Cinco meses após a implantação do monitoramento por tornozeleiras eletrônicas, acautelados do regime semiaberto denunciam o não recebimento de vale-transporte, assim como o atraso nos pagamentos de seus salários em virtude dos serviços de capina e limpeza que prestam para o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb). A demora para receber o benefício e a remuneração é enfrentada, constantemente, pelos detentos, situação, inclusive, já mostrada pela Tribuna. Desde novembro, os salários não são depositados. Sem dinheiro, eles se veem impossibilitados de arcar com os custos de deslocamento para chegar ao emprego. Possuir trabalho fixo é critério obrigatório para a manutenção do dispositivo, assim como o respeito aos horários previamente estabelecidos. O não pagamento dos salários acontece no momento de crise financeira pelo qual passa o Governo de Minas que não tem realizado repasses constitucionais às prefeituras.
O fornecimento de transporte, entretanto, seja ele fretado ou por meio de vale-transporte, é obrigatório por parte da empresa, conforme rege o contrato entre a Secretaria de Administração Prisional (Seap) e o Demlurb. Para não perder o benefício da liberdade condicional, a solução que muitos têm encontrado é seguir a pé de suas casas até a sede do departamento, de onde saem para iniciar os trabalhos. Muitos, no entanto, precisam atravessar grandes distâncias. No entanto, eles só podem sair de suas casas após às 6h por determinação judicial e nem sempre conseguem chegar dentro do horário estabelecido uma vez que precisam seguir o caminho a pé. “Devemos nos apresentar às 7h e, desta forma, não conseguimos sequer sair mais cedo. Se isso acontece, a central entende como se estivéssemos em fuga. Uma hora não é suficiente para esse deslocamento”, contou um detento que preferiu não se identificar. O não cumprimento das regras pode acarretar na perda da tornozeleira e regresso ao sistema prisional.
Diante da situação imposta, os presos estão “se virando” para pagar o transporte e manter seus lares. Alguns residem em locais muito afastados e necessitam de quatro passagens diárias. “Se a gente não recebe, como vamos ter esse dinheiro para ir trabalhar? Tenho uma filha bebê e, às vezes, tiro dela para pagar o ônibus”, desabafa o homem, acrescentando: “Muitas vezes, eu vou a pé para economizar e garantir que minha família tenha uma vida mais digna, mas a distância é longa e enfrento o empecilho da hora”, relata.
Apesar de apenas um terço do salário ser depositado diretamente na conta do preso, os valores estão fazendo falta às famílias. Outra parte é mantida em pecúnio, para que o trabalhador receba após a saída da detenção e consequente cumprimento da pena. Já o restante é utilizado para a manutenção do acautelado. Ao final do mês, o gasto com deslocamento representa algo em torno de R$ 300. “Não sobra nada. Têm meses que não recebemos nem isso.”
Ressocialização questionada
Quando de sua implantação, a tornozeleira foi apontada, além de uma das soluções para o inchaço do sistema prisional, como alternativa para a recolocação social, tendo em vista o contato próximo e o sustento da família, a possibilidade de estudo e de trabalho diante do novo senso de responsabilidade. A forma como tem sido aplicada, entretanto, é questionada por aqueles que estão sob cautela. Das mais de 2.500 pessoas acauteladas em unidades prisionais de Juiz de Fora, 70 delas já possuem tornozeleiras. A expectativa é que 350 detentos sejam monitorados pelos equipamentos. “Eu passei anos preso e não quero voltar para essa vida. Não vale a pena. Queria, apenas, que eles olhassem para nós com mais atenção. Já estou sem receber há mais de seis meses. Falam sobre reinserção, mas a gente precisa de condições para isso. Como vou voltar ao convívio se não tenho dinheiro, sequer, para comer? Não tenho dinheiro para comprar o leite da minha filha. Quero ter uma vida digna”, diz.
