MORTE DA MARIA FUMAÇA EM SÃO JOÃO DEL REI? A POLÊMICA CONSTRUÇÃO DA ESTAÇÃO DE ESGOTO DE TIRADENTES EM TERRAS DE DEL REI

A histórica cidade de Tiradentes ainda não dispõe de sistema de tratamento de esgoto sanitário para a sua população. A última tentativa do município ocorreu em 2018, mas o procedimento foi suspenso. Isto porque Tiradentes se absteve de constituir a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) no próprio município, para transferir o local da obra para local pertencente ao município de São João del-Rei, nos limites da linha férrea que margeia o Rio das Mortes, por onde passa a Maria Fumaça.

Tal iniciativa gerou um impasse jurídico entre os municípios de São João del-Rei e Tiradentes, devido aos impactos ambientais e sociais que a construção poderá causar. Para agentes públicos, juristas, especialistas e defensores do patrimônio histórico, ambiental e cultural, o local de instalação da ETE é altamente violador de bens jurídicos e princípios constitucionais.

Desde 2009, a Copasa assumiu a coleta, o transporte, tratamento e a destinação final do esgoto de Tiradentes, após a Câmara Municipal autorizar o Poder Executivo a transferir ao Estado de Minas os serviços públicos municipais de esgoto sanitário. Ainda em 2011 a Copasa deu início à construção da ETE próxima à linha férrea e a residência dos moradores do bairro Várzea de Baixo. Na época, entretanto, a população da região conseguiu impedir na Justiça o andamento da obra, alegando que as propriedades seriam desvalorizadas pelos impactos ao meio ambiente e a comunidade.

O entrave, agora em São João del-Rei, assim como ocorreu em Tiradentes, diz respeito ao impacto ambiental, cultural e social negativo com a construção da ETE, em desfavor dos munícipes de São João del-Rei e Tiradentes. Além disso, o poder público são-joanense também alega que a Copasa não notificou o município quanto ao início das obras, em meados de 2018. Tampouco apresentou uma documentação com o projeto e o licenciamento ambiental necessários a validar tal construção.

Segundo o Engenheiro Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente de São João del-Rei, Bernardo Márcio Lima, o conhecimento da obra se deu apenas quando o Prefeito Nivaldo Andrade (PSL)  identificou uma movimentação de terra no local. A partir daí, a Secretaria de Meio Ambiente visitou a obra e solicitou a apresentação das licenças em um prazo de até 10 dias.  “Comunicamos ao Ministério Público, que tomou frente, e a partir disso marcou uma audiência com a Copasa e as Prefeituras de Tiradentes e São João. Aí, a Copasa, de certa forma, reconheceu que não havia feito nenhuma comunicação com São João del-Rei”, esclarece o engenheiro.

Ainda segundo Lima, o problema também se baseia nas políticas de uso e ocupação do solo, que estabelecem para a região uma expansão mobiliária nos próximos anos. “A nossa Secretária esteve várias vezes em Tiradentes para conciliar a situação. A gente entende essa importância, mas esse local não é apropriado para construção”, ressalta. Por outro lado, para o Promotor do Meio Ambiente de São João del-Rei, Antônio Pedro da Silva Melo, esse argumento é uma projeção remota: “São João del-Rei cresce para o lado da Colônia. Essa teoria que a prefeitura usou não se sustenta”.

O promotor tem contato com o processo desde 2019, e explica que um dos erros da Copasa foi, inicialmente, acreditar que não haveria problema com o município de São João del-Rei, pois o terreno está mais próximo de Tiradentes. “Eles não tiveram o cuidado e talvez experiência sobre como funciona isso juridicamente para cuidar de preparar o terreno na esfera política e de negócios, e já foram fazendo a terraplanagem”, explica Antônio.

Revela ainda, que por parte da Prefeitura de São João del-Rei  não haverá obstáculos quanto à construção, e que se a Copasa judicializar o processo, um pequeno grupo de moradores não poderá mudar a estação de lugar. “O que os moradores podem reivindicar é direito público, ou, no máximo, uma indenização por alguma desvalorização que eles tiverem, mas isso aí é só depois que tiver implantada. Portanto, eu vejo com bastante otimismo por parte do município de Tiradentes a construção da ETE”, pontua o promotor.

A falta de comunicação, inclusive, também repercutiu nos trabalhos fiscalizatórios de edis da Câmara Municipal de São João del-Rei, ao tomarem conhecimento do processo no início de 2020. De acordo com o Vereado, Altamir Zanetti (Democratas), a constatação da situação ocorreu após uma denúncia anônima, o que ensejou a visita de alguns vereadores ao local. Alega que averiguaram “uma abertura grande com algumas construções de tratamento de esgoto; toda a parte de contenção já realizada e quando nós chegamos no local a obra estava inacabada”.

