Das pesquisas desenvolvidas sobre formulações fitoterápicas no Brasil, menos de 2% tiveram a patente concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) nos últimos anos. Entre essas, está incluída uma invenção de pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que obteve o registro do órgão federal no início deste ano. Os profissionais desenvolveram um gel para cicatrização de feridas em um tempo ágil, a partir de extratos das folhas de embaúba. A invenção é uma entre dezenas que contribuíram para a UFJF integrar o ranking do INPI das 50 instituições brasileiras que mais depositam patentes.
Na UFJF, a proteção de propriedade intelectual é desenvolvida por meio do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), do Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia (Critt). Desde 1995, a instituição realizou 156 depósitos de patentes, sendo 143 de invenção e 13 de modelo de utilidade. Enquanto o primeiro se destaca pelo ineditismo, o segundo trata-se de uma melhoria funcional em algo que já existe.
“Os depósitos de patente são os medidores de inovação de uma instituição, por isso é importante você estar situado em um ranking desses”, explica a gerente do NITT, Ana Carolina Viddon. “Mostra que a instituição tem esse caráter inovador. Nós conseguimos esse resultado, nos integramos entre as 50 maiores instituições depositantes nacionais de patentes.”
Conforme destacado por Ana Carolina, o ranking engloba instituições de ensino superior (IES) e empresas nos âmbitos público e privado de todo o país. O INPI divulgou a lista em outubro do ano passado, tendo como base o ano de 2019. Na ocasião, a UFJF depositou 12 novas patentes de invenção, e passou a ocupar a 45ª posição. Em 2020, o número de registros foi ainda maior, quando o NITT contabilizou 29 novos depósitos.
Formulação fitoterápica
A mais recente patente obtida pela UFJF, de formulação fitoterápica, foi desenvolvida por pesquisadores vinculados ao Instituto de Ciências Biológicas (ICB). De acordo com a professora do Departamento de Bioquímica e uma das integrantes do projeto, Elita Scio Fontes, a observação da atividade cicatrizante do extrato da embaúba ocorreu enquanto os pesquisadores avaliavam outra propriedade da planta. A pesquisa passou a integrar o trabalho da então pós-graduanda Ana Paula do Nascimento Duque, orientada por Elita. “Ela trabalhou com esse extrato e, de fato, percebeu que tinha atividade cicatrizante. Daí nós desenvolvemos um um gel e testamos também em animais. Fizemos esse ensaio pré-clínico e vimos que de fato ele acelerava a cicatrização.”
A equipe vem trabalhando com o pedido de patente do produto desde 2010, desta forma, a aquisição da mesma é significativa para os pesquisadores, especialmente pelo fato de o INPI conceder menos de 2% de patentes de formulações fitoterápicas. “É um trabalho muito longo. Temos que obedecer uma série de critérios, principalmente porque trabalhamos com animais, então tem comitê de ética por trás disso”, explica. “É um ganho para a UFJF e é um ganho para o nosso grupo de pesquisa. É o fruto do nosso trabalho”, celebra a pesquisadora.
A equipe identificou outras propriedades do extrato da embaúba e também já fez o pedido de patente, aguardando o trâmite. Apesar das conquistas, a professora Elita relembra que a pesquisa no Brasil está sendo cada vez mais dificultada, com cortes e baixas nos financiamentos. “É um trabalho muito bonito e, junto com esse, temos outros aguardando a aprovação para termos mais uma formulação fitoterápica, mas ficamos com as mãos atadas porque, realmente, há essa dificuldade de financiamento das pesquisas. É o maior entrave para conseguirmos dar continuidade, porque temos bons profissionais para trabalhar.”
Critt pretende ampliar transferência de tecnologia
Para este ano, o NITT pretende ampliar a divulgação interna de sua atuação. A partir de uma pesquisa realizada na UFJF, o setor identificou que determinadas unidades da instituição demandam maior conhecimento sobre o processo de depósito de patentes, bem como em relação à transferência de tecnologia. “O depósito de patente protege o inventor daquela nova tecnologia, processo ou produto, mas a nossa intenção vai muito além da proteção do conhecimento que foi gerado. Após a proteção, nós visamos a divulgar essas tecnologias e tentar parcerias com o setor privado para transferi-las, de modo que alguma empresa possa produzi-las em larga escala”, explica a gerente do NITT, Ana Carolina Viddon.
Atualmente, o Critt conta com uma “vitrine tecnológica”, onde disponibiliza as criações da UFJF em busca de parceiros para que as mesmas cheguem ao mercado. “Com isso, podemos contribuir para a sociedade no sentido de melhoria de qualidade de vida, porque todas as tecnologias objetivam isso”, destaca.
A ligação entre a universidade e as empresas pode contribuir, inclusive, para a economia local, conforme o professor do Departamento de Física da UFJF, José Paulo Rodrigues Furtado de Mendonça. O pesquisador já depositou 22 patentes de invenção, sendo a maioria por meio do Critt. De acordo com José Paulo, a transferência de tecnologia é um passo importante no processo de invenção.
