Usuários do transporte coletivo denunciam transtornos com redução de ônibus

Acordar durante a madrugada para conseguir condução, chegar atrasado ao trabalho ou, às vezes, nem conseguir chegar e passar horas no ponto de ônibus à espera de transporte público coletivo. Se é de noite ou de madrugada ainda há o risco de ser assaltado. Essas dificuldades se somam as outras como faltar a uma consulta médica, perder mais tempo para ficar com a família, permanecer mais de horas em pé em veículo lotado com medo de ser infectado pela Covid-19 ou optar pelo transporte clandestino. Essas são algumas das reclamações de usuários de ônibus, em Juiz de Fora, que denunciam a escassez do serviço em todas as regiões da cidade.

Na última semana, a Tribuna de Minas recebeu mais de uma dezena de demandas de moradores dos mais variados bairros do município. A queixa, no entanto, era a mesma: Juiz de Fora avançou para a onda amarela do programa Minas Consciente – que permitiu o retorno das atividades de lojas de vestuários e calçados, móveis, salões de belezas e consumo local de bares – mas manteve a redução de circulação de veículos do transporte público coletivo, deixando usuários reféns horários que não condizem com a realidade, principalmente, dos trabalhadores.

A flexibilização ocorreu em 8 de agosto e, segundo levantamento da Tribuna, publicado em reportagem, 20 dias depois, a média diária de mortes, na cidade, alcançou 1,5 pontos. Foram mais de 30 óbitos no período, e os falecimentos, deste então, ocorridos por complicações associadas ao coronavírus. Especialistas ouvidos pelo jornal, na ocasião, alertaram que o aumento de vítimas fatais pode estar ligado a flexibilizações, fato que contribui para deixar mais inseguros os usuários do transporte público.

Falta de ônibus na madrugada e à noite

Morador do Bairro Santa Luzia, na Zona Sul, Jair Eduardo de Lima, de 49 anos, afirma que os primeiros horários de ônibus, ainda durante a madrugada, pararam de funcionar, deixando quem precisa ir para o Centro com dificuldades de deslocamento. “Tinha um ônibus que saia do Bairro Santa Efigênia às 3h40 e quebrava o galho para os trabalhadores, mas não existe mais, assim como os outros dois horários seguintes, entre 4h e 4h30. Os trabalhadores estão enfrentando muito transtorno para chegar de manhã no serviço. Os horários divulgados no site da Prefeitura não batem com a realidade da nossa região. Queremos que o 3h40 de Santa Efigênia volte a circular no horário normal, assim como os outros carros que seguem depois, porque é justamente, neste horário, que o trabalhador está saindo de casa”, ressalta, acrescentando que essa adversidade se estende para bairros vizinhos, como Belo Aurora, Ipiranga, Santa Efigênia, Sagrado Coração de Jesus, Vila da Prata, Cidade Nova, Ipiranguinha e Teixeiras. “Havia horários em que os moradores já estavam familiarizados há décadas, e isso está causando atraso para quem precisa chegar ao trabalho bem cedo. E muitos, depois que chegam ao Centro, precisam ir para outros bairros onde fica o emprego e também encontram dificuldades”, ressalta Jair.

Na Zona Sudeste, é o presidente da Associação de Moradores do Bairro Retiro, Saulo Lisboa, quem reforça as reclamações. Todavia, ao contrário de Santa Luzia, o problema está no horário da noite. Segundo ele, o último ônibus que parte do Centro com destino ao bairro sai do ponto às 23h25. “Tem trabalhador que deixa o serviço à meia-noite, ficando complicado o retorno para casa. Eu mesmo já fiquei na rua despois deste horário, porque perdi o ônibus, que é o Floresta. Tive que pegar um táxi, e, no período da madrugada, do Centro até o Retiro, o valor fica em R$ 40. Antes da pandemia esse horário funcionava perfeitamente. Existia inclusive mais horários saindo da Avenida Getúlio Vargas, como às 23h45, 00h25 e, depois, 1h40. Só que foram suspensos”, afirma.

