Segundo paciente com Covid-19 em Juiz de Fora está curado

 

Tudo aconteceu de maneira repentina. De um dia para outro, após o resultado positivo de um teste, Helio Fádel de Freitas Araujo, 30 anos, se viu obrigado a mudar sua rotina por conta da infecção pelo novo coronavírus. No início de março, época em que se contaminou, a pandemia ainda atingia pelas beiradas o país, e menos ainda se sabia sobre o vírus. O teste positivo para a Covid-19 veio em uma sexta-feira (13). “Não sei se foi sorte o azar”, brinca, já que o resultado positivo, disponibilizado com a agilidade de um dia para o outro, possibilitou que ele reforçasse, de prontidão, as medidas de isolamento social. No entanto, por outro lado, trouxe uma nova rotina em que teria de lidar com preconceitos e inverdades que eram espalhadas a seu respeito, principalmente em redes sociais e aplicativo de mensagens.

“As pessoas começaram a espalhar que após eu ter recebido o resultado positivo, na sexta (13), eu estive em uma casa de shows e que eu estava infectando outras pessoas, e não foi isso o que o aconteceu. Pelo contrário, após receber o resultado positivo, me isolei e não saí mais de casa, medida que eu já estava adotando desde a quinta-feira (12), quando comecei a ter mais sintomas, mas ainda não havia tido o resultado do exame”. Conforme relata Hélio, que é médico psiquiatra, ele notou um dos primeiros sinais do que viria ser a doença na terça (10). Naquele dia, narra, acordou “estranho”.

“Foi só o corpo mesmo que não estava legal. Estava com uma sensação de cansaço, fadiga, prostração. Mas não tive coriza, falta de ar ou tosse”.

Como os sintomas ainda eram incipientes, ele conta que foi ao trabalho normalmente naquele dia. No entanto, na noite de quarta, sentiu uma forte dor de cabeça e apresentou tosse. “Então pensei: isso não está normal, a gente se conhece, já tive muita gripe, e sei que isso está estranho. Nisso, já entrei em contato com a minha família, falei para as funcionárias do local em que trabalho não irem no dia seguinte. E tudo isso sem saber se era ou não a doença. Para ir fazer o exame, tomei todo o cuidado, fui de máscara e preveni desde a suspeita. Então eu acho que fui assertivo nesse ponto”, detalha.

Apesar dos cuidados, os boatos foram inevitáveis. O rapaz conta que houve ataques mentirosos contra ele e seus familiares, além de muita especulação. “Inevitavelmente, as pessoas ficaram sabendo do meu caso, os boatos se espalharam muito rápido, essa dificuldade do ser humano em lidar com o desconhecido se refletiu em histeria.”

Transmissão local

Na época em que fora diagnosticado com a Covid-19, as informações de casos suspeitos na cidade já circulavam. Entretanto, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, o caso de Hélio é considerado a segunda confirmação da doença em Juiz de Fora. No dia 16 de março, em boletim epidemiológico, a pasta estadual divulgou o caso e, no dia seguinte, confirmou que houve transmissão local – quando ainda é possível a identificação do foco de transmissão. Com isso, Juiz de Fora foi a primeira cidade mineira a registrar tal forma de propagação da doença.

O primeiro caso confirmado da Covid-19 foi em um senhor de 65 anos, pai de um amigo de Hélio.

“No fim de semana anterior aos dias em que comecei a apresentar os sinais, eu tive contato com eles (o amigo e o pai do amigo). Eu não havia viajado para fora do país, mas eles sim. Então, muito provavelmente, essa foi a forma do meu contágio, já que esse pai do meu amigo também testou positivo, um pouco antes de mim, e foi considerado o primeiro caso em Juiz de Fora”.

“Neste fim de semana, do dia 7 de março, eu estive em uma casa de shows, mas isso tudo foi antes de eu saber que estava positivo, antes sequer de apresentar sintomas, não tinha como eu saber. A família do primeiro caso foi muito criticada, as pessoas disseram que eles estavam levando vida normal, saindo por aí infectando outras pessoas de forma intencional, e nada disso aconteceu. Não teve maldade, ninguém que é contaminado é vilão. E ser tratado assim machuca.”

