Quase metade das vítimas de abuso sexual tem entre zero e 12 anos em JF

A Polícia Civil de Juiz de Fora continua a investigação sobre a suspeita de abuso sexual contra um menino de 2 anos, registrado em 18 de setembro deste ano. O crime veio à tona depois que a Polícia Militar foi acionada pela equipe médica de um hospital na cidade, onde a vítima foi atendida. Na ocasião, a médica plantonista relatou que a criança deu entrada na instituição de saúde e foi diagnosticada com diversas lesões. A hipótese era de que as feridas fossem provenientes do vírus HPV, que pode ser transmitido através de relação sexual. O inquérito está sendo conduzido pelo delegado titular da 1ª Delegacia, Luciano Vidal, que, por meio de sua assessoria de comunicação, afirmou que só irá se pronunciar a respeito ao término da investigação.

A suposta violência contra o menino engrossa as estatísticas sobre abuso sexual de menores registrado em Juiz de Fora. Apenas este ano, de 1º de janeiro a 31 de agosto, 127 vítimas foram atendidas no Parbos (Protocolo de Atendimento ao Risco Biológico Ocupacional e Sexual) do Hospital de Pronto Socorro (HPS). Segundo dados da Secretaria de Saúde, desse total, 45% das vítimas, ou 58 delas, tinham idade entre zero e 12 anos. Além disso, 121 delas eram do sexo feminino, enquanto outras seis, do masculino. Todavia, como alerta o Ministério Público, por meio da Promotoria de Defesa da Educação e dos Direitos da Criança e do Adolescente, existe uma sobnotificação dos casos, já que nem todos chegam para atendimento ao Parbos. Além disso, em muitas situações, não há a constatação de conjunção carnal, o que leva as famílias a desistirem da denúncia e das providências necessárias.

De acordo com a promotora de Defesa da Educação e dos Direitos da Crianças e do Adolescente, Samyra Ribeiro Namen, o fato de haver contato sexual com a criança não significa que ela tenha sido desvirginada a ponto de necessitar de exames médicos. “Muitas vezes, o abuso sexual é praticado de forma velada e não, necessariamente, essa criança apresenta algum aspecto exterior que mostre que ela tenha sido violentada. Na maioria dos casos, a mãe, quando toma o conhecimento dos fatos, procura um médico particular e constata que não houve penetração e, dessa forma, o Parbos não é acionado. Os números que temos registrados não traduzem a realidade desse tipo de violência, porque não englobam esses casos que não houve constatação de penetração e foram comunicados a médicos fora da rede pública”, considera a promotora.

Ainda segundo ela, ultimamente, não há um dia em que a promotoria na qual atua não receba uma denúncia de violência sexual contra menores. Samyra ressalta que tem ficado, cada vez mais comum, denúncias envolvendo vítimas com idade entre 2 e 4 anos. A mesma constatação é verificada pelo Conselho Tutelar Sul-Oeste. “Recebemos casos de vítimas que vai de bebês até adolescentes. Observamos ainda que é um número equiparado de meninas e meninos sendo abusados”, afirma Juliana Norte, conselheira que atua no órgão. É bom lembrar que existem três unidades do Conselho Tutelar em Juiz de Fora (Centro-Norte, Leste e Sul-Oeste). Eles são órgãos permanentes e autônomos criados por lei, não jurisdicionais e encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

Juliana adverte que, na maioria das situações, a criança ainda não tem noção de que está sendo vítima de abuso. “Às vezes, ela considera que aquilo é um carinho e só muito tempo depois percebe que aquilo faz mal e não é normal. Quando isso acontece, a criança passa a ser ameaçada e passa a se sentir culpada. Recebemos muitas vítimas que se sentiam culpadas por serem abusadas e só na adolescência criam coragem para pedir ajuda”, diz Juliana. Na visão da promotora Samyra, as crianças mais novas são as vítimas mais vulneráveis, porque não entendem que precisam se defender e desconhecem aquilo como abuso. “Geralmente, o abusador é o pai, o tio, o avô, o namorado da mãe ou o padrasto. Então, essas crianças crescem em um ambiente doméstico e acabam considerando o que acontece como algo normal e não têm como se defender. Como elas não têm convivência com outras pessoas, muitas vezes ainda não estão na idade de frequentar uma creche ou a escola e, até quando chega à idade escolar, não conseguem verbalizar o que está acontecendo, pois há casos em que elas são amedrontadas pelo abusador. É comum inclusive a mãe dentro de casa não saber o que está acontecendo.”

Dentro de casa

A titular da Delegacia Especializada em Atendimento às Mulheres, Ângela Fellet, lembra que, na cidade, não há muitos registros de mulheres que são vítimas de abuso sexual nas ruas cometido por pessoas desconhecidas. O maior número, segundo ela, acontece dentro de casa. “Os pais devem prestar a atenção no contato que as crianças têm, por exemplo, com padrastos e tios, que são os abusadores mais comuns nas ocorrências que chegam para a delegacia ou outros conhecidos que tem acesso dentro de casa”, afirma Ângela, acrescentando que é preciso ter diálogo com os filhos.

“A prevenção é o melhor remédio, e é preciso conversar a fim de que a criança entenda que seu corpo é de propriedade dela e explicar quais as pessoas podem tocá-la.”

A delegada ainda assinala que a Especializada toma conhecimento do caso por meio do registro de boletim de ocorrência, mas ela orienta que os pais procurem, diretamente, a delegacia, para que as providências sejam tomadas o mais rápido possível. “O acionamento da delegacia o quanto antes é mais fácil para a apuração do crime.”

