Mais de 300 casas estão condenadas pela Defesa Civil em Juiz de Fora

Estimativa é de que cerca de 50 mil pessoas vivam em área de risco; número coloca JF como o 13º município com mais áreas de risco do país

Dos mais de 577 mil habitantes de Juiz de Fora, população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2021, cerca de 50.336 vivem em áreas de risco geológico. O número é fornecido pelo Serviço Geológico do Brasil da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), e coloca Juiz de Fora como o 13º município com mais áreas de risco do país e o terceiro de Minas Gerais, ficando atrás das cidades de Ouro Preto e Ipatinga, respectivamente. No total, cerca de 8,7% da população da cidade mora em áreas suscetíveis a deslizamentos de terra, erosões, enchentes e inundações.

Só no período chuvoso do último verão, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) afirmou que 309 unidades habitacionais foram interditadas na cidade. De acordo com o portal de dados do CPRM, são 80 áreas de risco geológico em Juiz de Fora, mas informações da Defesa Civil do município apontam muito mais. De acordo com a pasta, a cidade tem 157 áreas de risco, sendo 130 de perigo geológico e 27 de perigo hidrológico. Os números indicam, portanto, uma quantidade muito maior de pessoas que vivem na iminência do perigo e refletem, em parte, o grande déficit habitacional da cidade. De acordo com dados de 2019 do IBGE, na cidade existem 16.112 famílias em situação de déficit habitacional.

O déficit habitacional é um conceito que abrange três divisões: domicílios precários (improvisados e rústicos), coabitação (moradias formadas por cômodos de uma residência) e habitações com altos custos de aluguel em relação à renda dos moradores. As construções em áreas de risco se enquadram na primeira divisão, a dos domicílios precários. Em Juiz de Fora, assim como em demais municípios do país, essas regiões são habitadas principalmente por famílias de baixa renda, que estão ligadas ao local, seja por emprego, laços familiares ou sociais ali estabelecidos. Apesar do alto número de residências condenadas, a PJF afirma que nenhuma pessoa está desabrigada em função das chuvas e não houve vítimas fatais no município.

A professora da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do grupo PRAXIS-EA/UFMG, Denise Morado, é enfática ao dizer que “ninguém mora em área de risco porque quer”. Ela explica que, pelo fato de termos cidades estruturadas pela exclusão, as pessoas mais pobres, sem acesso suficiente ao mercado imobiliário ou às políticas habitacionais, ocupam as áreas que lhe são historicamente destinadas. “Esse cenário nada mais é do que reflexo do fracasso de políticas habitacionais que não se definem a partir das necessidades dos cidadãos, mas a partir das demandas de setores, como a construção civil.”

Mapear áreas de risco não é o suficiente

Por mais que necessário, o mapeamento de áreas de risco no município não é suficiente para evitar possíveis desastres. Denise Morado ressalta que as tragédias não ocorrem por conta das chuvas, ainda que o aquecimento global tenha contribuído para intensificação dos fenômenos naturais. “As águas das chuvas precisam de um caminho para escoar. O poder público tem conhecimento técnico abrangente sobre a questão, mas vai levar muito tempo para resolvê-la, já que ainda não quer enfrentar os problemas decorrentes de sua própria negligência.”

Para ela, além do mapeamento das áreas de risco geológico e hidrológico, é preciso monitorar tecnicamente as mesmas e encontrar caminhos de curto, médio e longo prazo que dêem melhores condições de vida para os moradores. Porém, nem sempre isso acontece, pois, segundo Denise, a discussão de políticas habitacionais de uma cidade é um processo político, permeado por agentes de interesse econômico que nem sempre estão atrelados às necessidades habitacionais dos cidadãos. “A solução para o problema não pode ser generalizada em apenas uma ação, como a desapropriação e construção de novas moradias. Não há recursos públicos, programas habitacionais e justificativas universais para desapropriação. Algo que traria enormes prejuízos sociais e financeiros para os moradores.”