“As empresas da região que estão interessadas em produzir produtos com alta tecnologia, vão, de alguma forma, receber essa transferência da universidade, e aí você vai fomentar a economia da região”, explica. “O nosso país está precisando exatamente desse tipo de incentivo, porque muitas universidades não têm ainda essa mentalidade de desenvolver a tecnologia e de fazer a transferência para pequenas empresas ou empresas da região, no entorno da instituição.”
Ainda segundo o professor, a transferência de tecnologia também carece de maior interesse por parte dos empresários. “Muitas vezes as empresas preferem comprar um equipamento lá fora e depois revender no Brasil. Por que não desenvolver a tecnologia própria e depois vender o equipamento?”, questiona.
Inovação para o mercado
Dentre suas invenções, José Paulo cita, justamente, uma que está em processo de transferência de tecnologia. Em trabalho conjunto com uma equipe de pesquisadores, técnicos e alunos de graduação e pós-graduação, que integram o Laboratório de Física Aplicada do Departamento de Física da UFJF, o professor coordenou a criação de um equipamento para identificar a presença de água nos óleos de transformadores de subestações de energia elétrica.
“Hoje, você tem que coletar esse óleo e levar para o laboratório de química para fazer as medidas. Nós desenvolvemos um equipamento que consegue detectar, em tempo real, a quantidade de água dentro do óleo sem precisar levar essas amostras para o laboratório, ou seja, a companhia de energia tem, em tempo real, a água que está dentro do óleo desses transformadores”, explica.
O monitoramento do transformador ocorre via rádio. Atualmente, os pesquisadores estão desenvolvendo protótipos do produto em parceria com uma empresa de Juiz de Fora. “Estamos em teste para tirar dados e mostrar a viabilidade desse equipamento e, feito isso e sanando todos os problemas de armazenamento de dados, a nossa ideia é que essa empresa possa depois produzir e atuar na área de energia elétrica”, diz.
“É isso que o Brasil precisa: usar os conhecimentos acadêmicos que a universidade possui. Um grupo de professores desenvolve protótipos no laboratório de pesquisa, faz uma parceria com uma empresa local, ou com uma grande empresa para financiar um projeto, e, uma vez funcionando, nós transferimos essa tecnologia para uma empresa local.”
Despigmentante com alta biodisponibilidade
Em 2006, um pesquisador de Harvard descobriu o resveratrol, uma molécula originária de vinho tinto e frutas vermelhas, com atividade anticancerígena, anti-neoplásica e antioxidante. A mesma ficou conhecida como “molécula da longevidade”, após resultados positivos em testes feitos entre camundongos. Aqueles que estavam em uma situação onde viveriam menos e tomaram resveratrol, acabaram demonstrando uma atividade superior e vida mais longa que os demais. A descoberta chamou a atenção de diversos outros pesquisadores, entre eles, Adilson David da Silva, professor do Departamento de Química da UFJF.
“Eu me interessei muito por esse trabalho e vi que tinha um problema nessa molécula: ela tem uma biodisponibilidade no organismo muito rápida. Ou seja, você toma esse composto e ele fica poucas horas no organismo, então você não tem tempo para ter ação. Foi aí que despertei em trabalhar com análogos e ver se eu conseguia descobrir algo que tivesse a mesma atividade, mas que não tivesse problema da biodisponibilidade”, conta Adilson.
A partir da análise de cerca de cem compostos análogos ao resveratrol, em parceria com a Faculdade de Farmácia, pela professora Nádia Rezende Barbosa Raposo, a equipe da UFJF identificou as mesmas propriedades, porém, com um aspecto também despigmentante. “O diferencial que temos do nosso composto é que ele tem uma melhor biodisponibilidade, e além da propriedade anti-inflamatória superior ao resveratrol, ele é um despigmentante, muito superior às ações que tivemos avaliando o resveratrol como modelo”, explica Adilson. “O despigmentante é usado em remoção de pele fotoenvelhecida, auxilia na redução das rugas, é um composto muito nobre que a gente patenteou com essa intenção.
Encurtar o caminho da publicação para o depósito
O professor Adilson já depositou nove patentes, sendo oito diretamente com o Critt e outra em parceria entre a UFJF e a Universidade Federal de Minas Gerais, que aguarda aprovação do INPI. De acordo com o pesquisador, a UFJF tem grande potencial de invenção, visto que a instituição também se destaca na publicação de pesquisas, sendo possível aumentar ainda mais o depósito de patentes da universidade.
“O pesquisador, pelo menos na UFJF, está mais acostumado a publicar artigos. Nós fazemos a pesquisa, ganhamos projetos na Fapemig, CNPq, Capes, e tínhamos já o hábito de simplesmente publicar os artigos – excelentes artigos, inclusive, a publicação da UFJF está entre as melhores do Brasil. Agora, estamos começando essa sensibilização de que temos que proteger a nossa pesquisa”, explica. “O Critt tem experiência de patentear, de submeter esses trabalhos ao INPI, a linguagem da patente é diferente, então tem pessoas que aceleram esse processo.”
Ainda conforme destacado por Adilson, o desenvolvimento de uma pesquisa requer o trabalho de diversas pessoas, desta forma, a atuação com colaboradores se torna fundamental. “É preciso também formar recursos humanos daqui pra frente, com essa visão de que temos que diminuir essa diferença entre artigos publicados e depósitos de patente”, diz.
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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora