Colocado em xeque após as redes sociais, horário eleitoral mostra força

Propaganda no rádio e na TV alavanca candidatos em capitais com disputas acirradas

Quando Jair Bolsonaro chegou ao segundo turno de 2018 com apenas oito segundos no horário eleitoral e apoiado no Facebook e Whats­App, deixando para trás candidatos com tempos muitos maiores de exposição, espalhou-se a impressão de que aquele pleito decretara o fim da era da propaganda em rádio e TV.

Passados alguns anos, é possível dizer que a previsão sobre a morte do horário eleitoral foi um tanto quanto exagerada. Ele está vivo ainda e é arma importante nas campanhas, como mostra a atual corrida nas eleições municipais. Três semanas após o início das inserções, em 30 de agosto, candidatos com os maiores tempos de grade nas capitais deram saltos significativos nas pesquisas de intenção de votos.

Um bom exemplo é o de Curitiba, onde havia um empate quádruplo até Eduardo Pimentel (PSD), dono de metade do tempo no rádio e na TV, subir 17 pontos e tornar-se o líder isolado da disputa (veja o quadro). Fenômeno parecido ocorreu com o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), que diminuiu a distância para o líder Mauro Tramonte (Republicanos) de 21 pontos para 7.

Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que concorre a mais um mandato, ganhou terreno valioso nas pesquisas após o início da exposição na TV, onde tem 65% de todo o espaço. Situação semelhante viveu o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que saiu do empate técnico com Maria do Rosário (PT) para uma vantagem de 17 pontos.

Prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, dobrou intenções de voto. Foto: Junia Garrido

Embora cada eleição tenha sua peculiaridade, há explicações comuns para o fenômeno. Uma delas é que o espaço foi usado por prefeitos que estão no cargo, têm boas avaliações e apostaram em mostrar ao eleitor as realizações de seu mandato e os projetos em andamento — são os casos de Nunes, Melo e Noman. Outra explicação é que muitos candidatos puderam mostrar ao eleitor que estão conectados com governantes populares. Foi o que ocorreu com Pimentel, que mostrou já nos primeiros programas que é o vice do prefeito Rafael Greca (PSD) e foi secretário do governador Ratinho Junior (PSD), ambos com mais de 70% de aprovação de suas gestões.

“A maioria da população não sabia quem era o candidato de Ratinho e Greca”, diz João Debiasi, chefe de comunicação da campanha. Também foi o que fez Evandro Leitão (PT), candidato em Fortaleza apoiado pelo governador, Elmano de Freitas, pelo ministro Camilo Santana e pelo presidente Lula — todos petistas — e com mais da metade da grade, sair do quarto lugar para um empate técnico na ponta. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas passou a ser figura constante no espaço de Nunes.

Há outras formas de a campanha no rádio e na TV impactar a disputa. Um efeito importante é despertar na população a constatação de que há uma eleição acontecendo. À medida que se deparam com as propagandas, os eleitores vão tomando consciência de quem são os candidatos e de que precisam decidir quem vão escolher na votação, a cada dia mais próxima — por isso, é comum diminuir a taxa de indecisos. Outra consequência é que ele geralmente dá rumo a uma candidatura. “É a espinha dorsal de uma campanha. Serve para passar o conceito ao eleitor, que é replicado por outras ferramentas com a devida adaptação de linguagem”, diz Sidônio Palmeira, marqueteiro da campanha vitoriosa de Lula em 2022.

A sobrevivência política do rádio e da TV não significa que as redes sociais tenham flopado. Elas são cada vez mais importantes e, apesar das restrições impostas pela legislação (como o cerco aos disparos em massa), ainda geram fenômenos eleitorais, como o coach Pablo Marçal, em São Paulo. Diferentes, esses veículos irão coexistir por algum tempo. O eleitor de televisão é mais velho, mais frequente nas classes C e D, interage com o veículo de forma mais passiva e relaxada — por isso, é menos propenso a se interessar por brigas, linguagem de conflito ou violência.

O rádio, que continua sendo um importante veículo de massa, é consumido geralmente quando o usuário está fazendo outra coisa, na academia ou no trânsito, por exemplo, e tem linguagem diferente daquela da televisão, em alguns casos claramente inspirada nas redes sociais, com mensagens curtas, repetitivas e de impacto, para fixar a mensagem na cabeça do eleitor.

Já a rede social tem interação mais proativa, que depende da ação do usuário e, por isso, é mais aberta à linguagem agressiva. Marqueteiro de Fuad Noman, Paulo Vasconcelos diz ser um erro tentar replicar na televisão a linguagem incisiva da internet. “O eleitor de TV não quer conflito, quer ver propostas, conhecer o candidato. Não é a janela para isso”, entende.

Embora a avaliação geral seja a de que o eleitor é mais impactado pelas inserções durante o dia, porque o pega de surpresa, do que no espaço que interrompe a programação normal, a entrada dos políticos nas telas não tem reduzido a audiência — embora não seja possível mensurar se o eleitor deixou o aparelho ligado e direcionou sua atenção a outra coisa, como o celular.

Pesquisas internas que balizam candidaturas na eleição paulistana apontam que o horário político alcançou 900 000 pessoas simultaneamente em cinco emissoras abertas na cidade na noite de segunda 16. O certo é que do “porta a porta” com eleitores aos cortes impulsionados nas plataformas digitais, passando por TV e rádio, nada se descarta quando o objetivo é ganhar as eleições. “Ainda vou continuar entregando panfletinhos impressos por muito tempo”, brinca Rodrigo Mendes, marqueteiro de Mauro Tramonte.

Criado na ditadura, em 1965, o horário eleitoral sobrevive, apesar de nunca ter sido uma paixão nacional — pelo contrário, é fácil encontrar quem defenda o seu fim. Os Estados Unidos, por exemplo, não têm esse modelo — o candidato tem de comprar anúncios, como um cliente qualquer. Na Grã-­Bretanha e na França, ele existe e tem o seu tempo dividido igualmente entre os candidatos — no Brasil, a distribuição é feita de acordo com a representação no Congresso.

Embora seja chamado de “horário eleitoral gratuito”, ele custa ao cidadão: a Receita Federal estima que irá abrir mão de 600 milhões de reais este ano em renúncia fiscal como compensação às emissoras pelo espaço. Com custo tão alto, é bom que seja usado ao menos para ajudar o país a discutir seus problemas com seriedade. Não dá para desperdiçar um horário nobre com uma programação de qualidade duvidosa.

*Informações: Veja

Pesquisar