Recusa familiar para a doação de órgãos cresce com a pandemia

Expressar o desejo de ser doador é essencial para que vidas possam ser salvas. Hoje, quase metade das famílias não autoriza o procedimento no estado

 

A Campanha Setembro Verde – dedicada à sensibilização e à conscientização para a importância da doação de órgãos – tem alguns desafios depois de mais de um ano da pandemia de covid-19 no Brasil. Além da queda de mais de 30% nos transplantes realizados em Minas Gerais no comparativo entre 2019 e 2020, o aumento da recusa familiar é outra questão que tem se mostrado preocupante na rede hospitalar.

De acordo com o diretor do MG Transplantes, Omar Lopes Cançado, a taxa de recusa, atualmente, está próxima dos 50%. “É um número muito alto. Trabalhávamos anteriormente com um percentual de 30% de negativas em relação à doação. Por isso, é essencial avisar sobre o desejo de ser doador, pois a família tende a seguir a vontade manifestada pelo ente”, explica.

A psicóloga do MG Transplantes Eliane Gonçalves Silva ressalta que há um trabalho baseado no acolhimento familiar para a redução das recusas. “É uma situação bastante delicada. Temos a preocupação de dialogar com muita sensibilidade, respeito, empatia e, principalmente, disposição para esclarecer todas as dúvidas. Além disso, estamos sempre promovendo treinamentos para profissionais da área da saúde que irão lidar com os pacientes e seus familiares, desde a entrada no hospital”, afirma.

Eliane acredita que os protocolos sanitários necessários neste momento de pandemia contribuem para o aumento das recusas. “Todo o processo acaba levando mais tempo porque temos que seguir o manejo estabelecido pelas autoridades de saúde. Isso também prolonga a angústia da família, que, muitas vezes, acaba desistindo”, pondera.

O diretor do MG Transplantes ainda acrescenta que o isolamento social acarretou situações de mais tristeza e incerteza para as pessoas, de forma geral, o que também teria contribuído para o crescimento das negativas.

Os mitos em torno da doação de órgãos também são um problema importante, não só no estado, mas em todo país. “Infelizmente, ainda há um desconhecimento muito grande sobre o diagnóstico da morte encefálica. Há quem confunda com o coma – situação em que há a possibilidade do paciente melhorar e sobreviver. A morte encefálica é morte. Não há nenhuma chance de recuperação”, esclarece Omar Cançado.

Números

Em 2019, foram realizados 2.458 transplantes no estado. Em 2020, com pandemia de covid-19, esse número caiu para 1.537. Neste ano, até o mês de agosto, foram 1.013 transplantes. Atualmente, mais de 5 mil pessoas esperam por um órgão ou tecido em Minas Gerais, sendo 2.789 por rim, 2.237 por córnea, 78 por fígado, 45 por medula, 44 por rim/pâncreas, 38 por coração e 3 por pâncreas.

Segurança no processo

Uma série de medidas foi tomada pelo MG Transplantes, no decorrer da pandemia, na tentativa de melhorar os números, entre elas o incremento da busca ativa de doadores nos hospitais. Outra ação importante foi a intensificação da anamnese dirigida a sintomas de síndrome respiratória, de forma a minimizar os riscos de transmissão da covid-19 durante o transplante. O protocolo inclui levantamento de sintomas, identificação de possíveis contatos com pessoas que apresentaram a doença, além de testagem por RT-PCR.

“Tivemos que afastar por completo a possibilidade de infecção  pelo vírus nos transplantes. Para diminuir o risco de transmissão da covid-19, todos os possíveis doadores com algum sintoma gripal são automaticamente excluídos. Outra ação é a pesquisa, junto aos familiares, de possíveis contatos desse doador com pessoas que testaram positivo. Por fim, se não há nenhum indício de doença respiratória, é realizado o teste. A doação só é feita quando todos os exames são negativos, tornando o processo bastante seguro”, ressalta Cançado.

O diretor do MG Transplantes reforça a necessidade de se falar sobre doação de órgãos, não só em setembro, mas durante todos os meses. “A campanha tem esse papel fundamental de orientar e conscientizar as famílias da importância do tema. Para quem aguarda por um órgão e está gravemente enfermo, o transplante é a única forma de continuar vivo. É importante que as pessoas conversem e falem dessa possibilidade, já que só a família pode autorizar a doação”, conclui.

Novo coração

A pequena Maria Alice Figueiredo Camargos, de 10 anos, nasceu com miocardiopatia restritiva e, desde bebê, apresentou sintomas, como cansaço extremo em atividades corriqueiras. Aos 6 anos, entrou para a fila do transplante de coração e, após um ano aguardando, recebeu o órgão.

“Era uma angústia muito grande, já escutei que ela poderia ter uma morte súbita. Sempre coloquei nas mãos de Deus, para que o coração viesse no momento certo. A situação de espera pelo transplante é muito delicada, pois você precisa que algo muito triste aconteça na vida de alguém. Isso gera um conflito grande. Mas, depois de um tempo, a gente começa a entender que, na verdade, é um ato de generosidade de outra família diante de uma situação que não pode ser mudada”, afirma a fisioterapeuta e professora de ballet Tatiana Figueiredo Camargos, mãe de Maria Alice.

Hoje, alguns cuidados, como consultas periódicas, medicações e acompanhamentos, fazem parte da vida da Maria Alice. “Por conta dos imunossupressores, ela tem um risco aumentado para infecções. Em função da pandemia, está há quase dois anos em isolamento social total. Mas é uma menina com uma vida ativa e que faz tudo normalmente. Somos muito gratos à família doadora, pois são a base da vida da minha filha”, diz Tatiana.

Hidratação e cuidados

A assistente de vendas Gabriela Spínola Barbosa, de 27 anos, nasceu com uma má formação congênita que, desde cedo, lhe trouxe diversas disfunções, como comprometimento da audição, sopro cardíaco, entre outras. Com o falecimento de sua mãe, em 2005, o acompanhamento de sua saúde foi deixado de lado. “Era ela quem cuidava de mim e me levava às consultas médicas”, conta.

Dois meses antes de completar 19 anos, a assistente de vendas precisou de hemodiálise. Após um ultrassom, descobriu que havia nascido apenas com um rim. Um ano depois, entrou para a fila de transplante. “Sempre falo que a hemodiálise é um tratamento tão rigoroso, tão invasivo que, no mínimo, congela sua vida no tempo”, diz.

Gabriela foi transplantada em fevereiro de 2018, após aguardar por cinco anos. Desde então, faz questão de mostrar a gratidão pela nova oportunidade de viver. “Cuido muito bem do meu rim. Tomo muita água, não bebo refrigerante, me alimento bem. Quero ter uma vida longa! Aonde chego, costumo brincar com as pessoas, perguntando se já beberam água. Sou eternamente grata à família que me concedeu essa nova chance”.

 

As informações são da Agência Minas

 

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