Pacientes em tratamento têm direitos trabalhistas e benefícios assistenciais

Para algumas mulheres, enfrentar o tratamento talvez seja a fase mais difícil do câncer. Afinal, encarar a queda dos cabelos, os corpos mutilados por cirurgias nas mamas e os efeitos colaterais da quimioterapia e da radioterapia não é fácil. Para além da vida pessoal, surgem dúvidas em relação às atividades profissionais e à adaptação em relação ao trabalho. O tratamento para a doença pode ser longo, e os médicos recomendam que as pacientes se afastem do emprego por algum tempo para a realização do tratamento. Alguns direitos são garantidos pela legislação às trabalhadoras.

De janeiro a 31 de julho deste ano, 13,7 mil pessoas foram afastadas de seus postos de trabalho depois de diagnosticadas com câncer de mama em todo Brasil. Só em Minas Gerais, foram 1.606, segundo a Secretaria de Previdência e do Trabalho do Ministério da Economia. As estatísticas não se referem apenas a trabalhadores do sexo feminino e englobam homens que também receberam o auxílio-doença em decorrência do câncer de mama. A pasta não possui dados específicos dos municípios. Todavia, de acordo com a Secretaria de Saúde de Juiz de Fora, a cada ano, 300 novos casos de câncer de mama são registrados na cidade.

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O Instituto Nacional do Câncer estima, anualmente, que a doença tenha uma taxa de 29,5% novos casos. A projeção é de 59.700 diagnósticos confirmados este ano, o que pode levar a mais afastamentos. O tratamento é demorado e complexo, e, frequentemente, provoca efeitos colaterais. Existem subtipos de câncer de mama, com perfis moleculares diferentes, e outras inúmeras subdoenças com um prognóstico diferente afetando uma população distinta. “Alguns mais relacionados com herança genética, outros comuns em mulheres mais jovens ou em mulheres mais idosas. Há ainda aqueles com perfis menos agressivos. Não existe uma receita de bolo, e cada paciente tem seu tratamento individualizado. A grande maioria tem remédios oferecidos pelo SUS. Todavia, aqueles fabricados mais recentemente e que têm mostrado respostas significativas ainda não são disponibilizados e ainda aguardam ser englobados para as pacientes da saúde pública”, ressalta a oncologista Tatyene Nehrer.

Segundo ela, são medicamentos de alto valor que não têm equivalente genérico, o que encarece e dificulta a aquisição para as pacientes do SUS. “Temos ainda que levar em consideração outros recursos como de imagem e de melhor tecnologia radioterápica”, pontua a oncologista. “Alguns desses tratamentos não têm cobertura pelo SUS, o que causa impacto na sobrevida e no maior risco de morte. Essa é uma realidade que enfrentamos e esperamos que, nos próximos anos, possa ser revista e que tenhamos a incorporação de novas tecnologias que vão trazer benefícios não só aos pacientes de câncer de mama, mas de outras afecções”.

Já existe uma movimentação da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, da Sociedade Brasileira de Cancerologia e dentro do Ministério da Saúde, a fim de rever essas questões não só do ponto de vista do tratamento sistêmico, mas em relação a melhorias de recursos tecnológicos para cirurgias e técnicas de diagnóstico. O surgimento dos efeitos colaterais advindos do tratamento exige que o paciente se afaste do trabalho, mesmo que, às vezes, ele não queira, para poder se cuidar. A questão financeira para arcar com os custos do tratamento e até mesmo o medo de perder o emprego são situações que enchem de ansiedade a pessoa que recebeu o diagnóstico. A quarta reportagem que integra a série “Existe Esperança!” mostra quais os direitos trabalhistas e benefícios garantidos por lei às vítimas acometidas pela doença.

Normas regulamentam proteção durante o trabalho

Letícia Protta fala sobre os direitos que as pessoas em tratamento de câncer têm direito e muitas vezes não sabem (Foto: Olavo Prazeres)

De acordo com a agente administrativa da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, extinto Ministério do Trabalho em Juiz de Fora, Letícia Protta, existem normas regulamentadoras (NRs) relativas à segurança e à medicina do trabalho, que, obrigatoriamente, devem ser observadas por empresas privadas e públicas com objetivo de apoiar os pacientes de câncer. Entre essas normas, a NR 32 recomenda o afastamento do profissional doente de áreas que tenham radiação ionizante e de setores quimioterápicos. “Geralmente, nesses locais, são mantidos os medicamentos para o tratamento de câncer, o que pode afetar quem está sob tratamento”, explica Letícia. Ela lembra do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, elaborado para proteger os trabalhadores dos riscos da exposição da radiação solar, como aqueles em tratamento do câncer de pele ou de uma consequência do câncer de mama na pele e devem ser retirados desse local. “Muitas vezes o empregado precisa usar protetor solar, uma roupa especial que o proteja do sol ou até um protetor de chumbo”.

Ainda existe o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) que obriga as empresas a verificarem os riscos ambientais existentes no local de trabalho. Uma sala onde há perigo para quem faz tratamento contra o câncer precisa ser sinalizada. “A pessoa doente deve ser impedida de acessar esse local, porque precisa ser protegida de ter outro câncer ou evitar que se agrave o que já está em tratamento”, afirma Letícia, lembrando que esses cuidados são importantes, porque nem todas as pessoas que descobriram o câncer deixam o trabalho. “Algumas querem continuar trabalhando, o que é ideal, uma vez que colabora para que a pessoa não se sinta incapaz e não se entregue às questões relativas à doença”.