Plano Municipal de Habitação

Com objetivo de pensar políticas públicas em um viés mais amplo, entre 2006 e 2007, um grupo de pesquisadores das Faculdades de Arquitetura e Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), levantou dados para elaboração de um diagnóstico habitacional da cidade. Na época, o déficit habitacional básico do município era de mais de dez mil moradias, quase metade do que se observa hoje. Desta pesquisa foi elaborado o Plano Municipal de Habitação de Juiz de Fora. Em 2009, ele foi aprovado pelo Conselho Municipal de Habitação, mas não chegou a ser votado como lei na Prefeitura (PJF).

A professora da Faculdade de Arquitetura da UFJF, Letícia Zambrano, que participou da redação do plano, afirma que, mesmo sem virar lei, o município ainda utiliza o documento como referência. No entanto, após 15 anos de sua confecção, para ela, os estudos precisam ser revistos e novos debates são necessários. “Em Juiz de Fora, para além da ocupação irregular do ponto de vista fundiário, nós temos situações de casas populares formalizadas em áreas que são muito críticas. Mas não é o caso da Defesa Civil interditar todas elas, é mais assertivo realizar uma avaliação das áreas que precisam ser reassentadas.” Segundo ela, no Plano Municipal de Habitação são apontadas diferentes modalidades que poderiam ser usadas como soluções para habitação. “Porque a política habitacional não pode ser baseada apenas na construção de moradia, ela precisa trabalhar em todas as demandas que giram em torno da habitação.”

Para isso, Letícia Zambrano defende que o município trabalhe com ações direcionadas especificamente para cada tipo de problema. “É preciso fazer um diagnóstico da situação, realizar uma avaliação estrutural nas áreas de risco.” A pesquisadora aponta como exemplo a ação que tem sido feita pela Defesa Civil de Belo Horizonte. De acordo com ela, na capital do estado, profissionais realizam o diagnóstico da residência que se encontra em área de risco e, após essa avaliação, a Defesa Civil faz o encaminhamento da situação, “quer seja para uma intervenção estrutural, como a construção de um muro de arrimo, por exemplo, quer seja para desapropriação de fato.” A pesquisadora ressalta que a condenação de residências não é a única, nem a melhor solução para o problema da moradia em áreas de risco e que esta não resolve a situação, pelo contrário, “após a remoção se dá início a um novo momento de se pensar soluções para o futuro daquela família”.

Atualmente, Juiz de Fora oferece o Auxílio Moradia para famílias que tiveram sua casa interditada pela Defesa Civil. Os assistidos devem apresentar um perfil de acordo com critérios estabelecidos pela lei municipal 14.214/202, que atende núcleos familiares com até três salários mínimos e que estejam inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais. Caso preencham os requisitos, o município direciona um valor de até R$ 600 para os moradores. Mas para Letícia Zambrano é preciso pensar além, até mesmo para atender a demanda de moradores que não se enquadram nos requisitos da lei municipal, mas possuem residências em áreas de risco. “No Plano Municipal de Habitação discutimos uma modalidade que não é só o direito a uma nova moradia, mas que vem acompanhada de um suporte do serviço social que dê conta de apoiar a família no que seja necessário.”

Sobre a desatualização do documento, a Prefeitura afirmou, em nota, que através da Secretaria de Planejamento Urbano (Sepur) está em contato com a Fundação João Pinheiro para que o trabalho desenvolvido seja consolidado em um diagnóstico, inaugurando o processo de revisão do Plano Municipal de Habitação. A PJF ainda ressaltou que a falta de incentivo federal prejudica o avanço das políticas públicas no município e, por conta disso, tem buscado captar outras fontes de receita para o Fundo Municipal de Habitação. “Desde 2016, o investimento federal em habitação cai drasticamente. Em 2021, por exemplo, o governo Bolsonaro cortou 98% dos recursos do Orçamento para o programa Minha Casa Minha Vida, que foi renomeado como Casa Verde Amarela. Assim, o município segue sem contar com recursos federais para suprir sua demanda habitacional de interesse social”, afirmou em nota.

