O caso de uma mulher transexual foi o ponto de partida para que a Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência conseguisse assegurar o direito de retificação do registro civil, por meio da atuação junto ao Poder Judiciário. O projeto de extensão, que funciona no Núcleo de Atendimento Jurídico da UFJF, ouviu a queixa da mulher, que tinha o nome social reconhecido por todos em seu ambiente de trabalho. O problema se deu em função do cadastro na empresa na qual ela trabalha, que não pode ser alterado em função de uma questão formal. Esse impedimento provocou uma série de constrangimentos à funcionária. Foi necessário que a Clínica entrasse em ação, sensibilizando as varas de família da cidade, para que voltassem suas atenções para essa situação, já que havia ações sobre o tema há mais de dois anos aguardando uma resposta.
“A Clínica foi acionada em função dessa inércia. Abrimos diálogo com o Poder Judiciário, demonstrando que havia ali um direito subjetivo dessas pessoas e que a demora causava prejuízos imensuráveis”, explica o coordenador da Clínica, o professor Bruno Stigert de Souza. A Clínica atuou com a mobilização de diversos setores. “Fomos muito bem recebidos, o Poder Judiciário não foi refratário à nossa atuação”. O resultado rápido, no entanto, foi surpreendente, em uma semana, a resposta foi dada.
“Para a clínica, foi surpreendente e positivo. Encaramos esses casos de peito aberto e muita convicção de vitória. Mas é digno de nota a boa vontade e boa recepção das varas de família de Juiz de Fora para esse pleito.”
Ele explica que casos como esse, que correm em segredo de Justiça, foram judicializados antes da publicação do Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como já havia uma ação antes da resolução, as pessoas entendiam que não precisavam ir a um cartório pedir novamente a retificação. “Elas queriam uma resposta do Poder Judiciário. Algo que vai muito além de trocar o nome e o gênero nos documentos. É uma questão de o Estado atender aos anseios delas”, acrescenta o professor.
O coordenador destaca que há um primeiro efeito simbólico importante. “Não devemos desistir e nem admitir nenhum tipo de burocracia defensiva do Estado. Essa burocracia estabelece uma série de condições para que a pessoa desista. Não podemos ceder a isso. É preciso buscar um advogado ou a Clínica e fazer valer seus direitos” Em um segundo nível, a decisão gera um impacto ainda mais profundo. “Provoca autoestima, coragem e entendimento de que essas relações são de tensão mesmo. Às vezes, membros do Ministério Público não estão preparados para esse debate. Juízes, mesmo com uma lei e uma precisão normativa, têm questões pessoais e não colaboram para um bom andamento. Por isso, é importante insistir e resistir. O efeito do reconhecimento do Poder Judiciário de que elas têm sim direito, possibilita escolher tanto os cartórios quanto a Justiça para fazer a retificação.”
Combatendo violências
Stigert afirma que o reconhecimento de questões subjetivas é muito importante. Quando é negado por uma pessoa, a situação é grave, mas quando o Estado nega o acesso, é muito mais grave, porque passa a ser uma violência. “Quando o Poder Judiciário reconhece, mesmo havendo a possibilidade do reconhecimento em cartório, ele dá uma resposta a essas pessoas e à sociedade, para que possam procurá-lo, e que ele não vai se abster de garantir o direito delas.” Ele ainda salienta que esses grupos são muito vulneráveis. Muitos não têm como pagar por advogados e alguns ainda sofrem preconceitos, e os advogados não pegam as ações. ” De algum modo, mostra que falta um ator como a Clínica na cidade. Um grupo de estudantes coordenado por um professor, que tem a ideologia pautada nos direitos fundamentais. E atua nesse grupo de vulneráveis e pro bono (sem retribuição). O que dá um contorno bacana. É um projeto de extensão, de uma universidade pública, composto por um grupo de 20 alunos atuando voluntariamente, estudando constantemente essas questões, para permitir o acesso aos direitos e ao Poder Judiciário”.
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