Médico, Juracy Neves também usou suas habilidades como gestor

Apesar das incontáveis mortes que presenciou em sua carreira como médico, a que mais chocou Juracy Neves surgiu bem antes em sua vida e significou, talvez, sua maior perda: o falecimento de seu pai, José Antunes Neves, mais conhecido como José Jorge, morto por uma infecção aos 37 anos. “Desde cedo, sabia que seria médico”, narra o editor geral da Tribuna, Paulo Cesar Magella, na biografia “O homem da planície: Vida, obra e ideias de Juracy Neves”. A inspiração, quando ainda era criança, surgiu em meio à Segunda Guerra Mundial, durante um discurso do médico Joaquim Otaviano, recém-chegado a Lima Duarte, cidade onde a família de Juracy morava. “Aquilo me empolgou. Falei para o meu pai que iria ser médico. Inspirado naquele discurso, alimentei esse sonho até me formar. Em nenhum momento vacilei”, conta ele na obra.

Mesmo não passando em seu primeiro vestibular para a Faculdade de Medicina em Belo Horizonte, Juracy não desistiu e acabou ingressando na primeira turma da Faculdade de Medicina em Juiz de Fora, em 1953. Estreante entre os sete irmãos a entrar em um curso superior, o jovem nascido em Lima Duarte não se importou com preconceitos, embora tenha percebido estar em um universo bem diferente daquele a que estava acostumado. “No dia da matrícula, conheceu Olamir Rossini. Sentados na calçada da faculdade, entabularam a primeira conversa. Cada um mais curioso que o outro, queria saber o que pensava e como iria tocar a vida numa faculdade que, mesmo sendo de graça, tinha livros caros, sobretudo numa época em que o acesso à informação era quase zero. Descobriram que tinham problemas semelhantes. Aprovados no mesmo ano e para a mesma turma, a pioneira dos cursos de Medicina em Juiz de Fora, começaram uma parceria que duraria toda uma vida”, revela Magella.

As dificuldades em conciliar a faculdade com a falta de dinheiro levaram os amigos a criarem o Barros Terra, o primeiro curso preparatório de vestibular de Juiz de Fora, voltado, inicialmente, para novos candidatos ao curso de Medicina. As aulas começaram em uma sala na Academia de Comércio e depois seguiram para uma sala alugada na Rua Braz Bernardino. Juracy e Olamir se formaram em 1958, junto com o médico psiquiatra José Carlos de Castro Barbosa, orador da turma e autor do livro “Criação da Faculdade de Medicina de Juiz de Fora”. Os 16 formandos receberam como paraninfo, durante cerimônia no Cine-Theatro Central, o presidente da República, Juscelino Kubitschek, também médico.

Juracy fez residência em cirurgia na Santa Casa de Misericórdia, principal referência hospitalar da região na época, fundada em 1854. Mal sabia ele que, mais tarde, seria o provedor do mesmo hospital, função exercida com sucesso por uma década, de 1984 a 1993. Em 1963, a parceria com Olamir levou à criação do Instituto Oncológico. “Tinha uma característica própria: atender com qualidade todas as pessoas, sem qualquer distinção de classe social. O tratamento humano – como até hoje está na missão do hospital – era feito com equipamentos sofisticados, garantindo que todos fossem atendidos pelo instituto, indigentes ou particulares. Tudo de forma igualitária”, descreve sua biografia. O Oncológico funcionou na Avenida Getúlio Vargas até 1967, quando sua sede foi transferida para a Rua Santos Dumont, no Bairro Granbery, onde permanece.

“O hospital não parava de crescer. Já em 1975, foi inaugurado o serviço de Mastografia (método complementar para diagnóstico de patologia mamária). O exame ingressou na rotina do hospital como reforço para ações preventivas. Juracy e Olamir tinham planos mais ousados. Em 1976, para facilitar o acesso de pacientes de outras regiões, criaram a filial de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, tornando-se referência para toda a Baixada Fluminense”, continua o texto. Em abril de 1985, quando Juracy já estava envolvido com a Solar Empreendimentos, sendo dono de uma emissora de rádio e de um jornal, ele decidiu que era o momento de deixar o Oncológico.

Voltando a 1963, quando Adhemar Rezende de Andrade era prefeito de Juiz de Fora, Juracy foi indicado pelo então secretário municipal de Saúde e colega de turma, José Carlos Barbosa, para ser diretor do Pronto Socorro Municipal (PSM). “Já naquele tempo, era a porta de entrada das principais demandas da saúde de emergência de Juiz de Fora. Conhecedor do serviço em decorrência da experiência de plantonista, Juracy mudou procedimentos e, como relatou o próprio José Carlos, modernizou o atendimento de emergência da cidade. Uma das medidas foi repetir o que já vivera na Santa Casa quando era um dos assistentes de João Villaça. Todo atendimento no hospital, ou em domicílio, seria feito por um médico sempre acompanhado de um acadêmico, e não este sozinho. Também na sua gestão foi criado o serviço social”, detalha Magella. Dois anos depois, quando José Carlos foi fazer pós-graduação em psiquiatria no Rio de Janeiro, Juracy assumiu a Secretaria de Saúde, cargo que ocupou até 1966.

Outra parceria firmada com o médico José Carlos Barbosa foi a construção do Hospital São Marcos, na Avenida Olegário Maciel, dedicado a pacientes com deficiência mental. Cerca de cem mulheres foram atendidas na instituição, que fechou as portas, já em outra gestão, durante o recente processo de desospitalização de pacientes com doenças mentais.

