Pandemia afeta renda de catadores e associações de reciclagem

Simone Silva, que trabalha com coleta de material reciclável há 15 anos, tem sentido os reflexos da falta de material para trabalhar e pede doações para conseguir alimentar os quatro filhos (Foto: Fernando Priamo)

Os catadores de materiais recicláveis de Juiz de Fora têm enfrentado dificuldades financeiras em razão da diminuição da quantidade de materiais recicláveis durante a pandemia de Covid-19. Desde a suspensão da coleta seletiva realizada pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb), em março do ano passado, o volume de material coletado caiu drasticamente, afetando a renda dos trabalhadores e das associações de catadores. Em busca de ajuda financeira, as entidades procuraram a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e estão pedindo doações para ajudar as cerca de 50 famílias que dependem financeiramente da coleta seletiva na cidade.

Após paralisar o serviço por quase sete meses, o Demlurb retomou a coleta seletiva em outubro de 2020. Entretanto, desde então, a quantidade de material recolhido não tem sido suficiente para manter os galpões da cidade. O problema afeta, pelo menos, 51 famílias que dependem desse serviço. Segundo a PJF, 28 delas estão ligadas à Associação Municipal de Catadores de Papel e Materiais Reaproveitáveis de Juiz de Fora (Ascajuf), 16 fazem parte da Associação dos Catadores de Papéis e Resíduos Sólidos de Juiz de Fora (Apares) e outras sete estariam relacionadas à Associação Lixo Certo (Alicer).

Para a presidente da Apares, Flávia Helena da Silva, que trabalha na associação há 20 anos, este é o pior momento vivido pelos catadores em Juiz de Fora. “Antes da pandemia nós tínhamos uma base de 12 a 15 toneladas de material por mês. Hoje em dia nós não conseguimos nem quatro toneladas no mesmo período”. Ela explica que o menor volume de material que chega ao galpão implica uma menor quantidade de material comercializado às empresas parceiras, que compram os resíduos após a triagem feita pelos catadores.

De acordo com Flávia, nos últimos tempos, a decisão entre manter as despesas da associação e garantir o sustento das famílias fez com que a Apares contraísse uma série de dívidas. “Nós não estamos conseguindo manter nossas casas e a associação. Se a gente mantém a associação, não conseguimos comer. Temos luz, água, telefone para pagar, e, mesmo que a coleta do Demlurb tenha voltado, o volume ainda é muito pequeno. Com as 16 famílias que trabalham aqui, o que a gente consegue arrecadar não dá vazão. Nós estamos pagando para sobreviver, porque tem dias que não conseguimos recolher material para pagar nem a passagem para voltar para casa”.

De acordo com ela, muitas famílias estão vivendo de doações. O próprio galpão da Apares, que fica localizado na Rua Doutor Lafaiete Loures 101, no Centro, está recebendo os donativos. “Aceitamos qualquer tipo de doação, seja de roupas, roupas para crianças ou alimentos”. Flávia ainda afirma que a associação também realiza o recolhimento de descartes eletrônicos, que podem ser deixados na sede.

Catadora depende do serviço para sustentar os filhos

Além da redução da renda, a pandemia afetou as famílias de outras formas. É o caso da catadora Simone da Silva, que trabalha na Apares há cerca de 15 anos e é a única responsável pelo sustento da família, composta de quatro crianças. Há cerca de um mês, ela deu à luz o filho mais novo e, sem ter com quem deixar a criança, Simone leva o recém-nascido para o galpão todos os dias para conseguir trabalhar. A filha mais velha, de 8 anos, é responsável por cuidar dos dois irmãos mais novos para Simone trabalhar.

“Eu praticamente tive o neném em um dia e estava trabalhando no outro. Como não tenho renda fixa, não pude deixar de trabalhar. Eu cuido de quatro crianças pequenas e pago aluguel, que já está atrasado há quatro meses. O dono pediu para entregar a casa, mas não tenho para onde ir. As contas não param de chegar, não tenho onde deixar o bebê, então eu levo ele comigo”, conta Simone.

O nascimento do filho mais novo pressionou ainda mais o orçamento da família, já que o recém-nascido precisa de um leite específico, pois não aceitou a amamentação materna. “A lata do leite que ele está tomando custa R$ 45. Toda hora preciso parar para cuidar dele e, mesmo trabalhando com toda essa dificuldade, a quantidade de material que a gente separa hoje não dá para nada”, lamenta a catadora.

Em busca de ajuda, Simone está aceitando doações de dinheiro, comida ou de roupas e outros objetos para o recém-nascido. “Também estou precisando de um carrinho de bebê para ficar com ele no galpão, porque eu não tenho e acabo tendo que improvisar um lugar para ele ao meu lado”. Os interessados em ajudar podem fazer contato pelo telefone (32) 98802-8671.