Para além da construção de novas casas

Lançado em 2009 pelo Governo federal, o programa Minha Casa Minha Vida teve como objetivo solucionar o problema do déficit habitacional no Brasil. Em Juiz de Fora o programa trouxe uma produção significativa de novas moradias para a cidade. No entanto, Letícia Zambrano afirma que, com a implementação do projeto, outras frentes de atuação para combater o déficit ficaram esquecidas. “É importante ter em mente que o ‘Minha Casa Minha Vida’ não é um política habitacional, é um programa de construção de moradias. A política habitacional do nosso país é uma política ampla, mas que foi traduzida em um único programa.”

Denise Morado afirma que o programa Minha Casa Minha Vida representou uma grande ruptura em relação às práticas anteriores ao trazer a questão da habitação para o centro da agenda governamental, mas reitera que outros programas habitacionais municipais foram desmobilizados devido a ele. “Além disso, a definição do projeto e da localização dos empreendimentos ficaram sob responsabilidade das construtoras, com um padrão de produção único para todo o país, baseado na propriedade privada condominial, em áreas periféricas mal servidas de transporte, emprego, infraestrutura e serviços urbanos.”

Fundo Municipal de Habitação

Em Juiz de Fora, desde 1989, o Fundo Municipal de Habitação, regularizado pela lei nº 7665, prevê a captação de recursos para habitação de interesse social na cidade. De acordo com a lei, as verbas do fundo podem ser provenientes de doações de pessoas físicas ou jurídicas, de captação no âmbito dos governos federais e estaduais, de emendas parlamentares, do tesouro municipal, além de outras fontes.

O fundo é gerido pela Sepur, com a fiscalização do Conselho Municipal de Habitação (CMH). Em 2022, uma das pautas do Conselho, são formas de potencializar a captação de recursos dentro do município de Juiz de Fora para o Fundo Municipal de Habitação. Como explica o presidente do CMH, Luiz Fernando Sirimarco, uma das possibilidades de captação de verbas se dá através de transações imobiliárias e pagamento de multas relativas a loteamento, por exemplo. No entanto, o tributo arrecadado nesses casos tem ido direto para o tesouro do município e não destinado diretamente ao Fundo Municipal de Habitação. “O que torna o recurso meio nebuloso, porque acaba perdido no bolo total do município. Nós estamos tentando regulamentar isso de forma que esse valor seja destinado de forma direta ao Fundo, o que não está acontecendo atualmente.”

Reformulação da Emcasa

Ainda de acordo com Sirimarco, um dos avanços do município em questão de políticas habitacionais nos últimos meses foi a aprovação da lei que reestruturou a Empresa Regional de Habitação de Juiz de Fora (Emcasa), passando a ser a Companhia Municipal de Habitação e Inclusão Produtiva. O objetivo da lei é ampliar os programas de habitação e inserir a inclusão produtiva como mais uma frente de atuação da Emcasa, que passaria a ofertar microcrédito para microempreendedores individuais (MEIs) e micro e pequenas empresas (MPEs).

A opinião também é compartilhada por Letícia Zambrano. “Acho que o município dá os primeiros passos quando muda a natureza da Emcasa para poder trabalhar essa moradia de inserção social. É a ampliação de uma estrutura que ainda é muito reduzida para o tamanho do problema que temos para trabalhar.”

Atualmente a PJF atua com base na lei nº 14.272, sancionada em novembro de 2021, que institui a Assistência Técnica Pública para Habitação de Interesse Social (ATHIS). Assim, o cidadão que precisa de acompanhamento técnico para obras e projetos em suas residências podem contar com o serviço oferecido de forma gratuita. A lei beneficia os moradores das áreas de risco, cadastrados pela Defesa Civil. De acordo com a Administração, eles também serão atendidos pelo Escritório Público, sediado pela Emcasa, através da elaboração de projetos e obras de contenção de baixa complexidade. Além disso, as intervenções de contenção de encostas de maior porte são realizadas pela Secretaria de Obras.

As informações são da Tribuna de Minas – Associada Amirt

Foto: Fernando Priamo

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