Consultor Fernando Morgado revela como as emissoras utilizam a IA nas suas operações e quais são os prováveis impactos para o setor
Inteligência artificial não é algo novo, pelo contrário, mas o ChatGPT fez muita gente abrir os olhos pela primeira vez para as oportunidades (e os perigos) gerados por essa tecnologia. Grosso modo, o ChatGPT permite conversar gratuitamente com um robô que, a partir dos comandos escritos pelo usuário, responde na forma de textos. Isso inclui, por exemplo, a descrição de acontecimentos, a explicação de conceitos, a interpretação de fatos e até a criação de letras de música, poemas e mensagens publicitárias.
E é justamente essa última função que já começa a ser utilizada por várias rádios ao redor do mundo. Como se sabe, parte importante da receita do meio vem dos clientes diretos, cujos spots são geralmente feitos pelas próprias emissoras. Quem costuma escrever esses anúncios é o contato comercial, que, muitas vezes, não tem a devida capacitação para executar essa tarefa. É comum escutar spots pouco atraentes e fora da duração vendida.
O ChatGPT já é capaz de resolver esse problema. A título de exemplo, pedi que ele criasse um texto de 30 segundos para as Casas Bahia anunciando uma hipotética promoção de smart TVs da Samsung neste fim de semana. Passados poucos segundos, o robô deu a seguinte resposta:
“Atenção, amigos da Casas Bahia! Este fim de semana é a hora de renovar sua casa com uma smart TV incrível da Samsung! Aproveite nossa promoção exclusiva e leve para casa a melhor qualidade de imagem e som. Com recursos de inteligência artificial e conexão com a internet, você terá uma experiência de entretenimento nunca antes vista. Não perca tempo e corra para a Casas Bahia mais perto de você! Promoção válida somente neste fim de semana. Venha para Casas Bahia, onde você encontra tudo que precisa para sua casa.”
Fiz mais alguns poucos pedidos, como tirar a primeira frase e usar um tom mais persuasivo e informal, sempre dentro da duração determinada inicialmente. Este foi o resultado final:
“Transforme sua sala em um cinema de verdade com a smart TV Samsung na Casas Bahia. Com inteligência artificial e conexão com a internet, você terá acesso a tudo o que quiser, sem sair do conforto do sofá. Imagine assistir a seus programas favoritos com uma imagem nítida e um som incrível. Aproveite nossa promoção deste fim de semana e leve para casa uma TV de alta qualidade por um preço acessível. Não perca tempo, corra para a Casas Bahia mais perto de você e atualize sua casa agora.”
Trata-se de uma peça digna de Cannes? Não. O texto poderia ser revisto mais uma vez? Sim. Mas a verdade é que o esforço de produção foi reduzido drasticamente e o formato vendido foi rigorosamente respeitado. E com um detalhe: por se tratar de uma inteligência artificial baseada em machine learning, o ChatGPT aprende conforme trabalha, o que torna suas respostas únicas e cada vez mais precisas. Nunca um texto é igual a outro, ainda que se dê um comando idêntico.
Mas a inteligência artificial vai muito além da redação e está presente também na música, outro pilar do rádio. Recentemente, foi anunciado o desenvolvimento da MusicLM. Bancada pelo Google, essa IA permite criar músicas de qualquer gênero em alta qualidade a partir de comandos textuais.
Algumas amostras do que a MusicLM é capaz de fazer podem ser ouvidas no perfil do Google no GitHub. Por exemplo: “uma peça musical de R&B/hip-hop. Há um rapper vocal masculino e um vocal feminino cantando de maneira semelhante ao rap. A batida é composta por um piano tocando os acordes da música com um acompanhamento de bateria eletrônica. A atmosfera da peça é lúdica e enérgica. Esta peça pode ser usada na trilha sonora de um filme/programa de TV de drama escolar. Também pode ser tocada em festas de aniversário ou festas na praia”. E assim foi feito.
Isso significa o fim da profissão de músico? Provavelmente não. Mas significa que cada emissora poderá produzir trilhas e vinhetas inéditas em questão de minutos ou segundos. E mais: as rádios musicais poderão formar playlists únicas, com fonogramas gerados no MusicLM.
Segundo o The New York Times, o Google deve anunciar o lançamento de mais 20 produtos com inteligência artificial, incluindo um novo serviço de buscas que certamente impactará a forma como os sites são acessados e monetizados.
Por trás de todo esse movimento em torno da IA, há uma palavra-chave: concorrência. O ChatGPT, que alcançou seu primeiro milhão de usuários em apenas cinco dias, é da OpenAI, que tem a Microsoft como acionista. A empresa de Bill Gates investirá US$ 10 bilhões na companhia e usará sua tecnologia tanto no pacote Office quanto no Bing. O Google sentiu o golpe e agora luta para garantir sua sobrevivência.
E onde fica o rádio no meio dessa guerra? Por ser um relevante produtor de conteúdo, o meio certamente seguirá incorporando todas as inovações que surgirem. Já está em desenvolvimento, inclusive, o uso da inteligência artificial para comunicação ao vivo, anunciando músicas e conversando com ouvintes. Esses robôs ainda não têm uma locução natural, mas é questão de tempo para que se aperfeiçoem, pois existem muitas empresas dispostas a investir nesse tipo de recurso.
Não podemos tapar o sol com a peneira. A tendência é que a inteligência artificial, aliada com os recursos de automação já existentes no mercado, faça com que as emissoras precisem de menos mão de obra, infelizmente.
Passado o advento da TV, da FM, da internet, do celular e das redes sociais, o rádio terá que demonstrar, mais uma vez, a sua capacidade de reinvenção. O ser humano, que sempre foi o maior diferencial do rádio, enfrenta agora um competidor novo e assustador. O momento é de estudo e observação, mas tendo em mente de que o futuro próximo da comunicação será completamente diferente daquilo que muitos imaginavam.