Volume de material recolhido diminuiu 90% na Ascajuf

A Associação Municipal de Catadores de Papel e Materiais Reaproveitáveis de Juiz de Fora (Ascajuf) é outra entidade que vem enfrentando problemas devido à pandemia. A presidente da associação, Maria Oliveira, afirma que, atualmente, o volume de material recolhido representa 10% do que os trabalhadores costumavam recolher antes da pandemia. Nos dois galpões da associação, localizados no Bairro Santa Terezinha e no Centro, trabalham, ao todo, 30 pessoas que dependem do serviço de triagem realizado pela associação, que, devido à interrupção da coleta seletiva do Demlurb no ano passado, contraiu uma dívida de R$ 26 mil.

“Nosso galpão é alugado, e ainda temos que pagar luz, telefone e água. Quando a coleta parou, nós tivemos que sair para a rua e recolher no lixo urbano o material da seletiva. Com isso, precisamos contratar um carreto para levar o material recolhido até o galpão. Eram duas viagens por dia, e nisso, as dívidas só foram aumentando”. Atualmente, mesmo com a retomada do serviço, os trabalhadores da Ascajuf mantiveram o recolhimento dos materiais na rua, com o intuito de aumentar o volume a ser comercializado.

Valorização do catador

Em uma avaliação do cenário, Maria ressaltou à Tribuna a necessidade de as pessoas realizarem a destinação de materiais recicláveis de forma correta para colaborar com os catadores, e afirmou que o diálogo com o Poder Público tem sido de extrema importância para a categoria. “Hoje o Demlurb tem ajudado a gente. O caminhão deles recolhe a coleta que fazemos na rua. Recentemente conseguimos ter uma reunião com eles para passar as nossas dificuldades. Juiz de Fora é um lugar tão grande, com tanta possibilidade de ampliar a coleta seletiva, que o nosso governo tem que se atentar, valorizar o trabalho do catador e entender a importância que ele tem para a cidade”.

‘É como se todo o esforço tivesse ido por água abaixo’

Em fevereiro, a Tribuna publicou matéria em que contava a história de Wirley Pereira, catador de Juiz de Fora que levantou fundos, através de uma vaquinha virtual, para comprar um veículo que o ajudaria na coleta. Neste mês, Wirley e sua família conseguiram os recursos necessários para adquirir o veículo, mas reforça que a situação dos catadores em Juiz de Fora está complicada e que as pessoas precisam ser conscientizadas sobre o trabalho realizado por eles.

Antes da pandemia, Wirley era membro de uma associação de catadores, mas optou por trabalhar de forma independente, juntamente com a esposa, quando o Demlurb interrompeu a coleta seletiva, no ano passado, passando a realizar a retirada nas casas. Mesmo adotando esta outra forma de trabalho, ele afirma que o volume de material diminuiu drasticamente.

Por isso, Wirley defende que seja feito um trabalho de conscientização da população juiz-forana. “Para você colocar na cabeça da pessoa que ela tem que separar o reciclável é muito difícil. Quando ela pega o hábito, fica mais fácil, vira uma rotina. Mas assim que veio a pandemia e a coleta parou, é como se todo o esforço tivesse ido por água abaixo. Para mobilizar a pessoa a voltar a fazer a separação dos materiais, é muito trabalhoso”.
Na opinião dele, é necessário realizar uma mobilização, explicando a importância da reciclagem tanto para a economia como para a sustentabilidade da cidade. “São tantas famílias que tiram da coleta o seu sustento, que ela deveria ser vista como mais que um hábito, e sim uma responsabilidade do cidadão”.

Demlurb diz que pretende ampliar serviço de coleta

Questionada pela Tribuna sobre a reunião com as associações de catadores de Juiz de Fora, a PJF informou que ouviu as demandas dos representantes das associações em um encontro realizado no dia 5 de maio. A pauta foi, principalmente, a questão da diminuição na arrecadação de materiais na coleta seletiva no município. Na tentativa de contribuir para sanar o problema, o Demlurb afirmou que pretende ampliar o serviço de coleta seletiva realizado na cidade, aumentando as rotas atendidas.

O departamento ainda afirmou que irá fornecer auxílio para os responsáveis pelos galpões com intuito de melhorar a estrutura do local, realizando serviços de manutenção, pavimentação e piso. “Também receberão apoio jurídico e de engenharia para regularização de documentos. Esses apoios serão oferecidos pelos profissionais do próprio Demlurb. Haverá contribuição operacional dos serviços de coleta domiciliar e dos ecopontos na separação e recolhimento de materiais recicláveis”, afirmou o Departamento, em nota à Tribuna.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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