Como aponta a agente da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, o PPRA também prevê a presença de diversos agentes químicos provocadores do câncer e faz a indicação de medidas de proteção coletivas ou individuais. “O programa também prevê agentes físicos, como o benzeno, que é altamente cancerígeno. Se a pessoa trabalha em um setor no qual ficará exposta a essas substâncias, ela deve ser remanejada ou adotar procedimentos para evitar o acesso a essas áreas. Caso a empresa não respeite essas determinações, é multada”, enfatiza Letícia.

• Saque do FGTS

Ainda dentro das questões trabalhistas, o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é uma das primeiras medidas que a pessoa pensa quando recebe o diagnóstico. Para tanto, como explica Letícia Protta, o paciente deve procurar a Caixa Econômica Federal e, caso tenha todas as cotas do fundo depositadas, poderá sacá-las, inclusive as referentes ao emprego atual. “É importante que a pessoa apresente um laudo do médico responsável. O paciente tem que estar na fase sintomática da doença, que é o início, e ter efetivado o recolhimento do FGTS”, assinala Letícia, acrescentando que o laudo do médico deve ser detalhado. “Tem que estar especificado que a pessoa tem neoplasia maligna, com a descrição do estado em que se encontra. É bom lembrar que a trabalhadora acometida pela doença, caso seja dependente, o marido também pode fazer o saque”, orienta.

• Retirada do  PIS/Pasep

O Programa Integração Social, benefício conhecido como PIS, e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) também podem ser retirados pelo beneficiário em caso de descoberta do câncer. Como explica Letícia, o PIS deve ser retirado na Caixa Econômica, enquanto o Pasep, no Banco do Brasil. “A diferença é que o PIS é direito do trabalhador regido pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), e o Pasep, destinado a funcionários públicos. É possível retirar todas as cotas existentes, desde que o trabalhador doente tenha sido cadastrado no PIS/Pasep antes de 1988. A retirada desses benefícios também acontece na fase inicial da doença, sendo necessária a apresentação do laudo médico”.

• No âmbito da Previdência

Assim como nas situações trabalhistas, no âmbito da previdência não há normas específicas para o câncer de mama, mas para a patologia de modo geral. De acordo com a agente administrativa da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, Letícia Protta, o que primeiro precisa ser destacado é que, no caso da aposentadoria, ela não acontece de forma automática.”
Quando a pessoa recebe o diagnóstico, primeiro ela irá passar pela perícia e tem que estar na qualidade de segurada, tendo cumprido as carências normais. Todavia, em razão do câncer, a pessoa não precisa ter a carência de 12 meses, como um trabalhador normal, cujo motivo para afastamento não seja o câncer”, salienta Letícia, lembrando que a aposentadoria por invalidez depende da associação com a incapacidade para o trabalho. Já o auxílio-doença é garantido nos casos de incapacidade temporária.

• Benefício de prestação continuada

O benefício de prestação continuada mais conhecido é a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas ), que garante um salário mínimo mensal à pessoa idosa com mais de 65 anos de idade que não exerça atividade remunerada e que está incapaz para o trabalho. No caso do câncer, a pessoa pode dispor desde benefício desde que haja comprovação com laudo médico, constatando que o beneficiário está incapaz para exercer qualquer atividade laborativa. “Há critérios para o acesso a esse benefício, como a renda familiar do domicílio, que deve ser um quarto do salário mínimo, e a casa deve ser coabitada por cônjuge, companheiro ou companheira, pais, filhos, irmãos menores de idade ou irmãos não emancipados com menos de 21 anos. Nos casos avançados do câncer, se o paciente sofre de sequelas irreversíveis de tratamento oncológico, pode recorrer ao benefício desde que haja uma implicação do seu estado de saúde, mostrando sua incapacidade para o trabalho e nos demais atos da vida independente. Neste caso, os critérios são mais flexíveis”, orienta.

• Isenção de Imposto de Renda

A pessoa com câncer tem direito à isenção de imposto de renda. De acordo com a Lei 7.713/1988, os pacientes estão isentos do imposto relativo aos rendimentos de aposentadoria, reforma e pensão, inclusive as complementações recebidas de entidade privada e à pensão alimentícia. Para solicitar isenção, o beneficiário deve procurar o órgão pagador da sua aposentadoria (INSS, Prefeitura, Estado etc.). A doença deverá ser comprovada por meio de laudo médico. O laudo pericial deve ser emitido por serviço médico oficial da própria fonte pagadora, pois, assim, o imposto já deixa de ser retido na fonte, conforme a Lei 9.250/1995.

• Direito à quitação  casa própria

Não é automático, mas a pessoa com invalidez total e permanente decretada causada por acidente ou doença possui direito à quitação da casa própria, caso exista essa cláusula no contrato da compra do imóvel. “Nos atuais contratos da Caixa, já existe essa cláusula. Tem pessoas que o câncer de mama, por exemplo, evolui para um câncer metastático, e ela tem outras doenças pulmonares, ósseas ou do cérebro que a tornam incapaz”, observa Letícia.

• Isenção de IPVA  e desconto na  compra de veículo

A pessoa acometida pelo câncer tem direito a 30% de desconto na compra de veículo e isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Segundo Letícia Protta, o veículo pode ser adquirido com isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e, inclusive, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “Porém, o automóvel deve ser de passageiro ou veículo de uso misto e de fabricação nacional movido a combustível de origem renovável. Além disso, precisa apresentar características especiais, pois, se a pessoa tem uma metástase óssea, por exemplo, o veículo dela tem que ter adaptações como direção hidráulica e câmbio automático ou hidramático. Todos os casos são estudados e há necessidade de apresentação de laudo”, afirma.  Já quanto ao IPVA, os benefícios dependem da legislação de cada localidade. Atualmente, os estados que possuem essa regulamentação são Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. A isenção do IPVA é concedida simultaneamente à do ICMS.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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