Serviços de residências terapêuticas podem ter nova prestadora em JF

A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) lançou, no último sábado (15), um chamamento público em que convoca instituições interessadas a prestarem serviços residenciais terapêuticos na cidade, oferecidos pelo Sistema Único de Saúde a egressos de instituições psiquiátricas. A movimentação da Secretaria de Saúde (SS) ocorre em um momento em que o Grupo de Assistência aos Enfermos (Gedae), que, atualmente, é responsável pela gestão e manutenção das 27 residências terapêuticas em funcionamento no município já havia solicitado um cronograma de desmobilização da prestação do serviço. Desde 2019, a instituição pede um reequilíbrio financeiro do termo de contrato mantido com a PJF, o que, até então, não ocorreu. O atual vínculo entre as partes se encerra no dia 25 de junho.

No novo chamamento público, a Prefeitura pretende credenciar entidades sem fins lucrativos para a prestação de serviço de gestão e manutenção das residências terapêuticas. O edital contempla 28 unidades. O certame está agendado para o dia 7 de junho. Hoje, o Gedae mantém 27 moradias direcionadas a usuários com maior grau de dependência, que necessitam de cuidados intensivos específicos, do ponto de vista da saúde em geral, de perfil psiquiátrico, e que carecem de ações com apoio técnico diário e pessoal, de forma contínua. A vigência de um futuro contrato a ser assinado a partir da seleção será de 12 meses e poderá ser prorrogado, anualmente, até o limite de 60 meses.

Segundo o chamamento, o valor anual estimado pelo serviço é de cerca de R$ 8,86 milhões. Os valores correspondem a um valor de R$ 738 mil mensais, compostos por repasses de recursos transferidos pelo Ministério da Saúde, “podendo o valor máximo por residência terapêutica atingir o montante de R$ 20 mil (por mês), quando houver ocupação de dez moradores, sendo R$ 2 mil destinados para cada morador”; e repasse mensal de “incentivo financeiro no valor total de R$ 198 mil”. “Este valor deve ser dividido pelo número total de casas, sendo, assim, R$ 7.071,42 por casa”, diz o Município.

Transição

Desta maneira, o edital publicado pela Prefeitura estabelece regras para a transição dos serviços, hoje executados pelo Gedae, o que deve acontecer no prazo máximo de um mês após a assinatura do contrato. No período, a futura contratada deverá proceder a locação de imóveis, a contratação das equipes e a transferência dos grupos de moradores, “assegurando o cumprimento das obrigações contratuais”.

O Município sugere ainda que seja dada preferência à continuidade do aluguel dos imóveis que já abriguem os serviços de residências terapêuticas e que forem julgados adequados, “a fim de menos impacto no cotidiano dos moradores durante o período de transição”. “Em casos excepcionais, haverá a avaliação de adiamento nos prazos de transição visando o menor prejuízo aos moradores”, diz o edital.

PJF deve propor prorrogação temporária de contrato com o Gedae

Em nota encaminhada à Tribuna, a Secretaria de Saúde afirmou que “com o novo certame, o Gedae pode se manifestar para continuar fazendo o serviço e outras instituições também podem demonstrar interesse para assumir parte ou a integralidade das casas existentes”. A PJF ainda admitiu ter sido procurada pela instituição que presta o serviço atualmente, para que fosse realizado um reequilíbrio financeiro do contrato, o que, até então, não ocorreu. “O contrato com o Gedae será cumprido até a data definida e a SS propõe uma prorrogação dos serviços até o final do ano.”

Com o atual contrato com a Prefeitura para a prestação dos serviços se encerrando no próximo dia 25 de junho e a manifesta intenção, por parte do Gedae, de não renovar o vínculo caso não haja um reequilíbrio financeiro do termo em vigência, a Prefeitura se reuniu nesta segunda-feira com representantes da instituição para propor a extensão do acordo até o fim de 2021. Como o chamamento público está agendado para o início de junho e há a carência de um mês para a transição, uma negativa do Gedae pode levar o Município a ser obrigado a buscar uma nova saída para que não haja desassistência na prestação dos serviços.

À reportagem, representantes do Gedae consideraram a reunião com a prefeitura produtiva e pediram para que a proposta de renovação apresentada no encontro fosse formalizada. A partir disso, uma possível extensão do acordo será levada para o debate interno, com a participação de toda a direção e conselheiros da instituição. Só então, haverá uma decisão coletiva. O mesmo posicionamento foi afirmado pelo Gedae sobre a possibilidade de participar do novo chamamento público lançado pela PJF.

