Sandra Zanella vence prêmio com reportagem sobre moradias em pontes

Sandra Zanella é a vencedora do Prêmio Eloísio Furtado 2019 (Fotos: Fernando Priamo)

O cheiro ainda está no nariz. A repórter Sandra Zanella lembra em detalhes o dia em que Thiago Vieira de Aquino, de 35 anos, estendeu-lhe a mão e a acompanhou na descida íngreme entre o asfalto e a área debaixo da ponte de Santa Terezinha. Surpresa, a jornalista de 39 anos encontrou um espaço bem cuidado e organizado, ainda que, obviamente, precário. Deparou-se, também, com a resignação de um homem cujo projeto de vida passava ao largo da situação de rua em que se encontrava em agosto deste ano, quando Sandra publicou nas páginas da Tribuna a reportagem “Pontes da região central viram moradia em Juiz de Fora“, trabalho que acaba de receber o Prêmio Eloísio Furtado, voltado ao reconhecimento das melhores matérias veiculadas no jornal.

“Para mim, fazer essa reportagem foi uma quebra de preconceitos muito grande, porque o senso comum pensa que essas pessoas em situação de rua são todas usuárias de drogas ou envolvidas em crimes, mas encontrei outras realidades”, aponta a repórter, que munida de um bloco e uma caneta abordou o catador de recicláveis Adriano Lopes da Cunha, 34 anos, na margem do Rio Paraibuna, ao lado da ponte de ferro vermelha Domingos Alves Ferreira, também no Santa Terezinha. Foi Adriano quem indicou Thiago, recém-chegado ao local. “As histórias me emocionaram muito. Era para ser uma matéria com números e que abordasse a sujeira da borda do rio, mas acabamos retratando essa invisibilidade a que estão sujeitas essas pessoas. Fiquei pensando vários dias neles”, emociona-se Sandra, que ganhou como prêmio uma viagem de 12 dias para a região Sul do Brasil.

“Retomamos este prêmio agora e abrimos para o conhecimento dos leitores no momento em que é fundamental valorizar o jornalismo”, pontua Márcia Neves, diretora geral do Grupo Solar de Comunicação. “E não só o nosso, mas todo o jornalismo e os jornalistas”, acrescenta Suzana Neves, diretora comercial do grupo.

“Nesse tempo de fake news e no qual o ofício está sendo bombardeado, é muito importante nos posicionarmos em favor do jornalismo. A Tribuna sempre foi uma escola na cidade, formando muitos profissionais e, também, os leitores. Grandes nomes do cenário local passaram por aqui”.

“Temos um compromisso com o jornalismo de qualidade, seja com a Tribuna, seja com a CBN”, completa Márcia. Para o editor geral da Tribuna Paulo César Magella, Sandra personifica esse profissionalismo competente. “Além de jornalista ela é uma pesquisadora. Ela faz investigação de dados com bastante precisão e ciente do que vai apresentar para a cidade. Tanto a academia quanto os segmentos políticos fazem uso do que ela escreve. É uma jornalista de grande responsabilidade social e comprometida com a informação e consciente da importância do que tem realizado. Ela faz o jornalismo do futuro”, avalia Magella.

Jornalismo para se livrar da anatomia

Comunicação social foi uma alternativa para Sandra Zanella, que desejava mesmo cursar educação física. Quando soube das aulas de anatomia recuou e partiu para a opção das ciências humanas. “As aulas, para mim, já era o bastante. É irônico isso”, reconhece a repórter, que em seu dia a dia retrata os dramas de muitos e muitos corpos vitimados pela violência na cidade.

Especializada em cobertura policial, Sandra encontrou uma forma de lidar com os traumas, ainda que muitos deles lhe deixem marcas incontornáveis, como o atropelamento da médica e triatleta Beatriz Hollanda, em 2011, e o recente assassinato da psicóloga Marina Gonçalves da Cunha, morta em junho deste ano pelo marido. Casos pelos quais passou sem que eles passassem por ela. Todos permaneceram.

“Sou muito forte quando estou trabalhando”, diz, sorrindo. “Mas não tem como não se envolver. Por mais que a gente tente e busque um distanciamento, alguma coisa sempre fica, principalmente os feminicídios”, acrescenta ela, que durante a adolescência fazia rondas com os amigos e professores do Colégio dos Jesuítas distribuindo alimentos para pessoas em situação de rua. “O alimento era só uma forma de chegarmos até eles, para conversar, dar carinho”, lembra.

Com o jornalismo, Sandra retomou esse vínculo. Descer sob as pontes, no entanto, rendeu-lhe um novo olhar, admite. “Aquelas entrevistas foram inesperadas. Eu não contava ser recebida por eles. É legal quando as pessoas confiam na gente”, pontua a jornalista, de uma empatia que compartilha em cada texto que escreve.

Jornalismo para abrir os olhos

Mais antiga repórter da Tribuna, Sandra chegou ao jornal em 2004, para integrar a equipe que cobria as eleições municipais daquele ano. Dois anos depois, retornou, efetivada, já na editoria de cidade. Poderia ser cultura, afirma a integrante do elenco de dança e circo do Espaço Amplitud. O interesse pelas artes não está expresso apenas nas citações que a jornalista tece em suas matérias, como na reportagem das casas sobre as pontes, na qual resgata Vinicius de Moraes e sua “A casa”, mas na própria história. Sandra é a filha mais nova, de duas, do casal formado por Suely Zanella Jorge e Rafael Jorge, proprietários da lendária casa de shows Raffa’s, na Galeria Pio X. Suas influências, a repórter leva para as notícias diárias, numa escrita que, garante, sempre preocupada. “Cada dia de trabalho é novo”, avalia ela, que também atua em grandes apurações, como na recente série sobre feminicídio na cidade. “Quando faço grandes reportagens, acabo me envolvendo mais. Fico num constante processo de análise de tudo. Às vezes vem uma ideia na minha cabeça, e eu faço uma anotação no celular”, conta. “Tendo com o jornalismo amenizar as diferenças e pelo menos abrir os olhos de quem insiste em não enxergar.”

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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