Profissionais que atuam na linha de frente recebem acolhimento psicológico em JF

Com a pandemia, houve um aumento na quantidade de análises feitas pelos funcionários do laboratório da Agência de Cooperação Intermunicipal em Saúde Pé da Serra (Acispes). Assim como em outras unidades que atuam, de alguma forma, na linha de frente do enfrentamento à Covid-19, a demanda gerou sobrecarga para os trabalhadores, principalmente no fim do ano passado, quando o número de casos e mortes voltou a subir na cidade. Foi então que a coordenadora do laboratório, Natália Bento Barbosa Moreira, percebeu alterações no comportamento e no convívio da equipe, causadas pelo estresse, e acionou a diretoria da instituição, que criou o projeto.

O laboratório é o local pelo qual passam todos os materiais biológicos que precisam de análise, tanto as amostras de pacientes diagnosticados com Covid-19 como de pacientes com outras doenças. No início, segundo Natália, havia o medo diante do desconhecido, ninguém sabia muito bem com o que estava lidando. No entanto, naquele primeiro contato, a preocupação era buscar meios de evitar a contaminação, por meio da utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e do reforço dos cuidados com a higiene. Com o passar do tempo, esse medo inicial não foi embora, mas os trabalhadores se acalmaram e seguiram nas suas funções.

O susto da volta do aumento expressivo no número de casos, entretanto, trouxe novamente o medo para a rotina dos profissionais. “No dia a dia percebemos mudanças nos comportamentos. Algumas pessoas ficaram mais emotivas, outras mais estressadas, mas todo mundo estava mais agitado. As conversas sempre eram sobre a Covid-19, sobre quando a vacina chegaria. Houve momentos em que eles se emocionavam junto com os pacientes”, narra Natália.

A situação foi apresentada à diretoria da Acispes e, imediatamente, a equipe de psicologia e de psiquiatria foi acionada para compor um projeto que tem oferecido acolhimento e atendimento em saúde mental aos trabalhadores do laboratório. Com poucas semanas de trabalho, segundo Natália, é possível perceber melhora. “Eles começaram a perceber o quão importantes eles são. Poder falar sobre os seus medos e seus problemas trouxe gratidão. Eles estão super engajados.”

Ainda de acordo com ela, a adesão à iniciativa foi de quase 100% da equipe do setor, e é uma grande contribuição para que eles consigam chegar ao final desta jornada. “Ajuda muito a criar fôlego para chegar ao fim da pandemia, porque passamos por momentos em que a ideia que ficou era a de ‘vamos começar tudo de novo’. Esse projeto, junto com a esperança na vacina, que está chegando, incentivou muito. Tanto que ninguém disse ‘eu desisto’. Temos um retorno muito bom e sentimos que esse cuidado é essencial para todos.”

Na fase inicial do projeto de acolhimento, cerca de 20 profissionais do laboratório estão passando pelo atendimento. A intenção, contudo, é que, com a adesão e o retorno positivo que estão alcançando por meio da ação, o trabalho seja ampliado e inclua outros setores futuramente.

Lidando diretamente com amostras laboratoriais de possíveis pacientes infectados pelo coronavírus, trabalhadores precisam administrar o estresse pertinente ao trabalho, além de outras inseguranças (Foto: Divulgação/Acispes)

‘O início foi muito difícil’

Em sua lida, a técnica em laboratório Atais José da Silva faz a coleta de material nos pacientes do Hospital Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ). Ela foi uma das primeiras funcionárias da Acispes a ser infectada pelo vírus. “Fui muito bem acolhida e assistida. Os médicos ligavam para minha casa todos os dias para saber como eu estava. Isso faz com que a gente tenha mais força para voltar. Pensava: passei por isso e vou dar o meu melhor, porque outras pessoas deram o melhor delas por mim.” Isso ocorreu em maio, período em que ela, assim como os demais trabalhadores estavam aprendendo a lidar com o vírus.

Depois de passar não só pela própria infecção, mas também do contato com os muitos pacientes que passaram pela unidade e de testemunhar mortes e recuperações, ela aderiu ao projeto. “Tudo isso afeta muito o psicológico da gente, deixa todo mundo muito abalado. Hoje consigo lidar melhor com a situação, mas o início foi muito difícil. O acolhimento é muito importante, porque nos mostra que estamos ajudando outras pessoas, mas vamos ter quem nos ampare também. Profissionais que vão nos ouvir, direcionar, tirar dúvidas. É muito válido”, diz Atais.

A técnica em laboratório contou ainda que as recuperações, casos em que os pacientes poderiam ter sequelas, mas saem bem da unidade de tratamento intensivo, impactam muito, porque trazem o sentido da esperança. “Acredito que esse possa ser um projeto que seja levado a outras instituições. É uma fase difícil, mas ela vai passar. Com esse acolhimento, passamos por isso de forma mais tranquila.”

Vulnerabilidade emocional

Com a liberação para fazer o projeto, as psicólogas Laura Hallack e Renata Abreu, que são do serviço de psicologia do Acispes, começaram o trabalho com uma triagem para levantar as demandas individuais. Por meio dela, verificaram que o grupo estava vulnerável emocionalmente, não só pelo aumento da carga de trabalho, mas também por todas as outras questões, como estresse, insegurança, medo de estar exposto, família, entre outros.

“Alguns tinham um quadro de ansiedade que veio a se intensificar. Outros tinham questões pessoais que, com a pandemia, foram agravadas”, explica a psicóloga Laura Hallack. A partir desse contato, foi traçado um plano para cada funcionário que aderiu ao projeto. Alguns precisaram de atendimento individual, e aqueles que precisavam mais de uma acolhida ou orientação foram atendidos em grupo.
Embora ainda esteja na fase inicial, ela comenta que o retorno tem sido positivo. “Eles não estão mais se sentindo sozinhos, sem ter com quem desabafar e trocar ideias. A saúde mental é um direito de todos. Às vezes, a pessoa acha que tem que dar conta de tudo sozinha, mas acaba se sentindo vulnerável em um momento ou outro e precisa desse atendimento.”

Laura ainda comenta que a intervenção foi feita na hora adequada, porque os casos poderiam evoluir para uma patologia mais grave. “Devemos cuidar da nossa saúde física, do isolamento, das medidas de higiene… Mas também é preciso cuidar da saúde mental. Temos que nos adaptar com resiliência à fase de vida pela qual estamos passando. Mesmo com a vacina, a vida não vai ser a mesma. Precisamos aprender a conviver com o coronavírus e com as circunstâncias que estão por vir”, finaliza.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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