Proposta de moeda comum é bem avaliada por especialistas

Presidente Lula anunciou estudos em viagem a Buenos Aires

A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a criação de uma moeda comum entre Brasil e Argentina, que poderia se chamar Sur (Sul em espanhol) causou polêmica, dúvidas e dividiu opiniões. A ideia é que as equipes econômicas de Brasil e Argentina trabalhem em uma proposta de criação de uma moeda comum que possa ser usada nos fluxos comerciais e financeiros, com o objetivo de reduzir custos operacionais e a dependência de moedas estrangeiras.

O presidente Lula anunciou ontem (23), em entrevista conjunta com o presidente argentino, Alberto Fernández, em Buenos Aires, que os governos do Brasil e da Argentina terão um grupo de trabalho para analisar a criação de uma moeda comunidade comercial – ou unidade de conta comum – a ser usada nas transações entre os dois países para reduzir a dependência do dólar.

A ideia foi bem recebida por especialistas e poderia fortalecer a relação entre os países envolvidos. Só que a viabilidade foi questionada, já que a situação econômica de Brasil e Argentina são bem diferentes.

“Vale ressaltar que a proposta ainda está sendo estudada”, observa a presidente do Conselho Regional de Economia – 10ª Região – Minas Gerais (Corecon-MG), Valquíria Assis. Ela explica que uma das vantagens da criação da moeda é facilitar a comercialização de compra e venda entre os países, ou seja, reduzir a barreiras comerciais, simplificar e modernizar regras.

Para a dirigente, uma moeda comum tende a ser positiva nos blocos dos países da América Latina, uma vez que dinamiza e fortalece as relações financeiras e comerciais. “Mas isso não seria uma realidade imediata”, frisa. Ela lembra que o ex-ministro da Economia Paulo Guedes também defendeu a adoção de uma moeda comum. Em maio de 2022, durante o Fórum Econômico Mundial, o então ministro da Economia voltou a falar da possibilidade de uma moeda comum entre Brasil e Argentina, o “peso-real”, tema que já havia aventado em 2019, diferente da proposta do atual governo. Na ocasião, Guedes defendeu maior integração na América Latina num cenário de 15 anos.

O economista e assessor cambial na iHUB Cambio, Maciel Vicente, também fez uma análise positiva da possibilidade que reduziria os custos nas transações financeiras e comerciais entre os países envolvidos. Entretanto, ele ressalta que adoção da ideia não seria rápida.

Para o especialista em finanças e planejador financeiro, Marlon Glaciano, o principal apelo da moeda única é deixar de utilizar o dólar em trocas comerciais, o que traria facilidades. Entretanto, ele observa que há empecilhos para que isso possa acontecer. “O desafio é unificar a política financeira em países com características bem diferentes”, observa. O que é o caso de Brasil e Argentina, que vivem momentos econômicos diferentes.

Ele afirma que a proposta pode ser viável, depois de muitos estudos e muitos anos de análises. “Nem cabe precisar quanto tempo, visto que esse tema envolveria muitas equipes econômicas”, observa.

Ontem, o presidente Lula declarou, em Buenos Aires, que tudo será feito “com muito debate e muitas reuniões” e que, se dependesse dele, o comércio exterior seria feito sempre nas moedas dos outros países, para não depender do dólar.

Para o gestor de finanças e CEO da Epar, Eduardo Luiz, a ideia de uma moeda única no contexto do Mercosul seria positiva no sentido de aumentar a integração entre os países, em especial, no âmbito econômico, só que hoje não seria viável, já que a economias dos países envolvidos não estariam maduras. “A gente não pode tratar de forma igual os desiguais”, diz. Ele lembra que as condições econômicas entre Brasil e Argentina são bem diferentes. “Hoje não existe um horizonte”, frisa. O executivo da empresa especialista em gestão afirma que o Brasil precisa intensificar relações com regiões e países que trazem mais divisas, como a Ásia.

Já o coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec BH, Ari Francisco Araujo Junior, a moeda contábil proposta não é necessária, já que não traria ganhos comerciais. Ele afirma que o Brasil tem outras prioridades, como o controle da dívida pública.

DIFERENÇA ENTRE MOEDAS COMUM E ÚNICA

A adoção do Sur não significa a morte do real e do peso argentino, já que a nova moeda seria usada para transações comerciais, explica a presidente do Conselho Regional de Economia – 10ª Região – Minas Gerais (Corecon-MG). “Da forma que está sendo proposta, a moeda comum coexistiria com as moedas dos países envolvidos”, explica.

Um exemplo de moeda única é o euro, adotado nos países que integram a União Europeia, usado não só nas relações comerciais bem como no dia a dia dos habitantes da região. Já a moeda comum que Brasil e Argentina estudam criar serviria apenas para facilitar transações comerciais sem a necessidade de recorrer ao dólar.

