Juracy Neves: ‘a arte é eterna, e isso é o maior investimento’

Juracy Neves e uma de suas mais caras realizações: o Teatro Solar (Foto: Roberto Fulgêncio/Arquivo TM)

Em seus 88 anos de vida, Juracy Neves teve inúmeras realizações como médico, professor, empresário, idealizador do Grupo Solar, provedor da Santa Casa de Misericórdia. Mas também teve forte ligação com as artes e a cultura. Um “ator frustrado”, considerava, com bom humor. Se não subiu ao palco para realizar um sonho de artista, pode-se dizer que construiu um: o Teatro Solar.
“Não tive chance de me dedicar à arte cênica. E tinha isso dentro de mim. Já que não posso ser ator, vou criar um espaço cênico”, disse ele para o editor-geral da Tribuna, Paulo Cesar Magella, na biografia “O homem da planície”. O Teatro Solar começou a sair do mundo dos sonhos durante a construção de cinco prédios na esquina da antiga Avenida Independência (atual Presidente Itamar Franco) com a Rua Padre Café. Havia ali uma área que serviria para construir uma edificação com, no máximo, três pavimentos.
O ator e diretor Edgar Ribeiro conta que conheceu Juracy Neves nessa época, através de médicos amigos que falaram que ele precisava conhecer “um empresário que gostava de teatro”. “Quando conheci o Dr. Juracy, ele falou que queria construir um teatro porque era um ator frustrado, pois foi fazer medicina. Eu duvidei que ia sair aquele teatro, que era papo de empresário, e depois vi o teatro sendo construído.”

Para grandes artistas
O novo espaço de cultura de Juiz de Fora foi inaugurado às 20h30 de 19 de abril de 1989, numa noite de chuva. A sala com capacidade para cerca de 500 espectadores recebeu a apresentação da Orquestra Filarmônica de Juiz de Fora. O primeiro espetáculo teatral encenado foi “Meu querido mentiroso”, de Jerome Kilty, com direção de Wolf Maia, e Nathalia Timberg e Sérgio Brito no elenco.

Juracy discursa na noite de inauguração do Teatro Solar (Foto: Jorge Couri/Arquivo TM)

“O teatro questiona, o teatro revoluciona, o teatro antecipa, o teatro é vivo”, disse Juracy em seu discurso. “Todos me perguntam, por que o Teatro Solar? Teatro não traz retorno financeiro. Por que o teatro? Por que não investir em outros setores? A arte não perde o seu prestígio, a arte é eterna, e isso é o maior investimento. Meu ideal de vida sempre foi fazer teatro. Mas isso, no entanto, está no passado. Hoje eu estou muito feliz, porque estou inaugurando o Teatro Solar.”
Com um palco com 12 metros de boca, 17 metros de altura, quatro camarins e equipamentos de som e luz comandados por central própria, o Teatro Solar foi pensado para receber não apenas as peças locais, mas dos grandes artistas de todo o país. Recebeu, inclusive, elogios de ninguém menos que Fernanda Montenegro quando ali encenou “Viver sem tempos mortos”.
Desde então, o Teatro Solar abrigou espetáculos encenados por muitos dos maiores nomes do teatro nacional, como Paulo Autran, Paulo Gracindo, Yoná Magalhães, Tônia Carrero, Marília Pêra e Juca de Oliveira, mas também humoristas como Chico Anysio, Tom Cavalcante e Pedro Bismarck. A música também se fez presente, com shows de Stanley Jordan, Nana Caymmi, MPB 4, Cássia Eller, Belchior, Ana Carolina e tantos outros. Mais recentemente, o Solar também se tornou o palco fixo em Juiz de Fora do projeto “Diversão em cena”, da ArcelorMittal, que oferece espetáculos infantis gratuitos.

Juracy Neves com Fernanda Montenegro, Suzana Neves, Stephania Neves e Edgar Ribeiro (Foto: Leonardo Costa)

De fã para fã
“Antigamente só existiam o Cine-Theatro Central e o Forum da Cultura, e o Dr. Juracy encontrou ali o espaço para realizar um dos seus sonhos. Entregou um teatro moderno e com estrelas de todas as grandezas”, destaca Edgar, que divide sua vida entre antes e depois de ter conhecido aquele que, de acordo com ele, se tornou um grande amigo.
“A gente se via diariamente, era uma coisa de fã para fã. Nas festas da família interpretávamos peças, na hora criávamos vários enredos. Uma das que mais fazíamos era inspirada na ‘Ópera do malandro’, de Chico Buarque. Era só alegria”, lembra o ator e diretor. “São muitas coisas pra ficar na memória. Um pedaço de mim se foi com ele, meu horizonte em Juiz de Fora era o Dr. Juracy Neves.”

‘Um vetor das estrelas’

O artista plástico Carlos Bracher passou a ter contato mais próximo com Juracy Neves nos últimos anos de sua vida, mas teve participação importante. São deles a arte da capa e também o texto de apresentação da biografia “O homem da planície”, além de ter pintado um retrato do empresário na mesma época. Apesar do contato mais recente, ele não poupou elogios ao amigo que se foi.