‘Valores atualizados’

“A chamada pública foi efetivada com os valores atualizados, em que foi feita uma pesquisa de mercado pela PJF, a fim de avaliar a compatibilidade de preço, com o intuito de prestar um processo transparente e justo, sem que ocorram pagamentos indevidos. A Secretaria de Saúde ainda ressalta que o reequilíbrio econômico por qualquer instituição prestadora de serviço é previsto legalmente, desde que se comprove a necessidade de revisão ou de ajustes de contas. Dentro da legalidade não há contraposição por parte da gestão em fazer nenhum reequilíbrio de contas e valores”, diz a Secretaria de Saúde por meio de nota.

Para instituição, valores atuais são defasados e insuficientes

Em conversa com a reportagem na semana passada, representantes do Gedae haviam afirmado que, caso não houvesse um reequilíbrio financeiro do contrato mantido com a Prefeitura, a instituição não teria a intenção de prorrogar o vínculo. O Grupo pontuou, todavia, a disponibilidade para permanecer gerindo as residências terapêuticas, contudo, considera que os atuais valores repassados pelo serviço não são suficientes para cobrir as necessidades dos 270 usuários que residem nas residências terapêuticas em funcionamento na cidade. Há também a preocupação com as garantias dos direitos dos cerca de 170 funcionários mantidos pelo Gedae para a prestação dos serviços e também com compromissos financeiros firmados por fornecedores.

“O Gedae já pediu que a Prefeitura apresente um cronograma de desmobilização de serviços. Precisamos fazer o acerto com os funcionários. A luta da entidade junto ao Município tem duas vertentes. Uma é garantir o direito desses usuários de serem atendidos da melhor forma possível. Outra é garantir que nenhum funcionário e nenhum fornecedor seja lesado. Para isso, o Gedae opta por entregar os serviços”, afirmou Fátima Aparecida de Paula, voluntária que auxilia na parte administrativa e jurídica da instituição.

No contrato assinado junto à Prefeitura em 2018, o valor anual estimado foi de R$ 6,96 milhões pela prestação do serviço. O modelo, contudo, previa a implementação de 29 residências terapêuticas com o mesmo repasse de R$ 20 mil por moradia, o que corresponde a R$ 2 mil por residente. O desenho proposto no novo edital lançado pela Prefeitura mantém os valores, acrescidos de um auxílio-mensal de R$ 7.071,42 por casa, o que não está previsto nas regras atuais.

Contudo, os valores ora propostos pelo Município estão abaixo daqueles estimados pelo Gedae como necessários para a prestação do serviço de forma adequada ao melhor atendimento possível para os usuários residentes. Em conversa com a reportagem, a avaliação de representantes da instituição é de que o gasto mensal com a manutenção de cada uma das residências terapêuticas é de R$ 35 mil, enquanto os repasses do contrato atual correspondem a R$ 20 mil por moradia. No novo modelo sugerido pela PJF, este valor chegaria a R$ 27 mil.

Pandemia impacta nos custos dos serviços

A avaliação considera ainda que o reequilíbrio financeiro já era necessário mesmo antes da pandemia. O cenário sanitário e econômico do Brasil teria agravado a situação, com os visíveis aumentos de insumos relacionados à alimentação dos residentes e também, por exemplo, as altas sucessivas dos combustíveis. “O que tem auxiliado são instituições como o Mesa Brasil e a Sopa dos Pobres, que têm repassado doações para a alimentação dos moradores”, explica Fátima, que reforça que a pandemia resultou na criação de novas despesas. “Em janeiro do ano passado, compramos uma caixa de luva por R$ 23. Hoje, chega a R$ 85. Não se comprava álcool em gel.”

Mesmo com o apoio da sociedade e de parceiros, ela destaca que houve uma queda na qualidade da alimentação dos residentes. “O número de alimentações está mantido. Mas eles não comem carne bovina ou peixes há tempos. Temos procurado manter o valor nutricional. Mas não se tem mais, por exemplo, frios nas casas.”