Haddad: sem relação com ideia de Guedes
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ontem que o plano para criação de uma moeda comum entre Brasil e Argentina não tem relação com a ideia do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, de estabelecer uma divisão única.

“Meu antecessor defendeu uma moeda única, não é disso que estamos falando, não se trata da ideia de Paulo Guedes. Trata-se de avançarmos nos instrumentos previstos e que não funcionaram a contento”, disse, durante evento em Buenos Aires, na Argentina.

O ministro citou como exemplos que não funcionaram bem a possibilidade de pagamento em moeda local pelos dois países e o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), mecanismo de compensação entre bancos centrais.

Em agosto de 2021, Guedes afirmou que uma moeda única para o Mercosul possibilitaria uma integração maior e uma área de comércio livre, e criaria uma divisão que poderia ser uma das “cinco ou seis moedas relevantes no mundo”.

Ontem, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, também explicou que a ideia de criar uma moeda comum para transações entre Brasil e Argentina nada tem a ver com uma substituição das moedas nacionais. “É justamente pela baixa conversibilidade do peso, e porque a gente entende que é difícil aceitar o peso no comércio internacional hoje que está se pensando em outra forma de unidade de conta e de meio de pagamento”, afirmou em entrevista à GloboNews.

Galípolo enfatizou que o objetivo da iniciativa não é superar o dólar como moeda internacional, ponderando que “parece fazer pouco sentido” ter o comércio da região constrangido em função da política monetária norte-americana.

Haddad também disse que a integração dos países da América Latina deveria ser “um pouco mais radical”, mencionando também que o “Mercosul foi uma grande iniciativa, mas penso que chegou o momento de ser mais ambicioso”.

BNDES vai voltar a financiar países vizinhos

Após anos de proibição, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltará a financiar projetos de desenvolvimento e de engenharia em países vizinhos, disse ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele deu a declaração acompanhado do presidente argentino, Alberto Fernández, em encontro com empresários brasileiros e argentinos durante a viagem a Buenos Aires.

Segundo Lula, a atuação do banco de fomento é importante para garantir o protagonismo do Brasil no financiamento de grandes empreendimentos e no desenvolvimento da América Latina. “Eu vou dizer para vocês uma coisa. O BNDES vai voltar a financiar as relações comerciais do Brasil e vai voltar a financiar projetos de engenharia para ajudar empresas brasileiras no exterior e para ajudar que os países vizinhos possam crescer e até vender o resultado desse enriquecimento para um país como o Brasil. O Brasil não pode ficar distante. O Brasil não pode se apequenar”, declarou Lula.

No discurso, o presidente também defendeu que o BNDES empreste mais. “Faz exatamente quatro anos em que o BNDES não empresta dinheiro para desenvolvimento porque todo dinheiro do BNDES é voltado para o Tesouro, que quer receber o empréstimo que foi feito. Então, o Brasil também parou de crescer. O Brasil parou de se desenvolver e o Brasil parou de compartilhar a possibilidade de crescimento com outros países”, disse.

No governo anterior, o BNDES fez auditorias em financiamentos a países latino-americanos na década passada e divulgou o resultado numa página especial no site da instituição na internet. As investigações não encontraram irregularidades.

Relação bilateral

Ao lado de Fernández, Lula destacou a importância da relação bilateral entre o Brasil e a Argentina. O país é o terceiro maior destino das exportações brasileiras e o principal mercado dentro da América Latina. Por sua vez, o Brasil é o país de onde os argentinos mais compram. O comércio concentra-se na compra de trigo argentino pelo Brasil e na venda de automóveis e peças de veículos dos brasileiros para o país vizinho.

“A Argentina é, em toda a América Latina, o principal parceiro comercial do Brasil. A Argentina e Brasil tinham um comércio maior do que Brasil e Itália, maior do que Brasil e Inglaterra, maior do que Brasil e França, maior do que Brasil e Rússia, maior do que Brasil e Índia”, declarou Lula.

Durante o evento, Lula disse que a posição da Argentina no comércio exterior precisa ser valorizada. “A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, só perde para a China e para os Estados Unidos. Isso tem que ser valorizado. Isso só pode ser valorizado, não por conta dos presidentes, mas por conta dos empresários. São vocês [os empresários] que sabem fazer negócio, que sabem negociar”, acrescentou o presidente brasileiro.

Do lado argentino, Alberto Fernández saudou a retomada das conversações em alto nível entre as duas nações. “O que nós estamos fazendo é voltar a fazer com que os vínculos Brasil e Argentina voltem a funcionar, vínculos esses que foram prejudicados”.

Os dois presidentes ainda receberam um documento conjunto elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a União Industrial Argentina (UIA) com propostas para impulsionar as relações comerciais entre os dois países, e com outros parceiros comerciais, especialmente a partir do Mercosul.

As informações são do Diário do Comércio.

Foto: Reprodução das redes sociais.

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