Carlos Bracher esteve com Juracy Neves para pintar seu retrato (Foto: Fernando Priamo)

“Ele era a estrela-mor, não só da família, mas também da própria cidade”, afirma. “Ele era um vetor das estrelas, uma pessoa que construiu uma filosofia especificamente própria e absolutamente inabalável, extremamente filosófico. Eu acho que esse era o grande prisma dele, desse sentimento de uma busca, de algo inexistente e quase impossível. Era uma espécie de um vínculo profundo entre nós humanos e as próprias estrelas, de onde vamos formando nosso próprio destino através dessas centelhas ulteriores. Um grande homem é isso, e se nós assim não o fizermos, não seremos praticamente nada. Nós somos um grande sonho, que há de se compor progressivamente diante da própria vida.”
Sobre a experiência de pintar o retrato de Dr. Juracy, o artista define como uma experiência absolutamente especial em sua vida, além da capa e da orelha do livro. “Foi um privilégio muito grande ter feito esses três componentes e ter me aproximado dele. Foi quando vi a grandeza de um grande homem, um homem na sua intimidade e no silêncio da suas obstinações. Eram muitos e vários “Juracys”: tinha esse mais visível do médico, do empreendedor, do realizador, que muito se sabe, mas tinha atrás desse ser muitos outros seres, esses quase que invisíveis aos olhos comuns. E ali se alocava o imenso Juracy: o das estrelas. Todo meu amor a seus filhos e entes amados.”

Defensor da cultura

O professor José Alberto Pinho Neves foi outro a falar da figura de Juracy Neves e de sua importância para a cultura juiz-forana. “A contribuição do Dr. Juracy para a cidade se estende a vários campos, entre eles a cultura, sendo que na cultura são duas contribuições a assinalar: a primeira é a criação de uma empresa de comunicação que nos alimenta dia a dia com as notícias da cidade e do Brasil, e o segundo foi na renovação das questões do teatro de Juiz de Fora, quando ele cria o Teatro Solar, que possibilitou a passagem de grandes estrelas nacionais, tanto do teatro quanto da música. Certamente, com a sua ausência a cidade ficará mais empobrecida de um defensor da cultura.”

No carnaval, uma das maiores homenagens

Um dos momentos mais emocionantes na vida de Juracy Neves foi a homenagem feita pela escola de samba Unidos do Ladeira, que em 2003 teve o empresário como tema de seu desfile, com o samba-enredo “www.juracy.com.sucesso”. A agremiação levou nota 10 em todos os quesitos, mas perdeu o título para a Turunas do Riachuelo por ter sido penalizada pela organização dos desfiles. Mesmo assim, na época, Juracy não deixou de mostrar toda sua felicidade pela experiência tanto no desfile quanto na apuração, além da visita ao barracão da escola.

Juracy pulou o carnaval como homenageado da Unidos do Ladeira em 2003 (Foto: Arquivo de família)

O colunista Cesar Romero lembra que a comissão de carnaval estava sem enredo definido e, por isso, decidiram homenagear uma personalidade de Juiz de Fora, e que chegou a ser sondado para saber se aceitaria a homenagem. Na mesma hora, ele apresentou outra sugestão. “Quando os diretores da escola me procuraram, falei que ele (Juracy) é que deveria ser o homenageado, pois era o homem da comunicação em Juiz de Fora e por tudo que havia feito na cidade. Então eles levaram o convite e o Dr. Juracy ficou muito sensibilizado, porque tinha uma sensibilidade artística muito grande, e por ver que que era uma homenagem de uma das maiores expressões da cultura popular”, conta.
“O desfile foi um momento mágico, com toda a família desfilando. E foi interessante vê-lo na Avenida Rio Branco (onde aconteciam os desfiles), a maneira como ele participou. O Dr. Juracy incorporou o artista, deixou de ser o empresário para participar da festa. Foi uma das homenagens mais importantes que ele recebeu”, define Cesar Romero.

Veja a letra do samba-enredo:

‘WWW.JURACY.COM. SUCESSO’
Autores: Paulo Canário, Paulinho Jalão, Messias da Rocha
www ponto Juracy
Ponto com ponto sucesso
Acesse o site e venha navegar aqui
Faça a conexão no tempo certo.
Neste provedor tem alegria
E a Unidos do Ladeira tem um coração
Que bate forte como a bateria
Que encanta enquanto canto este refrão:
Selecione esta página de amor
E delete a tristeza, por favor
Hoje é festa para um grande empreendedor!
Menino simples de Lima Duarte,
Fez das artes que fazia
As manchetes de um jornal.
Hoje pinta o sete, em offset,
Imprimindo nos confetes.
As cores do carnaval.
Abram as cortinas que o ator
No teatro da vida é doutor.
O Ladeira te ama!
Vem cantar!!!
Este é o melhor programa
Tá no ar!!!
Vem depressa e acende a chama
Que te chama
E brilha com a luz Solar!!!

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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