A Santa Casa e a criação do Plasc

“Numa manhã de dezembro de 1983, Juracy estava em seu escritório na Solar quando recebeu a visita do médico Luiz Villaça, filho de seu mentor João Villaça e primo em primeiro grau de Suzana, sua mulher. Se conheciam há muitos anos. (…)Acompanhado de alguns médicos, Villaça fez uma longa explanação sobre o que estava ocorrendo na Santa Casa. O hospital vivia um momento crítico em suas finanças e precisava de alguém com visão de negócios e pragmático para tirá-lo do buraco. Caso contrário, o único caminho seria fechá-lo”, explica o editor geral da Tribuna, Paulo Cesar Magella, na biografia “O homem da planície: Vida, obra e ideias de Juracy Neves”, sobre os momentos que antecederam o cargo de Juracy Neves como provedor da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora.

“Se aceitar o convite, será meramente por fins humanitários, pois acredito na obrigação de contribuir para o social independentemente de ser ou não empresário”, disse Juracy na época. Em fevereiro de 1984, ele foi escolhido por unanimidade como provedor do tradicional hospital, que passava por grave problema financeiro. Antes de assumir, Juracy convocou dois peritos e um administrador de empresas para que fizessem um levantamento técnico da situação econômica.

“O parcelamento dos pagamentos não foi suficiente para mudar o cenário de crise da instituição, cuja fonte de renda era mínima, pois era um hospital de misericórdia, e ainda não havia o SUS, que seria implantado apenas em 1988, com a nova Constituição. Foram necessários cortes em funções e denunciados os que poderiam ser executados pelo próprio hospital. Vários processos passaram por revisão e só foram reativados em condições que a Santa Casa pudesse honrá-los. Foi criada ainda a figura do médico credenciado, ligado diretamente ao diretor clínico com a finalidade de controlar as internações. Muitos pacientes ficavam além do tempo necessário, ampliando os custos. Houve descontentamentos, principalmente entre os próprios médicos. O secretário Afonso Cruz e o tesoureiro Paulo Falce recomendavam o uso de medicamentos mais baratos, embora com o mesmo princípio ativo, mas encontravam resistências. Se Juracy não fosse médico, não teriam êxito, pois o próprio provedor agia duramente no controle. Não chegou a demitir, mas suspendeu alguns médicos que se recusaram a atender seguindo as novas normas”, explica Magella na biografia.

Ainda em 1984 teria sido tomada a principal decisão dos nove anos de gestão de Juracy à frente da Santa Casa: a criação do Plano de Assistência Complementar de Saúde (Plasc), aprovado pela direção em setembro daquele ano. Prevendo a carência de um ano, conseguiu acumular receita, reunindo mais de mil associados em menos de três meses. “O Plasc deu certo, e em menos de cinco anos já acumulava 60 mil associados, algo inédito para um projeto local que se transformou no maior plano de saúde da cidade, superando até mesmo grandes marcas. Não fosse ele, a Santa Casa tinha falido”, dispara Magella.

Com o sucesso do Plasc, no mesmo ano os pagamentos devidos foram quitados, e a compra de medicamentos e outros insumos foi sendo acertada. No mesmo período, a Santa Casa venceu a concorrência para explorar serviços funerários. Com a venda de jazigos do Cemitério Parque da Saudade, que quase triplicaram no ano seguinte, foram injetados mais recursos no hospital.

A meta seguinte do visionário provedor foi recuperar a Capela Senhor dos Passos, situada junto ao prédio do hospital, onde Juracy havia se casado 13 anos antes. A gruta que fica diante da capela e seu entorno também foram recuperados, com a implantação de novo calçamento.

No segundo mandato de Juracy à frente da Santa Casa, em 1987, o Plasc já reunia 39.466 filiados, tornando-se a principal fonte de receita da instituição. A Associação dos Funcionários teve inaugurada sua sede própria, com sala de reunião e gabinete dentário exclusivo para os servidores do hospital, com acesso também aos seus dependentes.

“Já no seu último ano como provedor, Juracy viu coroado o seu esforço e de sua equipe. No Congresso de Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Brasil, em Campos do Jordão, a Santa Casa recebeu o título de ‘Melhor Hospital Filantrópico do Brasil’. Juracy ganhou o troféu concedido apenas a pessoas que prestam serviços de relevância nacional”, ressalta o livro. “Sua saída movimentou o funcionalismo e a própria cidade por conta da nova realidade vivida pelo hospital, que de prestes a quebrar passou a ter saldo de caixa.”

Questionado, em sua biografia lançada no ano passado, se a saúde brasileira tem jeito, Juracy, vanguardista como médico e gestor, foi enfático: “Acho um pouco difícil, porque tem que mudar a mentalidade. Quem não tem plano de saúde tem que recorrer ao SUS, e este peca por falta de gerenciamento, além de ter recursos insuficientes. Quando fui provedor da Santa Casa, por nove anos, tive que fazer uma administração rígida em relação ao SUS, pois ele paga por procedimento. Desta forma, tem que ser muito bem controlado. Por exemplo, um paciente com pneumonia fica internado por sete dias. Então, tem que ser bem administrado para não ficar oneroso. É fundamental evitar pedidos de exames em excesso. O SUS foi bem elaborado, mas é fundamental destacar que sua gestão é mal executada. O médico tem que dar uma jornada de quatro horas, fazendo consultas de 15 minutos. Teria, então, que atender no mínimo 12 pacientes. Mas ele não cumpre essa jornada. Em meia hora, atende 15, pois só pede exame. Há deficiência na funcionalidade. O médico distanciou-se do paciente. Às vezes, basta uma conversa para perceber que o paciente não tem nada. Nós tínhamos que fazer anamnese, numa relação médico/paciente. Hoje ele atende todo mundo porque virou ‘pedidor’ de exame. Mal remunerado, presta um atendimento que é precário.”

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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