Foto: Fernando Priamo

De acordo com Saulo, com o advento da pandemia, diversos horários foram suspensos no bairro. “Entramos em contato com a Settra, mas nada ficou resolvido. Chegamos, inclusive, a fazer um abaixo-assinado, porque é um bairro que tem bastante idosos que dependem do transporte público. Aqui no Retiro está dividido nas linhas 306 e 308. Para o 306, são três carros funcionando e um que entrava no horário extra. Já no 308, que é onde eu moro, só tem um carro que faz o percurso levando o tempo de uma hora e dez minutos, que tinha sido retirado, mas já voltou. A comunidade até tinha a intenção de fazer um protesto na BR para tentar solucionar essa situação. Mas isso se resolveu, e o problema agora é a respeito desse último horário, que cria transtorno para quem quer voltar para casa antes da madrugada.”

Transporte clandestino

Também na Zona Sudeste, a auxiliar de limpeza Ana Maria Bezerra, de 49 anos, moradora do Bairro Santo Antônio, está indignada. “Tudo voltou ao normal. Tivemos que voltar ao trabalho, o comércio voltou a abrir, mas os ônibus continuam reduzidos. No Santo Antônio, eu tenho que sair de casa às 9h20, para estar no meu emprego às 11h30, porque, se perco o carro de 9h20, o próximo é apenas às 10h10. E ele serve só para eu ter que ir para o Centro, depois tenho que ir para o Bairro Estrela Sul onde trabalho, que é outra dificuldade, porque os ônibus do Estrela Sul desaparecem. Então, tenho que subir de Cascatinha, desembarcar no ponto da Ascomcer e andar até o meu local de trabalho”, lamenta.

A trabalhadora ainda denuncia que nos pontos de ônibus do Santo Antônio estão circulando veículos que oferecem transporte clandestino, cobrando R$ 3,75 para levar as pessoas até o Centro. “Como não tem ônibus, muita gente acaba aceitando, porque fica cansado de esperar. Inclusive já assisti as brigas desses motoristas por disputa de passageiros ou porque um chega e cobra R$ 5 e outro aparece e cobra R$ 3,75, o que acaba gerando conflito.”

Medo de pegar coronavírus

Em outro canto da cidade, na Zona Leste, a auxiliar administrativo Débora Rodrigues, 32, pontua sobre a lotação dos coletivos. “Quando o comércio ainda estava fechado e mesmo com a redução dos horários, os ônibus estavam cheios. Mas agora com a abertura do comércio todos os ônibus e, em qualquer horário, estão lotados. No horário que vou para o trabalho, às 7h, passam três ônibus de linhas diferentes e todos lotados. Quando entro, fico próxima ao motorista e depois não entra mais ninguém, porque não cabe mais. Isso acontece em qualquer um dos três”, protesta.

Ainda segundo ela, se perder um dos coletivos dessas três linhas que ela tem à disposição, só volta a passar outro depois de 25 minutos. “Assim, eu não consigo pegar ao Centro e pegar o São Mateus que passa às 7h20 para chegar ao trabalho. Outro São Mateus só vai passar às 8h15. Então preciso sempre pegar um dos três Linhares que passa às 7h. E sempre lotado! Como não correr risco de ficar infectada pela coronavírus?”, questiona.

Menos carros na regiões Norte, Nordeste e Oeste

No Bairro Grama, na Zona Nordeste, a moradora Fabiana Lopes, que já esteve à frente da Associação de Moradores, contou que, lá, os ônibus que circulavam de meia em meia hora agora aparecem para os usuários de uma em uma, trazendo dificuldades. “Houve ocasião que tinha uma consulta médica marcada no Centro e não consegui ônibus com tempo hábil para chegar à clínica. Tive que apelar para o Uber, que cobrou R$ 15. Se fosse de táxi, seriam R$ 40 reais. Então essa dificuldade de horários muitas vezes também acaba resultando em um custo com o qual a gente não contava gastar”, pondera.

