Principais candidatos já visitaram o estado que foi indispensável na eleição de todos os presidentes desde a redemocratização
Minas Gerais tem 16.290.870 eleitores aptos a votar nas eleições de outubro. O número corresponde a 10,4% de todo o eleitorado brasileiro. O estado é o segundo maior colégio eleitoral do país, atrás apenas de São Paulo. Em outras palavras, uma em cada dez pessoas que vão às urnas para escolher o futuro presidente vive e vota nos 853 municípios mineiros. Só isso já confere ao estado uma grande importância para a disputa presidencial, relevância que levou os dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de votos na disputa pelo Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), a cumprirem agendas no estado já no início de campanha.
Para além do incontestável peso eleitoral, Minas Gerais também carrega consigo certa mística quando se fala em disputas presidenciais. Desde o processo de redemocratização do país, após o período da ditadura militar, a situação tem sido recorrente nas eleições presidenciais: todo candidato a presidente mais votado entre os mineiros venceu as eleições e assumiu a Presidência. Foi assim com Fernando Collor de Mello, em 1989; com Fernando Henrique Cardoso, em 1994 e 1998; com Lula, em 2002 e 2006; com Dilma Rousseff, em 2010 e 2014; e com Bolsonaro, em 2018.
Visto por muitos como um axioma, a recorrência histórica é, antes de tudo, um fato. Foi assim nas últimas décadas e, por que não, pode ser assim em 2022, seja pelo grande eleitorado do estado ou pela diversidade socioeconômica das várias regiões mineiras. Mas será que essa característica recorrente é uma mera coincidência ou, de fato, Minas tem um papel tão importante quanto premonitório para as contendas presidenciais? Seria o estado capaz de compreender as movimentações do eleitorado de todo o país e ser decisivo, de fato, para que um presidenciável vença as eleições?
Para responder a estas perguntas, a Tribuna convidou os professores e cientistas políticos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Diogo Tourino e Jorge Chaloub. Eles integrarão um time de especialistas que, nos próximos domingos, também vão contribuir em outras discussões sobre aspectos que envolvem o atual processo eleitoral. Sobre a grande pergunta desta reportagem, já de cara, os dois especialistas defendem um entendimento mais óbvio, de que, de fato, um dos pontos que contribuem para esta recorrência histórica é o grande peso do eleitorado mineiro, segundo maior colégio eleitoral do país.
Percepções
“As razões mais mencionadas, e evidentes, são a dimensão do eleitorado do estado, o segundo com maior número de eleitores, e a sua diversidade interna, que funcionaria como bom indício dos caminhos de diversos grupos sociais representados pelas diferentes regiões mineiras”, avalia Jorge Chaloub, considerando o eleitorado local e a diversidade regional do estado. Essa mesma diversidade é apontada por Diogo Tourino como um fator que torna ainda mais complexa a compreensão do fenômeno.
“Ao mesmo tempo em que é o segundo maior colégio eleitoral do país, Minas é um estado muito complexo. É o estado brasileiro com o maior número de municípios. Isso envolve vários palanques, vários prefeitos, vários vereadores com quem tem que se costurar. Isso é muito difícil. É também um estado com uma diversidade regional muito grande. Desde uma região muito pobre, com índices de desenvolvimento humano baixíssimos e que se assemelha às regiões mais pobres do país, até as regiões mais prósperas”, pontua.
‘Minas não é o Brasil. Mas tem muito do Brasil em Minas’
De fato, entre aqueles que tentam entender a recorrência histórica, muitos traçam um paralelo entre as diversas regiões do estado e as diversas regiões do país. Seria algo como considerar que o Norte de Minas se assemelha, em muitos aspectos, com a Bahia e os demais estados do Nordeste; que a Zona da Mata tem similaridades com o Rio de Janeiro; que o Triângulo Mineiro reúne características do Centro-Oeste e de São Paulo, da mesma forma que o Sul de Minas também tem influência paulista. Isso implicaria no comportamento e na diversidade do eleitor que, em algumas regiões, teria um perfil mais progressista e, em outras, mais conservador, mimetizando um pouco o que é observado no país.
O especialista ressalta que as comparações entre Minas e o país devem ser vistas “muito mais como uma brincadeira para tentar entender essa coincidência do que propriamente um exame científico cuidadoso”. Sobre o mesmo tema, o cientista vai além e afirma que esta não seria, no entanto, “uma brincadeira tola”, uma vez que Minas Gerais é, sim, “um estado complexo, diverso e que traduz algumas realidades muito contrastantes”. “Minas não é o Brasil. Mas tem muito do Brasil em Minas”, resume.