Outro ponto destacado pelos representantes do Gedae é de que o desequilíbrio financeiro no contrato resulta na manutenção de uma equipe reduzida e sobrecarregada. Hoje, para a prestação dos serviços, a instituição mantém profissionais como cuidadores, técnicos em enfermagem, enfermeiros e psicólogos, além de motoristas e outros profissionais de serviços administrativos.

Valor estimado para os serviços é de R$ 8,86 milhões por ano (Foto: Fernando Priamo)

Passivo trabalhista

“O passivo trabalhista da entidade hoje passa de R$ 1 milhão”, diz Fátima. Para a manutenção das residências terapêuticas, o grupo tem ainda despesas com manutenção das moradias, além de um custo médio de R$ 2,5 mil com o aluguel unitário das casas usadas na prestação dos serviços.

Repasses estaduais de R$ 972 mil devem ser liberados

Outro ponto cobrado pelo Gedae é o repasse de valores feitos pelo Governo do Estado para a manutenção dos serviços de residência terapêutica, que já foram transferidos ao Município. “A Secretaria de Saúde realizou o empenho de duas parcelas de repasse do Estado ao grupo, referentes a 2017. O pagamento será feito nesta semana e chega a quase R$ 1 milhão”, afirma a Prefeitura. Em números exatos, os valores a serem repassados correspondem a R$ 972 mil.

O Município manifestou-se ainda sobre a necessidade de que o Estado atualize os aportes financeiros para a prestação dos serviços. “A Secretaria de Saúde entende que tais instituições devem mesmo receber esse tipo de incentivo e que o Estado, inclusive, deveria atualizar o montante a ser enviado para as casas terapêuticas, já que esses serviços também são financiados por verbas e repasses do Estado e do Governo federal”, diz nota encaminhada à reportagem.

A necessidade do apoio do Estado também é defendida pelo Gedae, que, hoje, presta os serviços em Juiz de Fora. “Há uma nota técnica do Ministério da Saúde em janeiro de 2019, informando que não vai revisar este valor, pois entende que o serviço deve ser cofinanciado por estados e municípios”, diz Fátima, voluntária da instituição.

Dia da Luta Antimanicomial é comemorado nesta terça-feira

Os representantes do Gedae ouvidos pela reportagem reforçaram, em vários momentos, que sua preocupação ao pedir o reequilíbrio financeiro do contrato era com a qualidade do serviço prestado aos usuários do Sistema Único de Saúde. Por vezes, defenderam a realização de um chamamento para que outra instituição pudesse se somar ao Grupo e fizeram referência à importância dos trabalhos, citando que, nesta terça-feira, 18 de maio, comemora-se o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

Os representantes do Gedae destacam ainda que o grupo é uma instituição de vínculos religiosos sem fins lucrativos. “A medida drástica de pedir que a Prefeitura apresente o cronograma é evitar que não tenhamos recursos para quitar esses compromissos.”

Prestação dos serviços

Também foi detalhado como é prestado o serviço das residências terapêuticas. No modelo atual, Gedae é responsável pelo aluguel e manutenção das 27 casas em que o atendimento é prestado. Cada unidade recebe até dez moradores que têm, à disposição, ao menos um cuidador 24 horas por dia. Assim, a instituição atende a 270 pessoas. O Grupo presta o serviço desde 2009 e, desde o último chamamento público realizado pela PJF em 2018, administra a integralidade das moradias em funcionamento na cidade.

“São moradias inseridas na comunidade para pessoas egressas de longa internação em hospitais psiquiátricos. Juiz de Fora foi uma cidade que durante muitos anos abrigou um grande número de hospitais psiquiátricos. Com o fechamento destes hospitais, essas pessoas, muitas sem vínculo familiar, precisavam ser acolhidas. O serviço de residências terapêuticas tem sua origem nisso”, explica Fátima. Em alguns casos, as casas também recebem egressos de hospitais de custódia.

Lei Paulo Delgado completa 20 anos

A instituição das residências terapêuticas é fruto do Movimento da Reforma Psiquiátrica que resultou na aprovação da Lei 10.216/2001, de autoria do ex-deputado federal juiz-forano Paulo Delgado. Este ano, a “Lei Paulo Delgado” completou 20 anos.

A legislação trata da proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo de assistência, através do fechamento de hospitais psiquiátricos, trazendo um novo modelo de tratamento dos transtornos mentais, com cuidado humanizado e em liberdade.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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