“Tempos difíceis, abrace-me”

A ação artística aconteceu no final de agosto de 2019, ao meio dia, em frente ao Coffman Memorial Union, um edifício que abriga uma variedade de serviços da University of Minnesota. Julia Vanatta, uma senhora norte-americana que auxiliou a pesquisadora durante a performance, relata que foi convidada pela amiga para fotografar o experimento. Segundo Julia: “meu papel era capturar as reações, ou a falta de reações, dos transeuntes. A experiência de Pagi foi diferente da minha.

Ela era o objeto do experimento, eu era o observador. Pagi estava com seus cabelos escuros e ondulados puxados para trás em um rabo-de-cavalo, representava uma pessoa que precisava de conforto e segurava uma placa de papelão escrita à mão que dizia Hard Times, Hold Me. Ao lado dela, havia uma bandeja com algumas moedas. Minha primeira impressão se concentrou em como as pessoas não a viam, pelo menos é assim que parecia. Muitos estavam ocupados demais com a cabeça voltada para o telefone. Outros podem ter notado, mas eram indiferentes e não viraram a cabeça. Enquanto continuamos o experimento, algumas pessoas se aproximaram de Pagi e a abraçaram.

Pagi parecia pequena em contraste com o grande edifício e praça. Nós nos mudamos para outro local no Campus. Desta vez, Pagi estava em um caminho no qual os estudantes, pais e professores teriam maior probabilidade de vê-la pedindo ajuda. Enquanto ela estava lá, parecendo triste, uma mulher se aproximou e deu-lhe um grande abraço”.

Para a autora do experimento, Patrícia Giseli, “Hard Times, hold me, pode ser entendido como uma provocação, pois mostra que são indissolúveis os limites entre pesquisa em Humanas, arte e vida. “Eu quis delinear uma interseção unindo três eixos que orientam o estudo para refletir, naquele momento, sobre a precariedade dos sujeitos visíveis e invisíveis no cenário urbano, experimentar as diferentes dinâmicas afetivas e culturais cotidianas, e estimular a poética das trocas de afetos em tempos difíceis. A performance foi um protocolo para experimentar as potências subversivas e criadoras da própria modalidade artística que eu, mulher afro-indígena, pesquiso e pratico, e como ela funciona nessa atualidade sombria que nos atravessa, e nos induz a produzir pensamentos adequados a ela”.

Pagi é poeta/performer, possui Mestrado em História pela Universidade Estadual de Montes Claros e, atualmente, é doutoranda do PPHGI, da Universidade Federal de Uberlândia. Em 2018, ela foi contemplada com uma bolsa de doutorado sanduíche, através do edital Abdias Nascimento/CAPES, para cursar um ano de estágio em uma das maiores Universidades Norte-Americanas.

Após ter enfrentado um choque cultural, no ano passado, durante os processos de adaptação à cultura estadunidense, a pesquisadora brasileira encerrou seu estágio de um ano, na Universidade estrangeira, no mês passado, com a realização de uma Performance Art: modalidade artística que está presente em toda parte, mas por não possuir rótulos, é pouco conhecida e identificada pelo grande público. “O interessante é que essa modalidade artística é constantemente questionada sobre o seu potencial artístico. É muito comum escutar: Isso é arte?”, diz Pagi.

A Performance Art pode ser facilmente encontrada nas manifestações sociais e atos políticos; também está no dia-a-dia, nas praças, mercados, circos, bares, universidades e, agora, marca a sua entrada em grandes festivais e museus. A Performance, entretanto, é considerada uma arte marginal, porque não está no centro dos cânones, e está às margens da indústria cultural e de entretenimento.

Nem rotulável e nem rentável, é uma manifestação totalmente dissonante na sociedade de consumo. A pesquisadora garante que, por não ser facilmente capturada, é difícil também escapar dos efeitos que podem provocar uma Performance. Nenhum expectador sai imune a um programa performático. Segundo a historiadora Pagi, o estranhamento é uma das reações esperadas nos expectadores, “porque a Performance Art é uma arte radiativa, que faz um melhor uso da tensão, do atrito que provoca, para explodir-se em matéria que alimenta o pensamento para a criação de outras realidades. Imagine quão invisível e incômodo é se deparar com um pedinte de rua? Às vezes, a gente não vê e tudo bem, mas, às vezes, a gente olha e enxerga além do que se vê”.

A performance Hard Times, Hold me está vinculada à pesquisa de doutorado de Pagi, que enfoca como se dá a interação entre o corpo da mulher negra, a arte marginal, a pesquisa acadêmica e os Feminismos brasileiros. Além dos múltiplos objetivos analíticos dessa intervenção artística realizada nos EUA, Pagi também quis chamar a atenção para um tema que ainda segue como tabu no Brasil: o impacto que o mestrado e o doutorado provocam na saúde mental dos estudantes. A pressão e exigência excessiva para a produção acadêmica, o intenso processo de aprendizagem, os prazos pouco flexíveis, o isolamento, o assédio moral, são partes da rotina de um pós-graduando/a. Esse período de dedicação é um dos grandes causadores de desequilíbrio no organismo, como depressão e ansiedade. 4 em cada 10 alunos de pós-graduação passam por algum sofrimento mental em Universidades do mundo inteiro, como mostra a pesquisa da Universidade do Texas, publicada na revista Nature Biotechnology (2012 e 2018).

A historiadora também acrescenta que Hard Times, Hold me, enquanto dispositivo analítico, mostra que, não em grandes escalas –, mas em visíveis manifestações, o ato performático despertou afetos, perceptos e intensidades, sendo aquilo que compõe as potentes práticas artísticas, como define o filósofo Deleuze.

Julia Vanatta, que fotografou a performance, reforça que uma das mais expressivas “(…) fotos de Pagi mostra um sorriso radiante. Essa experiência, para mim, me dá um alerta sobre como nos conectamos com as pessoas. Um simples sorriso e contato visual podem ser um presente para alguém que está lutando. O contato humano é curativo”.

 

https://www.nature.com/naturejobs/science/articles/10.1038/nj7419-299a

 

Postado originalmente por: VinTV

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