‘A política mineira se organiza em torno de um ideal de centro’
Por outro lado, além de citar a dimensão do eleitorado mineiro e a diversidade regional do estado, “que funcionaria como um bom indício dos caminhos de diversos grupos sociais representados pelas diferentes regiões mineiras”, o cientista político Jorge Chaloub propõe uma outra reflexão para tentar explicar o fenômeno eleitoral resultante do fato de que todo presidente eleito no Brasil nos últimos anos precisou vencer em Minas para chegar ao Palácio do Planalto.
“Ao menos desde a República de 1946, a política mineira se organiza em torno de um ideal de centro, que faz com que as principais lideranças do estado tendam a se mover na direção do candidato mais capaz de agregar apoios e, com isso, vencer”, avalia Chaloub. O cientista político ainda defende que o centro político não deve ser visto como “um lugar fixo, como muitas versões correntes apontam, mas, sim, como uma construção política, realizada a partir da capacidade de formar consensos e agregar na mesma coalizão atores diversos”. Isso talvez explicaria o fato de Minas funcionar como uma espécie de estado-pêndulo, capaz de definir as disputas nacionais.
“De Juscelino Kubitschek a Itamar Franco, passando por Tancredo Neves, os políticos mineiros mais bem-sucedidos sempre cultivaram a moderação como ideal e, mesmo quando assumiam ideias mais à direita e à esquerda, buscavam retratá-las pelas lentes da prudência”, ressalta Chaloub. Assim, o cientista político analisa ainda que, mesmo quando políticos de esquerda, como Fernando Pimentel, do PT, ou de direita, como Romeu Zema, do Novo, vencem as eleições para o governo de Minas, “o movimento parece levar ao centro”.
“O pragmatismo que pauta esses movimentos tem, a meu ver, duas consequências mais diretas. A primeira é tornar Minas lugar central das disputas presidenciais e reservar ao estado recursos de poder por vezes maiores que outras unidades da federação. Por outro lado, essa tendência centrípeta também faz com que os políticos mineiros tenham dificuldade de liderar grandes movimentos nacionais, bem-sucedidos nas urnas, os quais frequentemente demandam ir além da ideia do centro e assumir ares de novidade e inovação”, avalia.
Para ganhar no Brasil, é preciso conquistar Minas Gerais
“Desde a eleição presidencial de 1950, quando o pessedista mineiro Cristiano Machado venceu no estado, mas perdeu a eleição para Getúlio Vargas, o candidato mais votado em Minas Gerais é o vencedor nas eleições presidenciais”, lembra o cientista político Jorge Chaloub. Assim, desde a redemocratização do país, no final da década de 1980, todos os presidenciáveis vencedores também saíram na frente no estado, que é considerado o segundo maior colégio eleitoral do país.
De acordo com levantamento realizado pela Tribuna, na eleição de 1994, a disputa presidencial em Minas ficou marcada pela maior diferença percentual entre os dois candidatos mais votados. Na época, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi eleito no primeiro turno com 54,24% dos votos em primeiro turno, contra 27,04% de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao olhar somente para os dados de Minas, FHC conseguiu o voto de 64,28% dos eleitores, contra 21,90% de Lula – gerando assim uma diferença de 42 pontos percentuais entre os dois candidatos nos números do estado. O saldo é muito superior à diferença encontrada nos números totais no país, de 27 pontos percentuais.
Vinte anos depois, na eleição presidencial de 2014, a disputa entre Aécio Neves e Dilma Rousseff apresentou um cenário oposto, com a menor diferença entre os resultados observados em Minas e no Brasil. Com o cenário político extremamente polarizado, a ex-presidente venceu o pleito no segundo turno, com 51,64% dos votos contra 48,36% do candidato tucano. Em Minas, Dilma teve 52,41% dos votos, ao lado dos 47,59% obtidos por Aécio.
Nenhum presidente com domicílio eleitoral em Minas desde JK
Apesar do enorme protagonismo do estado nas eleições presidenciais, Minas Gerais não elege um presidente pelo voto popular com domicílio eleitoral no estado desde Juscelino Kubitschek, em 1955. De lá para cá, ainda que o juiz-forano Itamar Franco tenha assumido o Palácio do Planalto com a renúncia de Fernando Collor às vésperas de um processo de impeachment, em 1992, ele não foi eleito diretamente para o cargo.
Já a ex-presidente Dilma Rousseff é mineira de nascimento, mas sua carreira política foi construída no Rio Grande do Sul, tendo sido Secretária de Minas e Energia no estado na década de 1990. Quando eleita para a Presidência da República em 2010 e 2014, a petista ainda votava na cidade de Porto Alegre. Em 2018, após sofrer o processo de impeachment, Dilma mudou seu domicílio eleitoral para Belo Horizonte, sua cidade natal, e tentou, sem sucesso, uma das três cadeiras no Senado Federal pelo estado.