Pretos e pardos são maioria de infectados e de mortos por Covid-19 em MG

A população negra, formada por pretos e pardos, segundo definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é a mais vitimada pela Covid-19 em Minas Gerais. Dados do boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) do dia 3 de agosto mostravam que, até aquela data, 30% dos mineiros acometidos pela doença, desde o início da pandemia, eram pretos (4%) e pardos (26%). O perfil de cor e raça ainda mostrava que brancos somavam 23%, amarelos, 5%, e que 43% dos mineiros com casos confirmados de coronavírus não informaram a raça.

No que diz respeito aos casos de mortes provocadas pela Covid-19, pretos (9%) e pardos (37%) também foram os mais vitimados até agosto, somando 46% dos casos, também conforme o boletim do dia 3. Brancos acumulavam 36% dos registros de mortes. O total entre amarelos era de 1%, e 17% não informaram raça.

Em Juiz de Fora, também conforme a SES-MG, os percentuais eram mais equilibrados, considerando o mesmo período. Até o início do mês, a diferença entre raças, referente aos casos confirmados, girava em torno de 1%. Enquanto pretos (4,3%) e pardos (12,52%) totalizavam 16,82% das pessoas acometidas pelo coronavírus, entre brancos, o percentual era de 17,93%. Entre os amarelos, a taxa era de 1,23%. Entretanto, de acordo com a pasta, em 63,97% dos casos registrados na cidade não foi informada a raça do paciente, percentual ainda maior que o do estado. A SES não informou o percentual óbitos em Juiz de Fora, e afirmou que não faz distinção se os números divulgados se referem a apenas moradores da cidade. À Tribuna, a Secretaria ressaltou que o registro e o envio desses dados são de responsabilidade do Município.

Interpelada pela Tribuna, a Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora forneceu dados diferentes, que vão de encontro aos percentuais repassados pela SES. A discrepância pode se dever ao fato de que, no levantamento municipal, apenas 14,88% não informaram a raça. Considerando estes dados, a maioria de infectados no município seria de pessoas brancas (51,16%). De acordo com o banco de dados e-SUS VE, plataforma de notificação on-line do Ministério da Saúde (MS), e levando em consideração apenas residentes em Juiz de Fora, o recorte racial se estabelecia com os seguintes percentuais: pretos (15,34%) e pardos (16,51%), totalizando 31,85% das pessoas contaminadas. Amarelos totalizavam 2,09%.

Entre os casos notificados de síndrome gripal, considerados suspeitos para o coronavírus, quando não há testagem e não há necessidade de internação, os percentuais divulgados pelo Município são: pretos (9,80%) e pardos (41,80%), somando 51,6%. Entre brancos, o percentual era de 37,01%, amarelos, 3,14%, indígenas, 0,09%, e 8,13% tinham raça ignorada.

A Saúde do município observou que todas as notificações, sejam elas de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) ou de síndrome gripal, são feitas por meio das unidades de saúde que prestam atendimento aos pacientes. Dessa forma, cabe ao profissional de saúde preencher todos os campos designados no formulário. Quando a notificação chega ao Departamento de Vigilância Epidemiológica e Ambiental (Dvea), é tratada e inserida nos bancos de informação preconizados pelo Ministério da Saúde. Quando o campo raça não é preenchido pelo notificador, a Vigilância Epidemiológica insere no e-SUS VE o número do cartão SUS ou CPF do paciente. Dessa forma, o próprio sistema ‘puxa’ esta informação de um dos documentos de forma automática. Quando há inconsistência, a plataforma classifica que o campo foi “ignorado”.

Ações direcionadas

Questionada pela Tribuna acerca de ações específicas para o enfrentamento do coronavírus entre a população negra, a SES-MG informou que, desde o início da pandemia, a pasta iniciou uma série de medidas para conter o avanço da Covid-19. Por meio de ações conjuntas com outras pastas, a SES afirma que tem atuado em várias frentes, com o objetivo de garantir o acesso aos serviços de saúde para todos que precisam de atendimento médico e dar suporte aos municípios na retomada das atividades econômicas.

Ainda segundo a pasta, como parte dessas ações, foram publicadas notas técnicas e protocolos, com o objetivo de orientar os serviços de saúde do estado para o atendimento de toda população, entre eles os povos e comunidades tradicionais, como os quilombolas, indígenas, ciganos, circenses, comunidades de matriz africana, geraizeiros, vazanteiros, pescadores artesanais, faisqueiros e outros.

Além disso, conforme a Secretaria, o protocolo de infecção humana pelo SARS-COV-2 foi estendido aos pacientes pertencentes a populações ou a grupos sociais de alta vulnerabilidade (indígenas, quilombolas, ciganos, circenses e população em condições de rua), sintomáticos, para coleta de amostra laboratorial (RT-PCR).