Na Zona Norte, Ronaldo Tadeu Magalhães Pereira, presidente da Associação de Moradores de Benfica, bairro que fica cerca de 15 quilômetros do Centro da cidade, afirma que 60% dos veículos estão circulando para atendimento aos residentes. “Claro que isso resulta em muitas dificuldades para os moradores e trabalhadores, porque, como estamos distante do Centro, o descolamento é muito grande, resultando em atrasos e muita espera e ainda houve mudanças nos horários. A Associação tem recebido reclamações dos usuários, mas não temos conseguido ter um canal com o Poder Público. Estamos esperando que haja a normalização do serviço, principalmente, no horário de “rush” que, praticamente, temos que rezar para que um ônibus caia do céu a fim de nos atender.”

Foto: Fernando Priamo

No meio do caminho entre Benfica e a região Central de Juiz de Fora, os moradores do Bairro Industrial, também na Zona Norte, se sentem prejudicados com a carência de horários para servir à população. “Se avançamos nas ondas, porque o sistema de transporte não avança? Os ônibus não estão seguindo horário nem de dia de semana, nem de sábado, nem de domingo. No Bairro Industrial passa um por hora e no São Mateus também. O São Mateus é um dos bairros com mais casos de Covid-19 na cidade, e os ônibus do bairro estão lotados, deixando o pessoal sair pelo ladrão, inclusive os idosos, que são a maioria dos moradores”, reclama a atendente Júlia Veiga, 29, ressaltando que a linha do Bairro Industrial teve seu último horário do dia, que era 23h35, alterado para 22h10, dificultando a vida dos moradores, no final da jornada de trabalho.

Na Cidade Alta, região Oeste, onde fica o Bairro Nova Califórnia, a situação apontada pelos moradores também se refere à redução de horários e à lotação dos ônibus. “Nosso bairro contava com dois carros, mas, atualmente, tem apenas um circulando, o que deixa a situação muito complicada no horário de pico, ficando impossível evitar aglomeração”, pontua Lídia Aparecida da Silva, presidente da Associação de Moradores. Ainda conforme ela, além do ônibus Nova Califórnia, que faz o trajeto Centro/Bairro e Bairro/Centro, os usuários também são servidos por um carro do Jardim da Serra e outro do Aeroporto, que só fazem, porém, o trajeto Centro/Bairro, no Nova Califórnia. “O segundo ônibus que tínhamos está fazendo muita falta, principalmente no período da manhã, porque ele fazia o horário de 7h10, que era o ideal para o trabalhador que pega no serviço, às 8h. Sem ele, contamos com um horário às 6h20, que faz a pessoa sair muito cedo de casa e chegar muito adiantada no Centro, ou, o próximo, que saí do bairro às 8h, sendo impossível chegar no trabalho na hora”, afirma, lembrando que o transporte tem ficado mais cheio de passageiros, porque foram entregues cerca de 900 apartamentos, no Marilândia, o que deveria servir de justifica para aumentar o número de carros servindo a comunidade.

‘Parece que quem faz os horários não anda de ônibus e não conhece nada de JF’

Comum a todas as reclamações é a questão do tempo de permanência nos pontos de ônibus, principalmente nos horários da noite e da madrugada, colocando quem fica à espera do transporte sob riso de ser assaltado. “A impressão que temos é de que o problema é geral em todas as regiões da cidade. Eu, por exemplo, estou ficando mais de uma hora no ponto de ônibus, lá na Avenida Getúlio Vargas, esperando para pegar a segunda condução, sem falar no perigo de ficar tanto tempo no ponto de ônibus durante a madrugada. Pode aparecer um ladrão ou acontecer um ato de violência. Existe uma omissão por parte do poder público. Quando os horários funcionavam, a gente já estava acostumado com as pessoas que encontrávamos todos os dias, isso garantia uma certa segurança, mas agora está todo mundo se desencontrando. Parece que quem faz os horários não anda de ônibus e não conhece nada de Juiz de Fora”, afirma o morador do Bairro Santa Luzia, Jair Eduardo de Lima, que abriu esta matéria e cuja fala sintetiza as dos outros usuários.

