‘Queremos demolição’, cobram moradores do Jardim dos Alfineiros

Em 2019, decisão judicial determinou demolição pela Prefeitura, mas não foi cumprida (Foto: Fernando Priamo)

“O perigo mora ao lado”. A frase, que nos remete a filmes e obras literárias, resume bem a vida do músico e gerente de lanchonete Ângelo Marcelino da Cruz, 48 anos. Há cerca de dois anos, ele decidiu voltar a viver com a esposa e duas filhas na casa da família, que fica bem ao lado do prédio de seis andares interditado por risco de desabamento na Rua Custódio de Rezende Bastos, no Bairro Jardim dos Alfineiros, Zona Norte de Juiz de Fora.

No próximo dia 31, faz cinco anos que a estrutura foi condenada pela Defesa Civil, após as primeiras trincas e rachaduras começarem a aparecer em 2016. Mas até hoje as pessoas prejudicadas pela situação não receberam qualquer indenização, apesar das ações impetradas. Em 2019, decisão judicial determinou que a construção fosse demolida pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), devido ao risco de colapso. Na época, a PJF informou que preparava licitação para contratar empresa especializada para o serviço. No entanto, nada foi feito.

A demora por uma solução definitiva preocupa quem perdeu o sonho da casa própria e também quem não conseguiu deixar o bairro, como o caso de Ângelo. Ele teve seu imóvel interditado na mesma época, porque o prédio, que fica a apenas cinco metros da residência dele, pode desabar e atingir sua propriedade, adquirida há 20 anos. Mesmo com o alerta, ele, a esposa e duas filhas, de 13 e 21 anos, temem arriscar as próprias vidas, diante das dificuldades financeiras enfrentadas. As filhas chegaram a dormir na cozinha, para evitar o quarto, aparentemente mais perigoso, enquanto os pais até hoje evitam usar a acomodação do casal. “No início, prometeram me ajudar com aluguel social e cesta básica, mas eu recebia um mês e demoravam mais três meses. Meu filho mais velho estuda fora, e não tive condições de continuar pagando aluguel. Resolvemos assumir o risco e voltamos.”

Ângelo chegou a arcar com R$ 1 mil mensais para morar no Nova Era, na mesma região, mas depois alugou um apartamento em frente à sua casa, para poder tomar conta de seus bens, que não cabiam no imóvel locado. “Mesmo assim, entraram na minha casa.” Segundo ele, um morador em situação de rua e usuário de drogas, que estaria dormindo no prédio abandonado, teria retirado os pertences aos poucos, de ferramentas a aparelho de som, causando cerca de R$ 5 mil de prejuízo. Ângelo acredita que o homem vigiava os horários da sua esposa, que costumava ir à residência para lavar roupa.

O músico e gerente admite viver um pesadelo diário. “A Defesa Civil e a Prefeitura sumiram. Deveriam fazer a demolição e monitorar a situação do edifício com frequência, mas, no ano passado, se foram lá uma vez foi muito. Prometeram muita coisa e nada fizeram. O mato está tomando conta de tudo, e tem morador de rua acumulando coisas lá dentro. Vivemos com medo, nessa insegurança, sem saber o dia de amanhã. Só Deus olhando pela gente.” O temor piora nos dias chuvosos. “Ficamos de olho, porque 70% das escoras que seguravam o prédio já foram furtadas. E a água vai deteriorando e aumentando o risco. Tem capim nascendo até no terraço.” A demolição, portanto, é vista como única saída possível. “Para nós, vai ser uma glória. Nossa vida vai poder continuar, sem esse medo todo, e nosso imóvel vai voltar a ter valor. Estamos cansados, mas com esperança de que isso seja solucionado.”

Responsáveis por construção são citados por edital

O presidente da Associação de Moradores do Bairro Jardim dos Alfineiros, André Luiz dos Santos, reforça que a situação do edifício só tem piorado com o passar do tempo (Foto: Fernando Priamo)

Na Justiça, Ângelo da Cruz entrou com ação de danos morais e materiais contra a construtora da obra, Sanlus Domine Engenharia Ltda, mas, até hoje, não teve sequer uma audiência. “Esta semana o advogado informou que a juíza pediu para a Prefeitura fazer vistoria no prédio e ver como está.”

