Curso de barbeiro trouxe ânimo para a vida de Júlio César, que já consegue uma renda fazendo cortes de cabelo e ainda atende moradores de rua de forma voluntária
“Olho sempre para o alto da escada, mas subo degrau por degrau”. A frase é de Júlio César Vieira da Silva, 48 anos, que, após deixar o sistema prisional mineiro, decidiu que era hora de mudar de vida e recomeçar.
Junto com a liberdade veio o desejo pela profissionalização como barbeiro, atividade iniciada de forma autodidata, dentro de uma cela. Nesse processo para mudar os rumos da própria história, Júlio conta com o apoio do Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp).
Somente este ano, o programa já realizou mais de 10 mil atendimentos, articulando o acesso a direitos e provendo condições para a inclusão social de homens e mulheres que terminam de cumprir suas penas.
Determinação
Um pouco depois da soltura de uma unidade prisional da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em maio deste ano, Júlio César foi à Unidade de Prevenção à Criminalidade (UPC) do Centro da capital, para buscar informações sobre pecúlio – pois teve atividades de trabalho durante o tempo de privação de liberdade – e sobre auxílio emergencial; e ainda para tentar conseguir um curso de barbeiro, atividade que iniciou sozinho no presídio onde cumpria pena.
Com o apoio do PrEsp, ele conseguiu tudo o que precisava, e já está quase terminando uma profissionalização, na barbearia escola do Keko Boladão, no Morro do Papagaio. A última aula do curso está prevista para a próxima terça-feira (24/11), totalizando 55 horas/aula. Júlio César vai receber o certificado no dia 1/12, debaixo do viaduto da avenida Francisco Sales, no lado do bairro Floresta, onde já exerce a profissão de barbeiro.
Dia após dia, ele corta o cabelo e faz a barba de motociclistas profissionais, funcionários de oficinas mecânicas, entre outros, e também de pessoas que não têm condições de pagar pelo serviço. “Quem pode fortalece, quem não pode agradece. Chega feio e sai bonito”, brinca.
Júlio é autor de várias frases de efeito e bem humoradas, mesmo diante de adversidades, como morar em um abrigo e ter sido vítima, no início do mês, de um roubo de parte do material de trabalho, comprado com os cortes de cabelo que faz.
Agora, vai!
A primeira máquina de cortar cabelo de Júlio César foi fabricada por ele, utilizando um pente e lâminas de aparelhos de barbear. Começou cortando o cabelo de colegas da cela onde estava.
“Diziam que eu cortava bem, mas queria ter a avaliação de um profissional e aprender todas as técnicas, por isso, procurei ajuda para fazer um curso”. Júlio se diz grato aos analistas do PrEsp, que considera prestativos e eficientes. “Eles conseguem nos orientar sobre os serviços da rede pública e articular com pessoas solidárias, dispostas a ajudar”, enfatiza.
Foi desta forma que surgiu o curso de barbeiro. O professor já havia dado aulas no Programa de Controle de Homicídios Fica Vivo!, integrante da Política Estadual de Prevenção Social à Criminalidade, desenvolvida pela Subsecretaria de Prevenção à Criminalidade (Supec), na qual também está inserido o PrEsp.
A certeza sobre a profissão veio durante o curso, dando a Júlio a tranquilidade e a técnica para montar sua “barbearia”, instalada sob a proteção do viaduto da avenida Francisco Sales, em BH. Lá, é possível encontrar pessoas aguardando a vez de se sentar na cadeira.
Um dos clientes de Júlio é Douglas de Oliveira, 23 anos, que está desempregado e o conheceu no Albergue Tia Branca, situado próximo à “barbearia”. No último corte de cabelo e barba, Douglas ficou bastante satisfeito e disse “Agora, vai!”. Júlio conta que não soube ao certo o motivo da reação, mas especula: “Agora vai o quê? Vai conseguir namorar? Conseguir um emprego? Vai visitar a família? Para mim, é uma alegria enorme ver as pessoas saírem daqui com a sensação do agora vai”, afirma.
O professor da barbearia escola, Keko Boladão, tem 12 anos de experiência e garante que seu aluno está pronto para trabalhar nos mais exigentes salões de barbeiro da cidade. “É muito gratificante ensinar ao Júlio, um aluno dedicado, inteligente e habilidoso”, elogia.
O Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp) começou suas atividades em Belo Horizonte, em 2004. Atualmente está presente em 11 municípios. Desde o início do funcionamento do programa, já foram realizados mais de 211,3 mil atendimentos.
O objetivo principal é propiciar o acesso a direitos e promover condições para a inclusão social de homens e mulheres egressos do sistema prisional. Para isso, o programa busca identificar e intervir nas vulnerabilidades e riscos sociais que perpassam a trajetória de vida daqueles que tiveram sua liberdade privada, contribuindo para a diminuição da reincidência criminal.
Os egressos procuram o PrEsp voluntariamente, por meio de encaminhamentos feitos pela rede do município ou pela coleta de assinaturas referentes ao livramento condicional. O programa também realiza ações nas unidades prisionais com pessoas que estão próximas de alcançar a liberdade. A ideia é apresentar o trabalho ao futuro egresso, possibilitando a ele que, ao deixar a unidade prisional, já saiba da existência de um serviço que pode acessar e que o auxiliará na retomada de sua vida em liberdade.
Inclusão
A diretora do PrEsp, Francine Machado, explica que o programa promove a inclusão social por meio da minimização de vulnerabilidades, como baixa escolaridade, baixa renda, situação de rua, sofrimento mental, envolvimento criminal e outras. Os atendimentos são realizados por profissionais da Psicologia, Serviço Social e Direito.
“Trabalhar no PrEsp é se dedicar a uma pauta de inserção social voltada para um público extremamente estigmatizado, esquecido e marginalizado. Um público de vulnerabilidades sociais extremas, agravadas pela experiência do aprisionamento”, detalha Francine, acrescentando que estar à frente de um trabalho voltado para o acesso a direitos de minorias é motivo de muito orgulho e satisfação. “Pensar em segurança pública e em prevenção à criminalidade é também pensar em responsabilidade social”, completa.
Paloma de Souza Santos Pereira é uma das analistas sociais que atuam nos atendimentos do PrEsp na Unidade de Prevenção à Criminalidade localizada na rua Espírito Santo, no Centro de Belo Horizonte. Para ela, trabalhar no programa significa um ato político, pois a pauta do egresso não é interessante à sociedade. “Se ninguém fala sobre esse público, como ele vai ser conhecido e escutado? A partir disso, podemos construir a chamada segurança cidadã. O PrEsp não trabalha sozinho, pois o egresso está na saúde, na educação e na moradia”, avalia.
Agência Minas