Foto: Fernando Priamo

Settra realiza estudo para analisar nova demanda

Em entrevista à Tribuna, nesta quarta-feira (16), o subsecretário de Mobilidade Urbana da Settra, Themistocles Júnior, afirmou que a pasta vem acompanhando a situação apontada pelos usuários. Segundo ele, houve uma nova demanda surgida com a mudança de onda no programa Minas Consciente e, em razão disso, deste a semana passada e ao longo desta, além da parte de bilhetagem que permite conhecer o exato quantitativo de usuários no sistema, existe uma equipe em campo para a realização de diversas análises. “Não negamos que existem situações de demanda maior e que precisamos dessa análise para termos a ideia do que deverá ser acrescido e em quais horários esse aumento deve acontecer”, disse. “O serviço de transporte coletivo urbano é muito bem definido em termos de linhas e horários. Então, são necessárias adequações de novos horários em cima de uma grade, que precisa ser avaliada pelas empresas, ir para o sistema do CittaMobi no celular, para que, inclusive, as pessoas consigam ter uma real informação. Há críticas a essa consulta, mas o número de usuários é muito maior, ainda que não façam nenhum tipo de observação, mas são atingidos também”, ressaltou.

O subsecretário observou que a Settra está trabalhando para sanar as dificuldades, mas acaba não conseguindo no tempo necessário para repor ou colocar novas linhas ou novos carros. “Mas estamos atentos a essa questão e temos essa equipe trabalhando, exclusivamente, para isso”. Ele pontuou que já que foi detectado que, atualmente, existem cerca 150 mil usuários nos dias úteis. “Em torno de 15% desses usuários continuam sendo aqueles dentro da gratuidade e que, infelizmente, sem necessidade, fazem uso dos horários de pico, que são os horários em que mais recebemos as reclamações de ônibus cheio, de pouco horários ou alguma outra coisa nesse sentido. Legalmente, há impossibilidade de restringir esses horários por questões de direitos e garantias previstos em lei. Isso de alguma maneira afeta o usuário que sai da sua casa no horário de pico para o trabalho ou alguma outra situação realmente necessária, gerando esse impacto”, destacou.

Júnior também lembrou que um dos percentuais maiores de uso da atividade do transporte coletivo urbano se dá por meio dos estudantes. “Sabemos que as escolas não retornaram suas atividades e, provavelmente, isso não deve acontecer neste ano ou, se voltar, será em uma situação atípica. Então, temos uma demanda ainda hoje que é inferior à demanda dos dias úteis de antes da pandemia. Antes do dia 16 de março, que foi quando a Prefeitura publicou o primeiro decreto, a demanda diária em dias úteis era em torno de 340 mil e 350 mil usuários. Hoje, temos menos da metade disso. Considerando que, provavelmente, as escolas não voltarão, teremos uma variação, a partir de agora, muito pequena, mesmo com a entrada da onda amarela. Ainda sim cabe à Prefeitura admitir que há pontualmente problemas de poucos horários, de ônibus mais cheios e é justamente em função já dessa mudança de onda que, desde semana passada, estamos trabalhando”. Ele afirmou que esse estudo em campo deverá ser concluído ainda nesta semana e que há previsão de que mudanças para minimizar o problema na próxima semana.

Sobre o transporte clandestino denunciado pelos usuários do sistema, o subsecretário de Mobilidade Urbana da Settra, Themistocles Júnior, disse que, independentemente de qualquer situação, essa oferta é considerada clandestina. “A Settra tem fiscalizado, seja por situações que já temos conhecimento, seja por meio de denúncias, solicitações ou apontamentos das próprias empresas de transporte, uma vez que esse tipo de concorrência desleal afeta o sistema. Sabemos que existem situações críticas de emergência para o uso desse tipo de transporte, mas reforço o pedido para que o usuário não faça uso desse tipo de transporte, porque não tem reconhecimento, não transmite segurança nos equipamentos e nos veículos que estão sendo ofertados”, alertou, acrescentando que o passageiro ainda fica sujeito a ser interrompido em seu trajeto em caso de um ato de fiscalização.

Júnior assinalou que todas as questões pontuais apresentadas na reportagem foram repassadas às equipes para avaliação e possível adequações.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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