Para além das agressões explícitas, o racismo também acomete pessoas negras de forma velada
No dia 20 de novembro é rememorado a consciência negra no Brasil. A data tem função social de trazer à tona questões que perpassam a vida de pessoas negras e que precisam ser amplamente debatidas para que a sociedade avance em direção a um futuro equânime. Parte da população questiona a necessidade de uma data reservada à essa reflexão, mas a realidade pede medidas além.
Na semana anterior a esta data que divide opiniões entre aqueles que acreditam que o Brasil não é um país que discrimina pela cor da pele e outros que vivenciam essa violência, a imprensa cobriu em peso um dado que escancara a situação: Trabalhadores negros ganham 40,2% menos do que brancos por hora trabalhada. O dado é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada em agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao segundo trimestre deste ano.
Segundo a pesquisa, em média a hora de trabalho do brasileiro vale R$ 15,23, mas o valor varia de acordo com a cor da pele: em média pessoas brancas ganham R$ 19,22 por hora trabalhada, enquanto pessoas negras recebem R$ 11,49 pela mesma carga horária. Isso significa que, trabalhadores brancos precisam trabalhar 63 horas para ganhar um salário mínimo no fim do mês e os negros precisam cobrir 105,5 horas para ter o mesmo rendimento.
O dado implica no tempo que esses trabalhadores ficam fora de casa, o que consequentemente influencia em uma série de fatores que interferem diretamente na alimentação de uma lógica estruturante: mais tempo de trabalho, menos tempo para estudos e menos oportunidade de ascensão social; menos tempo para acessar espaços e produtos culturais, de lazer e, no caso dos pais, menos tempo de qualidade para se dedicar à estruturação da família, um núcleo primordial na construção da cidadania.
Apesar da questão racial estar ligada também à desigualdade de classe, mesmo pessoas negras e ricas não estão livres do racismo. Seu Jorge, Vinicius Junior, Djonga, Zezé Motta e Eddy Júnior são alguns nomes públicos que foram alvos de racismo recentemente, infelizmente, sem consequências para os agressores.
Em entrevista ao Fantástico, Seu Jorge comentou sobre o episódio recente:
https://www.youtube.com/watch?v=pRRtJ1_nurE
Racismo não é só agressões físicas e xingamentos
Mas para além das agressões explícitas, o racismo no Brasil também acomete pessoas negras de forma velada, como comenta Cecília Bizerra, jornalista e ativista na Comissão dos Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal (Cojira-DF):
“O racismo velado é uma forma sofisticada de opressão. Ele é violento tanto quanto o racismo na sua forma estrutural, porque tira o direito de defesa da vítima, já que sempre aparece ao lado de uma justificativa como ‘era brincadeira’ ou ‘eu não quis ofender.”
A comunicóloga alerta que esse comportamento resulta da falta de compreensão sobre o que, de fato, é o racismo e como ele atravessa as diferentes estruturas da sociedade, sejam elas políticas, econômicas ou sociais. “Como a gente não compreende o racismo em uma dimensão aprofundada, os debates são superficiais, como se fossem sobre um sentimento individual”.
A analista em comunicação e coordenadora do grupo de estudos ‘Diálogos Interseccionais’ para a discussão de raça, gênero e classe, Dalila Musa, acredita que esse tipo de racismo, o racismo velado, é uma das características do problema no Brasil, especificamente, expressando uma forma de lidar com o problema que é ocultando, fingindo que ele não existe e que foi superado.
“Acho que a gente, enquanto povo brasileiro, ainda lida com o racismo como algo superado, talvez para tentar não tocar em uma ferida que ainda está aberta no país enquanto nação […] existem inúmeros exemplos de reafirmação dele no nosso cotidiano, principalmente nós, pessoas negras, que sofremos e hoje conseguimos identificar melhor como o racismo age hoje enquanto estrutura”, destaca.
Foto: Reprodução/Internet