Para coordenador do Movimento Negro, dados ‘escancaram genocídio’

Para o coordenador do Movimento Negro Unificado (MNU) na Zona da Mata e membro do Conselho Municipal para Valorização da População Negra, Paulo Azarias, o maior acometimento de pretos e pardos pela Covid-19 confirma o chamado “genocídio da população negra”, que passa por várias questões e que, com a pandemia provocada pelo coronavírus, ficou ainda mais escancarada, segundo ele. “Se pegarmos todos os índices sociais, como emprego, renda e escolaridade, vamos constatar que a população negra, incluindo pretos e pardos, está na base dessa pirâmide e, com a Covid-19, houve a confirmação de todas as denúncias que o movimento negro, ao longo dos anos, vem fazendo. O racismo estrutural está colocado de forma nítida nessa situação”, avalia Azarias.

Conforme ele, falta investimento nas comunidades periféricas, com maioria de população negra. “Em Juiz de Fora, por exemplo, as condições de um bairro como São Mateus e Alto dos Passos não são as mesmas de um bairro como Vila Esperança ou Vila Olavo Costa, que são de maioria negra. Há falta de saneamento, as unidades de saúde são precárias, há carência de medicamentos. Então, todas essas mazelas que vêm acompanhando a população negra estão se revelando agora de forma dramática com essa pandemia”, afirma, completando: “Essa crise mostra que a população negra é a mais vulnerável em função das condições sociais na qual ela está inserida”.

Trabalhos de risco

Paulo Azarias ainda pontua que os trabalhadores negros atuam mais nas áreas de maior risco. “São os serviços de limpeza, os serviços de auxiliares gerais nos hospitais. Quando olhamos para as moradias, vemos que eles habitam locais precários, com muita gente, e que não proporcionam condições de realização do isolamento social. Isso é agravado pela falta de água e de infraestrutura nas comunidades”, assevera Azarias, destacando que o desemprego faz com que essas pessoas se exponham mais, necessitando ir para a rua. “Essa é a realidade que a população negra vive e, por isso, corre mais perigo.”

No Brasil, maioria das vítimas fatais também é de pretos e pardos

Dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) indicam que as populações de pessoas declaradas como pardas e pretas foram as que mais tiveram óbitos por causas naturais no Brasil desde o início da pandemia. Conforme a associação, entre 16 de março e 30 de junho deste ano, o país registrou um aumento de 13% no total geral de mortes, mas a distribuição foi desigual entre sua população em comparação com 2019. Enquanto a população branca registrou um aumento de 9,3%, os pretos viram o número crescer 31,1%, e os pardos, 31,4%. Entre a população indígena, os óbitos subiram 13,2%, e entre os amarelos, 15,3%.

As informações estão no novo módulo do Portal da Transparência, plataforma desenvolvida pela Arpen-Brasil e disponível para toda a sociedade por meio do site, que reúne os registros de óbitos feitos pelos cartórios brasileiros. Os dados utilizam como base as informações contidas nas Declarações de Óbitos (DOs), emitidas pelos médicos no ato de falecimento, e que são a base da certidão de óbito.

Em números absolutos, as mortes registradas em cartório, neste período, totalizaram 390.078, sendo 181.591 de pessoas declaradas brancas, 121.768 de pardos e 25.782 de pretos. Os indígenas representaram 701 falecimentos, e a população declarada amarela 3.948. Constam, ainda, 56.288 óbitos cuja raça/cor não foi declarada pelo médico e/ou o declarante no momento do registro de óbito.

Ainda segundo os dados, os óbitos por Covid-19 teriam atingido a população brasileira, basicamente, na mesma proporção de sua distribuição. Foram 44,4% óbitos de pessoas declaradas brancas, 38,4% de pessoas declaradas pardas e 8,2% da população preta. Indígenas representaram 0,24% dos mortos pelo coronavírus, amarelos representaram 1,5%; e constam como raça/cor ignorada 7,2% dos óbitos causados pela doença.

Doenças respiratórias

Considerando-se apenas as doenças respiratórias disponíveis no Portal – Covid, Insuficiência Respiratória, Pneumonia, Septicemia e Síndrome Respiratória Grave (SRAG) – registrou-se aumento de 34,5% no número de óbitos no período de 16 de março a 30 de junho de 2020 em relação a 2019. E, novamente, os pardos e pretos são os mais atingidos: a população parda viu crescer 72,8% os óbitos por este tipos de doença, enquanto os pretos registraram aumento de 70,2%. Já o crescimento de óbitos por estas doenças entre os brancos ficou em 24,5%. Índios registraram aumento de 45,5%, e amarelos, de 40,4%.

Doenças cardíacas

Os dados de óbitos por doenças cardíacas, disponíveis no Portal – AVC, infarto, demais doenças cardiológicas (que correspondem a morte súbita, parada cardiorrespiratória e choque cardiogênico) -, registraram um pequeno aumento no mesmo período analisado: 0,7%. Nos falecimentos por estas doenças, as populações que novamente registraram maior aumento foram os pretos (13,7%), os pardos (8,4%) e os indígenas (2,2%). Já as populações branca e amarela registraram diminuição no período, de 0,5% e de 0,3%, respectivamente. A Tribuna solicitou à Arpen-Brasil o recorte local dos dados divulgados, mas não obteve retorno.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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