O vereador também esclarece que o terreno foi adquirido de um terceiro pela  Copasa, mas sem qualquer aval da Secretaria de Meio Ambiente e Obras para o início da construção. “O que constatamos da Prefeitura de São João del-Rei é que nada foi publicado. Inclusive, foi solicitada uma explicação do prefeito, mas não obtivemos resposta”, diz Zanetti. No dia 13 de Março, a Câmara realizou uma Audiência Pública para discutir a questão se posicionando absolutamente contrária à construção da ETE e os possíveis prejuízos insofismáveis que poderá causar à população.

“Nós vereadores não somos contra a construção de Estações de Tratamento de Esgoto, nós somos favoráveis. Toda cidade tem que ter a sua construção, tratar o seu esgoto, mas as questões precisam ser feitas em conformidade com a legislação, para não prejudicar o meio ambiente e o turismo”, complementa o presidente da Câmara, vereador Igor Sandim (PODEMOS).

A interferência da Câmara, segundo o promotor Antônio Melo, entraria no que diz respeito a um município construir dentro do outro, no que importa em autonomia que o município tem sobre a sua área. “Só que nesse episódio eu acho que ela pode ser chamada pra passar lá um Projeto de Lei que certifique a autonomia do município com a outra ali dentro”, finaliza.

Representantes da comunidade local, pequenos produtores rurais, comerciantes e representantes de centenas de moradores impactados, participaram ativamente da Audiência Pública convocada pela presidência da Câmara Municipal de São João del-Rei. Também presentes os secretários e diretores de diversos órgãos, a exemplo do Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Na ocasião, as representações demonstraram publicamente a inconformidade com a edificação da ETE no local que se encontra, em razão de motivos que se traduzem em: 1) violação a princípios constitucionais; 2) impacto altamente negativo e prejudicial à cultura e ao turismo das cidades de São João del-Rei e Tiradentes, visto que a estação de tratamento margeia a linha férrea por onde passa a Maria Fumaça; 3) proximidade com o córrego da pedra, que desagua no Rio das Mortes, que receberá os descartes da ETE, sendo certo que há comunidades de pessoais, bem como seus animais, que sobrevivem da água do córrego da pedra; 4) mais de 400 pessoas cujas vidas serão diretamente impactadas com a construção da ETE, considerada absolutamente irresponsável; 5) os representantes da Copasa jamais procuraram a comunidade local para uma reunião e para apresentar um plano de impacto sério que levasse em conta a subsistência dessas centenas de pessoas cujas vidas poderão ser prejudicadas com a construção; 6) a falácia de não causar cheiro, questão comprovada em diversas ações que foram levadas ao Poder Judiciário e por isso os embargos e iniciativas foram feitas agora, antes que o mal se estabeleça diretamente em locais que necessitam de proteção de agentes comprometidos em honrar bens e princípios constitucionais e que estudem criteriosamente outro local para se fazer a ETE; 7) indignação com a irresponsabilidade de gestores públicos do município de Tiradentes, por desprezarem a dignidade dessas centenas de pessoais atingidas com a construção fora do próprio município que receberá o tratamento de esgoto, uma “problema que foi retirado de Tiradentes e transferido para a zona rural de São João del-Rei”, afirmação reiterada na Audiência Pública.

 

O QUE DIZ TIRADENTES E A COPASA

O atual Prefeito de Tiradentes, Zé Antônio do Pacu (PSDB), disse não estar a par das primeiras negociações entre a COPASA e São João del-Rei para a construção da ETE, que iniciaram “em mandatos anteriores, quando o esgoto da cidade foi vendido para a Copasa”. Segundo o prefeito, embora a construção seja em São João o núcleo urbano de Tiradentes é que será mais prejudicado.

Quando questionado o que Prefeitura Municipal faria sobre o impasse, Zé Antônio afirmou não ter nada que o poder municipal possa fazer para solucionar o impasse, agora que o processo será resolvido judicialmente.

Tanto Zé Antônio quanto a Copasa sustentam que a ETE não terá mau cheiro, por se tratar de um processo de decantamento. Por meio da assessoria de imprensa, a Copasa informou estar comprometida com a implementação da ETE e o tratamento do esgoto coletado em Tiradentes, contribuindo para a despoluição do Rio das Mortes, que corta as duas cidades.

“A Companhia está buscando a melhor solução para superar o impasse sobre o local de implantação da ETE, podendo, assim, dar continuidade a esse empreendimento que, além de melhorar as condições da população, irá proporcionar a melhoria na qualidade da água, o que poderá impulsionar o potencial turístico da região”.

Milhares de vozes contrárias à instalação da ETE em São João del-Rei, para servir ao município de Tiradentes, decretam que tal iniciativa  irresponsável que afronta a legalidade e que é um decreto de morte ao meio ambiente sustentável e a bens culturais como a Maria Fumaça e o Córrego da Pedra.

A nota da Copasa não justifica  porque tal prestadora de serviço público deixou de solicitar  as licenças, de ouvir os representantes das comunidades impactadas, o Patrimônio Histórico e outros setores e de informar a prefeitura de São João del-Rei para a construção da ETE.

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