo, serviços externos e viagens.
Para além dos cortes já efetuados neste ano, o bloqueio de 7,2% no orçamento discricionário pode impactar todas as áreas da universidade, como, por exemplo, a de tarifas públicas de energia e água, contratos terceirizados de vigilância, conservação e limpeza, de investimento em obras e equipamentos, além da ação orçamentária de projetos acadêmicos, com o corte de mais bolsas de extensão, de pesquisa e ensino.
“Se mantermos o funcionamento das áreas administrativas, pagando conta de luz e de água, garantindo segurança, limpeza e os contratos de manutenção, praticamente já estamos consumindo todo o orçamento, não sobra recurso para nenhum projeto acadêmico. Com isso, o prejuízo acadêmico é imenso, porque nós ficamos vulneráveis até na nossa capacidade de garantir a qualidade mínima da nossa formação. Então é um cenário muito grave”, aponta o reitor.
Corte de verba coloca em risco permanência de alunos
Segundo o reitor, os recorrentes cortes também colocam em risco a permanência de estudantes que utilizam as políticas de assistência estudantil. “Talvez essa seja a consequência mais dramática que nós temos.” Marcus David ainda destaca que o processo de democratização do acesso à universidade poderia ser afetado. “Hoje nós temos nas nossas instituições um percentual significativo de estudantes provenientes de um segmento social de rendas mais baixas em razão das várias políticas públicas que permitiram o ingresso desses estudantes.”
No entanto, para que esses estudantes continuem dentro da universidade, é necessário investir em programas da política de assistência estudantil. “O grande risco que nós corremos é de suspender as bolsas de assistência estudantil de permanência, e os estudantes não terem a possibilidade de continuar os seus cursos porque eles precisam de alguma renda, eles precisam voltar a trabalhar, e aí eles deixam a universidade.”
Redução no orçamento da UFJF pode causar evasão
Durante a pandemia, o número de alunos matriculados nas universidades federais diminuiu, de acordo com o Censo da Educação Superior, elaborado pelo Ministério da Educação. Com o agravamento da crise econômica, muitos alunos tiveram que sair da faculdade para buscar emprego. “Se reduzirmos as políticas de permanência dos estudantes, o risco da evasão aumentar é muito grande.”
O estudante de jornalismo na UFJF e diretor de comunicação do Diretório Central (DCE), Alexandre Pinto, reforça o impacto dos cortes na vida dos alunos. “Especialmente nesse momento de crise, com preços absurdos para alimentos, gasolina e produtos básicos, o que deveria estar sendo feito era investir em assistência estudantil, para as pessoas não terem que largar os estudos e irem trabalhar no subemprego.”
Estudantes vão às ruas nesta quinta contra cortes
Nesta quinta-feira (9), os estudantes da UFJF, aliados ao movimento nacional liderado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), irão às ruas em defesa da redução total do bloqueio anunciado pelo Governo federal. O ato será no Parque Halfeld, às 17h, mas antes os alunos irão se concentrar na UFJF, às 16h.
Alexandre ressalta que os cortes também atingem a sociedade, que é assistida por projetos sociais desenvolvidos pelas universidades, além do retorno com avanços científicos, projetos de infraestrutura, entre outras áreas. O DCE avalia que a intensificação dos cortes de verbas é fruto da política do governo atual e que, neste momento, a comunidade acadêmica e a sociedade precisam se mobilizar para defender a educação pública.
“O que a gente realmente queria era estar em sala de aula estudando, pesquisando ou participando de projetos de extensão que levam o que é feito dentro da Universidade para o resto da cidade, mas estão ameaçando acabar com nossas salas de aula. Então se torna imperativo que a gente vá para a rua defender o que é nosso direito e depois será direito de nossos filhos e de nossos netos depois deles. Todo brasileiro tem direito à educação”, argumenta Alexandre.
As informações são da Tribuna de Minas, associada AMIRT.