Disponibilizar medicamentos que curem usando bons sentimentos como princípios ativos é a ideia do encerramento do projeto interdisciplinar “Remédios para a alma”, uma iniciativa proposta para as turmas de sétimo ano do Colégio Cristo Redentor (Academia). A inquietação da professora de Língua Portuguesa Andrea Virgínia Feres Reis diante das notícias sobre suicídio e sobre a incidência de transtornos mentais entre jovens foi o ponto de partida para a ação. Na manhã deste sábado (28), “amostras grátis” de pílulas de Carinhozol, Felicitril, Respeitonina, Abraçopirona, entre outros remédios para a alma, com direito a caixas com instruções e bulas, foram distribuídas pelos próprios alunos, no Parque Halfeld. A atividade, que teve início por volta das 9h, durou menos de duas horas, pois o interesse do público que passava pelo local foi grande e logo os remédios com bons sentimentos se esgotaram.
Mais importante, talvez, que a atividade em rua realizada pelo projeto, é conversar com os estudantes e familiares para saber o quanto a iniciativa teve efeito positivo em suas vidas. Para Renata Coutinho de Oliveira, 14 anos, que fazia aniversário justamente neste sábado, o projeto fez com que ela visse que poderia mudar seu jeito de ser, não se abalar tanto com coisas que considera “bobas” e a forma de se relacionar com as outras pessoas. “Ajudou também no relacionamento com minha família, passei a desabafar mais. Antes eu guardava a raiva e a tristeza comigo, hoje eu vejo que devo jogar os pensamentos ruins fora e ficar somente com os positivos”, diz ela, que criou o remédio Resiliencionol a partir da palavra resiliência.
Mãe de Renata, Ana Maria Coutinho de Oliveira, 46 anos, não só corrobora o depoimento da filha como elogiou a iniciativa do Colégio Cristo Redentor. “Foi muito interessante, porque ela procurou de todas as formas interagir com o projeto, até se interessou em se tornar jornalista. E a autoestima aumentou, ajudou no crescimento social, espiritual”, afirma.
Kátia Cristina Rodrigues Morucci, 48 anos, mãe de Guilherme, destacou a importância das ações para um grupo que está numa idade em que os sentimentos podem ser conflitantes, ainda mais quando a internet, por exemplo, permite que eles tenham o outro como espelho. “Vemos que nas redes sociais eles costumam comparar suas vidas com as dos outros, o que pode gerar baixa autoestima, depressão, e eles não sabem lidar com isso”, alerta. “O projeto dá essa oportunidade para repensarem a relação com as redes sociais, até mesmo a reforçar nossa relação de amizade e confiança com eles.”
Outro estudante, Moisés Zampier, 12 anos, afirmou que foi possível aprender a superar situações difíceis e também que as pessoas podem ter bons sentimentos. “O mundo precisa de pessoas boas para ajudar a outras, e dessa forma também ser ajudado quando for preciso”, diz. “Minha relação com a família melhorou. Antes ficava na minha, agora aprendi que preciso expressar esses sentimentos até para não me sentir sozinho”, acrescenta o criador do Cloridrato de Humoril.
Quem foi agraciado com os medicamentos também comentou a iniciativa. “É interessante, pois hoje vivemos num mundo individualista. É uma forma de enxergar e se preocupar com o próximo, que, muitas vezes, imaginamos tão distante”, elogia Almir Antônio de Oliveira, 56 anos. “Atentar para o tema num momento em quanto tantos precisam de ajuda é muito importante”, destaca Anicéia Oliveira, 58 anos.
Sentimentos atropelados
Segundo Andrea, muitos fatores contribuem para que os jovens se fechem. “A cada ano que passa os jovens sentem mais dificuldade em falar. A velocidade, a internet e o imediatismo atropelam os sentimentos. Sabemos que há muitos adolescentes passando por momentos difíceis, sem saber como falar, ou sem alguém com quem possam se abrir. Em casa, muitas vezes, o ambiente não é adequado; na escola, os professores estão sobrecarregados e só oferecem conteúdo. Então era necessário abrir esse espaço para ajudar alunos e famílias”, explica a professora.
O projeto começou com uma palestra de uma terapeuta cognitivo comportamental, que trabalhou o entendimento sobre a origem dos sentimentos, o que possibilita a sua identificação e o controle de comportamentos, por meio da construção de um repertório de pensamentos positivos. “Isso ajudou os alunos a lidarem com seus próprios sentimentos, para que, em um outro momento de pensamentos ruins, eles tenham ferramentas para conseguir superar suas dificuldades.”
De acordo com Andrea, o projeto extra-curricular foi abraçado e muitas habilidades foram desenvolvidas. Nas aulas de Inglês, por exemplo, foi trabalhada a letra da música Everybody Hurts, do grupo R.E.M., que fala sobre aguentar firme diante dos problemas. Em História eles tiveram contato com um texto que fala sobre a evolução do tratamento em saúde mental ao longo dos anos, até a derrubada dos manicômios. Nas aulas de Matemática, Tecnologias da Informação e Artes, eles desenvolveram a parte gráfica do projeto.
Retorno positivo
A abertura para que os alunos pudessem se expressar fez com que eles conseguissem dividir angústias. A professora Andrea recebeu, em uma rede social alimentada com informações sobre a valorização da vida, uma mensagem que dizia que a autoestima da pessoa era baixa. Depois do projeto, ela disse sentir que sua autoestima está ótima. “Sou outra pessoa”, dizia a mensagem. Outro estudante confidenciou: “Tenho muitos amigos que estão tristes e já pensaram em se matar. Agora vou poder ajudá-los”. Esses relatos, que se somaram aos de outros alunos e de pais, mostraram que é preciso olhar para esses jovens, entendendo toda a sua complexidade enquanto indivíduos em formação.
“Eles precisam ser vistos em todas as suas dimensões. Não se resumem a um número, uma nota ou uma aprovação em concurso. Eles são humanos que precisam ser acolhidos, abraçados e também precisam aprender. A palavra para que esse trabalho tenha dado certo é acolhimento. O momento de intolerância que vivemos bloqueia as emoções, pressiona as pessoas a serem o que a sociedade espera, não o que elas realmente são. É isso o que precisamos mudar”, diz Andrea.
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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora