Brasil-Japão: uma amizade forjada em trabalho e respeito

Fernando Mendanha

“Quando pisei em terra brasileira, senti muita saudade do Japão. Houve um sentimento diferente.” Há exatos 58 anos, no terceiro domingo de 1960, Tsuruichi Urabe desembarcava no Brasil, registrando seus primeiros sentimentos em anotações de diários, que depois daquela viagem passariam a acompanhá-lo até os seus 97 anos, em 2006.

Na bagagem, a clareza de quem trazia a missão de reconstruir sua vida bem longe de onde nascera. Desafio parecido com o de João Braga Mendanha, quando dois anos mais tarde, aos 38 anos e já com uma família de oito filhos, ouviu na capital mineira a notícia que mudaria – para melhor – a sua vida: a Usiminas estava contratando empregados para sua construção.

Mergulhar em memórias – escritas, faladas e fotografadas – como essas é preservar a história de milhares de pessoas que passaram e/ou fincaram novas raízes em Ipatinga. Na época, um projeto de cidade a ser desenhada no Leste de Minas Gerais, a partir do entorno de onde se instalara a maior fabricante de aços planos da América Latina.
Em 26 de outubro de 1962, quando o presidente da República, João Goulart, acendeu o primeiro alto-forno da usina, os já amigos Urabe e Mendanha estavam lá, presenciando, inclusive, a primeira corrida de gusa horas depois.

“Fizemos muita amizade, principalmente com o pessoal da Mendanha. O Sr. João era muito amigo do meu sogro, desde os tempos em que moravam nos alojamentos do bairro Santa Mônica, durante a construção da Usina”, destaca Matsuko Urabe, cujo marido Masahiro, filho mais velho de Tsuruichi, também viria do interior de São Paulo para trabalhar na Usiminas. O pai havia conseguido fichá-lo e, aos poucos, foi aprendendo tanto o novo trabalho quanto a nova língua.

Já a experiência em siderurgia vivida pelos amigos mais velhos, tanto em Fukuoka quanto em Belo Horizonte e Ouro Preto, contou muito para as posições que assumiram. A de fazer e ensinar um novo ofício aos mais jovens, em um dos maiores projetos de cooperação econômica entre Brasil e Japão na história.

“A Usiminas foi o primeiro investimento no exterior feito pelo Japão no pós-guerra”, lembra Minoru Sakuraoka, filho de japoneses nascido no interior de São Paulo. Um sonho concretizado durante o governo de Juscelino Kubitscheck, em 1957, com a assinatura do acordo Lanari-Horikoshi. O tratado viabilizou a construção da empresa no formato de capital misto (60% estatal e 40% japonês), por meio da Nippon Usiminas, hoje Nippon Steel & Sumitomo Metal Corporation.

Mestres de aço
A proximidade foi uma das primeiras e principais percepções dos brasileiros sobre o modo japonês de botar a mão na massa para ensinar. “Isso encurtou as relações de trabalho. Ou seja, a noção de hierarquia estava eliminada, ou, pelo menos, flexibilizada. Desde a segunda Revolução Industrial feita por eles, nos anos de 1930, a indústria por lá, que já era mecanizada, colocou o trabalhador para ser o ‘cérebro de obra’, e não a ‘mão de obra’. Esse era o principal avanço frente ao capitalismo praticado nos Estados Unidos e na Europa”, explica o historiador Sávio Tarso.


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