Já o advogado que representa as dez famílias que haviam comprado 13 unidades no edifício, Pedro Mourão, conta que seus clientes não têm interesse que o prédio permaneça de pé, causando risco e transtorno para a vizinhança. “Sobre o processo, um dos responsáveis foi localizado e citado. Quanto aos demais (dois), após diversas diligências, não foram encontrados, o que levou ao deferimento de requerimento de citação por edital (um procedimento de chamar ao processo quem está em lugar incerto e não sabido). Após a publicação do edital, o processo seguiu normalmente, estando esses réus representados por um curador especial (um advogado nomeado pelo juiz para fazer a defesa dos citados por edital). Reconheço que a Justiça tem buscado dar celeridade à tramitação, que, no entanto, está prejudicada pela suspensão dos processos em função da pandemia de Covid-19.”

Sobre a demora na demolição, o advogado acredita se tratar de “uma lamentável ineficiência” da Prefeitura. “Participei de uma reunião com representantes da PJF, não me recordo se no final de 2019 ou início de 2020, em que havia alegação de que o Município não tinha dinheiro para fazer a demolição. Felizmente o prédio ainda não ruiu, mas segundo o laudo produzido no processo, é irrecuperável.” A Tribuna também não conseguiu contato com os responsáveis pela construção.

‘Batem em ferros altas horas da noite’

O servidor público Fábio César Rodrigues, 43, morava no prédio interditado. Atualmente, ele está na casa da sogra, no Bairro Parque Independência, Zona Nordeste, junto com a mulher, 39, e duas filhas, de 7 e 9 anos. “Quando aconteceu a situação (há 5 anos), cada morador que já habitava o prédio foi para um canto, se acomodando da forma que podia. Até que a Justiça determinou que a construtora pagasse hotel ou aluguel. Chegamos a ficar duas noites num hotel no Centro, mas depois falaram que não havia mais reserva e que deveríamos liberar os quartos. O advogado então pediu para alugarmos os apartamentos e levarmos os contratos, para ele passar para a construtora. Mas nunca arcaram com nenhuma despesa. Muitos não conseguiram ficar e tiveram que sair, como eu.” Ele lamenta não ter recebido nenhuma indenização, mas sua preocupação é maior ainda com quem ficou no entorno das ruínas, correndo risco.

O presidente da Associação de Moradores do Bairro Jardim dos Alfineiros, André Luiz dos Santos, reforça que a situação do edifício só tem piorado com o passar do tempo. “O mato tomou conta do local, que virou também abrigo para moradores de rua. Foram roubadas muitas escoras de ferro colocadas lá, aumentando ainda mais o risco de desabamento.”

Segundo ele, os vizinhos convivem não somente com esse medo do colapso, mas também com o incômodo que às vezes sofrem à noite, quando fazem barulho na retirada de escoras. “Batem em ferros altas horas da noite, prejudicando o descanso de quem mora nos arredores.” André Luiz enfatiza que o mais importante no momento, além da indenização daqueles que haviam comprado os apartamentos ou sofreram com a interdição de suas casas, é a derrubada de toda a estrutura comprometida.

“Nós, moradores do bairro e membros da associação, somos solidários com os prejuízos e perdas que os proprietários tiveram. Porém, nosso objetivo principal é que a Prefeitura faça a demolição do prédio, uma vez que já foi condenado e virou lugar para moradores de rua, para o roubo das escoras e esconderijo para pequenos furtos.” Ele diz ter esperança de que isso aconteça nesta nova Administração municipal. “O clamor e o grito dos moradores do bairro é um só: Queremos solução: demolição!”

PJF diz não ter previsão para demolição

Procurada pela Tribuna, a assessoria da Defesa Civil informou, nesta quinta-feira (28), que a atual Administração municipal está tomando ciência da situação e realizando estudos do processo para adotar as medidas cabíveis em relação ao prédio interditado desde 2016. “Já foi constatado que não há previsão de dotação orçamentária no exercício financeiro deste ano para a realização da demolição do empreendimento particular”, destacou. Com isso, a apreensão dos moradores, relatada na reportagem, deverá se arrastar por, pelo menos, mais um ano.

Ainda por meio de nota, a assessoria confirmou que o prédio segue interditado pela Defesa Civil, assim como a casa ao lado. O órgão garantiu fazer vistorias periódicas para monitorar a situação do edifício e afirmou que essas ações passarão a ser mensais. “A última (vistoria) foi realizada em novembro de 2020. Neste ano, os monitoramentos serão realizados mensalmente a fim de evitar danos para a população.”

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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