Mais de 60% dos violentados estudam no ensino fundamental

Os dados da Secretaria de Saúde mostram que das 127 vítimas atendidas no Parbos, nos primeiros oito meses do ano, 78 delas, ou 61%, eram estudantes do ensino fundamental. Para a promotora Samyra Ribeiro Namen, a escola tem papel fundamental no que se refere às denúncias e medidas necessárias que devem ser tomadas quando o assunto é violência sexual. “As escolas são os locais onde as crianças conseguem, de forma mais fácil, fazer esse tipo de comunicação, além de ser o espaço onde também podem ser notadas mudanças de comportamento que denotem o abuso sexual, como a não aceitação do toque, o distanciamento em relação a outras pessoas que estão no ambiente e a forma de se vestir da cabeça aos pés para não exibir o corpo. Muitas vezes, as crianças pequenas fazem desenhos que não são comuns, simulam situações da vida adulta que elas ainda não têm acesso. Isso tudo pode ser notado pelo professor, que acende um sinal de alerta e aciona o Conselho Tutelar”.

A conselheira Cecília Marques, que também atua no Conselho Tutelar Sul-Oeste, destaca que, além da escola, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), coloca que é dever da família, da sociedade e do Poder Público garantir os direitos dessas vítimas e também fazer as denúncias. “Às vezes, as pessoas sabem que existe um abuso ou uma situação de risco para a criança, mas se cala. É dever não somente de um familiar como de toda a sociedade, como um vizinho, comunicar esse tipo de situação. As denúncias podem ser feitas pelo telefone ou de forma presencial no Conselho ou pelo Disque 100. Essa denúncia pode ser anônima, inclusive de forma presencial, pois basta o denunciante pedir o anonimato”, explica Cecília. Ela relatou que já atendeu a um caso no qual uma adolescente, quando era mais nova, negou ter sido abusada e, depois, ao chegar aos 16 anos, teve coragem de denunciar. “ É muito difícil para as vítimas terem que denunciar um familiar, pois acham que não terão crédito. É bom destacar que tem muitos adolescentes que se escondem e não têm apoio familiar e passam a ter tendência suicida. Já recebemos casos de vítimas que se mutilavam na tentativa de transformar suas dores em algo físico, e é triste receber um adolescente que passa por esse processo de mutilação.”

Consumo de álcool ou droga potencializa abuso

Conforme as conselheiras tutelares, com base nas ocorrências que atendem, diariamente, o perfil dos abusadores está muito ligado, na maioria dos casos, ao uso de drogas e de bebida alcoólica e a distúrbios mentais. O órgão já atendeu, inclusive, situações em que os pais tratam suas filhas como esposas. Sandra Peron, que também atende no Conselho Sul-Oeste, o consumo de álcool ou droga funciona como potencializar do abuso.
“Entorpecido, o abusador irá saciar o seu desejo com quem está mais próximo dele. Esse perfil é muito diverso, mas o homem geralmente é quem mais tem cometido os abusos dos casos que chegam para o Conselho. Mas, já recebemos casos de mulheres como abusadoras”, pontua Sandra.

Ela também ressalta que não há diferença para classe social no que tange à prática de violação de menores. “Os abusos estão presentes em qualquer classe. Mas, é bom lembrar que recebemos muitas denúncias encaminhadas pelas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Nelas, quando é percebido que houve abuso nos atendimentos, suas equipes acionam, imediatamente, o Conselho Titular e a Polícia Militar. Já nos hospitais particulares, as denúncias são muito menores. O fato é que o serviço de saúde pública funciona muito bem em uma situação dessa e, por esta razão, há a impressão de que os casos aconteçam mais nas classes de menor poder aquisitivo”.

Impacto na vida das vítimas

Uma das medidas de proteção aplicada às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual é o encaminhamento ao psicólogo. É esse profissional que irá trabalhar como o abuso impacta a vida de cada um deles, uma vez que fica marcada para sempre e é necessário grande esforço para superação. “As vítimas apresentam dificuldade de relacionamento e irão necessitar desse apoio para superar alguns traumas”, avalia a promotora Samyra Ribeiro Namen.

“Para os que passaram pelo abuso, é um dano para toda a vida. Essas pessoas apresentam um comportamento muito arredio, de repulsa. É um dano moral, emocional e psíquico. No futuro, elas podem ter uma dificuldade de socialização, de terem confiança e de se relacionarem com o outro, de manterem relacionamentos afetivos duradouros e até de viverem a sua sexualidade de forma sadia”.

Samyra Ribeiro enfatiza que, para as famílias, ao perceberam o abuso, a primeira ação que deve ser realizada é o afastamento da vítima do possível abusador. “Os familiares podem procurar o Ministério Público para que entre com uma medida a fim de tirar o abusador do contato com essa criança. Além disso, deve-se procurar os meios cabíveis, como a polícia, com o objetivo de verificar o que está ocorrendo no âmbito criminal. O melhor caminho é procurar o Conselho Tutelar mais próximo de casa ou ligar para o Disque 100, pois a denúncia será encaminhada para investigação”.

A promotoria também pode receber a denúncia por meio presencial. “Aqui, fazemos os encaminhamentos necessários e, se for constatado o crime, o caso será encaminhado para a polícia, e isso é feito de modo a evitar que a criança seja o menos traumatizada possível, pois, cada vez que ela precisa repetir a história é novamente traumatizada. Por isso, nosso trabalho de atendimento é feito da forma mais tranquila possível”, orienta a representante do Ministério Público.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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