Quarentena

Foram 21 dias em quarentena, completamente sozinho na casa em que mora com os pais. “Eu afastei meus pais, ficaram isolados de mim. Minha maior preocupação era eles, porque meu pai é grupo de risco total, e minha mãe, pela idade, também”. O período de isolamento, no entanto, não foi algo ruim para o médico, que diz gostar de aproveitar momentos em casa. “O isolamento em si foi até mais tranquilo do que lidar com as falações por aí. Eu lido bastante com rendimento e preparação mental (por ser psiquiatra), então pensei agora é hora de colocar em prática. Procurei ocupar meu tempo com coisas que eu gosto de fazer, toquei músicas, meditei, li, assisti a filmes, e procurei não me manifestar em rede social. Não quis me expor”, conta sobre como enfrentou o período de isolamento social.

“Se as pessoas viessem me perguntar eu não iria negar, mas quis deixar passar o momento de forma tranquila, para conduzir o período de uma forma legal”.

Preconizada pelo Ministério da Saúde e regulamentada pela Portaria 356 de março de 2020, a medida de isolamento poderá ser determinada por prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica, por um prazo de 14 dias. A escolha de prolongar sua quarentena para além do período determinado pelo órgão de saúde se deu mais como uma medida de segurança. “Eu prolongar e também fazer um segundo exame, até para ter o resultado negativo. Não para mim, porque eu sabia que estava curado, pelo tempo e pela remissão dos sintomas, mas para ter a tranquilidade frente à sociedade, porque eu tinha o receio de sair na rua e das pessoas me fotografarem, falarem que estava quebrando a quarentena. O Ministério da Saúde nem exige que seja feito um segundo exame após os 14 dias de isolamento, mas eu quis fazer para ter essa tranquilidade”. O resultado negativo, assegurando a cura da doença, veio no início de abril.

Durante os dias em que esteve recluso, Helio relata que ficou bem, exceto em um dia, quando sentiu desconforto no peito. “Deu uma certa angústia porque você está ali sozinho, não tem ninguém te avaliando, eu tinha medo de passar mal à noite. Quando tive esse desconforto, liguei para o médico infectologista que estava me acompanhando, e ele me orientou a ir para o hospital, tomando todos os cuidados. Na recepção do hospital, quando me anunciei e mesmo dizendo que estava indo com orientação do médico, houve um desespero do pessoal, que não soube lidar muito bem com a situação. E aí a gente percebe que há um despreparo até dos profissionais, e eu me incluo isso”, pontuou.

Hidroxicloroquina
Na unidade, Helio fez exames, e um deles acusou uma pleurite. Neste dia, ele passou a noite no hospital e retornou, no dia seguinte para casa. Ele relata que, após esse episódio, fez uso da hidroxicloroquina por cinco dias, a partir de orientação médica. “Não sei dizer se a melhora foi por conta da medicação ou se era o processo natural de remissão da doença. O importante é que as pessoas saibam que eu fui orientando, eu estava positivo, e, por isso, usei a medicação. Mas eu desaprovo essa atitude de estocar os medicamentos em casa e fazer uso sem indicação, porque as pessoas não sabem efeitos colaterais, interação medicamentosa etc. Ainda não há conclusões sobre a ação do remédio para o tratamento.”

‘As pessoas precisam ter empatia e se colocar no lugar do outro’

Perguntado sobre como ficaria marcada, para ele, a experiência com a doença, Hélio responde que, apesar das críticas infundadas que recebeu, também reconhece toda as mensagens de apoio e solidariedade que recebeu. “No período, também recebi mensagens de apoio, se eu pedia comida, vinha com mensagem de carinho, e às vezes pode parecer que não faz diferença, mas faz muita. Teve vizinho que deixou comida para mim, meus tios também. Eu acho que é obrigação as pessoas terem empatia, você se colocar no lugar do outro. Não vai ser apontando o dedo que a gente vai conseguir sair dessa. Então tem que ter calma, evitar boatos porque isso só prejudica”.

Com a confirmação da cura em mãos, Hélio cita a necessidade de se ter mais empatia na sociedade (Foto: Fernando Priamo)

Na avaliação do psiquiatra, o momento poderá servir, também, para situações futuras similares. “Não dá para romantizar a doença, que está matando e limitando um monte de gente. Mas acho que a gente pode ressignificar esse momento e aprender. O importante não é você evitar que algo ruim aconteça na sua vida, a gente é impotente para isso, mas como você vai lidar com o que aconteceu. Algumas coisas a gente consegue, mas nem todas. Isso diz muito sobre saúde mental. Como psiquiatra, tenho observado tanto um desencadeamento de transtornos mentais e, também, a potencialização daqueles que já existem. Portanto, é preciso que as pessoas se cuidem, da saúde do corpo e da mental. Isso está sendo ressaltado neste momento, mas essa recomendação é para vida.”

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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