A mulher de outro detento concorda que, da maneia como tem sido praticada, a ressocialização não é eficaz. “Eles cometeram erros, mas estão pagando por isso.Toda pessoa merece ter uma vida mais humana e, com eles, não devia ser diferente”, pontua a mulher, que também não quis ser identificada. “O Estado quer diminuir a violência e, ao invés de dar condições para que os presos possam recomeçar suas vidas, ele tira o mínimo que é dos presos, por direito?”, questiona. Em nota, o Demlurb esclareceu à reportagem que existem duas situações. Uma delas envolve a parceria, firmada entre o Demlurb e a Casa do Albergado, a qual “garante o transporte a todos os presos, por meio de ônibus do departamento, que realizam o serviço de limpeza urbana e cumprem o regime semiaberto no local”.
Já em relação aos acautelados que são monitorados através de tornozeleiras e, portanto têm o direito de dormirem em suas residências, “o convênio não prevê o fornecimento de vale-transporte”. Porém, conforme o departamento, está em estudo um acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) para suprir a necessidade do transporte. Sobre os salários, o Demlurb reiterou que o ordenado referente aos serviços prestados não está em atraso. “Todo o acerto é realizado através do Documento de Arrecadação Estadual (DAE), logo, o pagamento é recolhido pelo Governo do Estado, responsável por repassar os recursos à Seap”. Já a secretaria disse, também em nota, que o pagamento do mês de novembro foi realizado e que o vencimento de dezembro será depositado no início do próximo mês. Todavia, não informou datas para os acertos referentes aos primeiros cinco meses de 2019.
Dificuldade para conseguir ‘carta de emprego’
Outro ponto denunciado pelos apenados é a dificuldade em conseguir trabalhos em iniciativas que não sejam da Prefeitura. Para isso, eles necessitam ter em mãos uma “carta de emprego”, documento que deve ser validado pela assinatura de um juiz, autorizando que aquela pessoa atue em empresas públicas e/ou privadas. No entanto, conforme os condenados, a solicitação do documento não tem sido acatada pela Justiça. Apesar da denúncia, o juiz da Vara de Execuções Criminais de Juiz de Fora, Evaldo Elias Penna Gavazza, garante que “isso não procede”.
Conforme o magistrado, a cidade possui vários sentenciados com trabalho externo junto a empregador particular em monitoramento eletrônico. Entretanto, na central, ainda há uma demanda reprimida na colocação das tornozeleiras e, em face da impossibilidade de atender a todos, prioriza-se os custodiados que atuam em empresas públicas parceiras, tais como o Demlurb. “Só depois de atendida a demanda do Poder Público é que atenderemos os interesses de particulares”, diz. Ele ressaltou que o deferimento de trabalho externo a empregador particular é medida excepcional e não contemplada na lei de execução penal, porém, “em decorrência da impossibilidade de oferta de trabalho a todos os sentenciados em execução de pena, concedemos essa autorização”, finalizou.
Defensor do uso das tornozeleiras eletrônicas como um método não para substituir a prisão, mas para dar oportunidade ao preso de voltar ao convívio social, o doutor em Sociologia Luís Flávio Sapori, que também é professor nos cursos de mestrado e doutorado em Ciências Sociais da PUC-Minas, reforça que a iniciativa é interessante e promissora. Todavia, o projeto corre riscos de funcionar mal por falta de cumprimento do acordo por uma das partes, neste caso, o Estado. “O mesmo Estado que fornece a tornozeleira para aqueles que estão em cumprimento de pena, é aquele que segue atrasando com os pagamentos. Por isso, a medida corre o risco de não funcionar, o que já me parece estar acontecendo. Não há justificativa de esse dinheiro não ser repassado aos presos. Eles estão trabalhando e devem, por direito, receber. Afinal, assinaram um contrato de trabalho. Portanto, devem receber em suas contas próprias os vencimentos relacionados aos serviços prestados. Pode ser que esse dinheiro esteja caindo em uma conta única do Estado, o que é um absurdo “, asseverou.
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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora