Em visita à área, deputados verificam que atividade vai prolongar região devastada, com possíveis efeitos irreversíveis.
Em pé, em cima de um dos morros da Serra do Curral, era possível ver a Mineradora Pau Branco (Empabra) logo antes dos contornos dos prédios da Capital mineira. Com apenas um giro e já se via, do outro lado, a área que a empresa Tamisa pretende minerar. Em visita técnica realizada pela Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), os deputados puderam entender de forma mais clara os efeitos que o novo empreendimento pode ter na região.
Guiados pelo presidente da Fundação Municipal de Parques e Zoobotânica de Belo Horizonte, Sérgio Augusto Domingues, os parlamentares observaram que o novo empreendimento, que recentemente conseguiu o licenciamento para iniciar as atividades, vai prolongar uma área já devastada pela mineração.
“O local onde a Tamisa pretende minerar é hoje o único corredor ecológico do Parque Municipal das Mangabeiras”, explicou Sérgio Augusto Domingues.
O fim desse corredor ecológico pode levar ao isolamento genético da fauna local e, assim, torná-la mais vulnerável a doenças e a efeitos negativos do clima, como explicou o presidente da Fundação Municipal de Parques. Ele ressaltou que as consequências negativas do empreendimento serão cumulativas com os impactos da mineração já realizada no local, o que aumenta os riscos ecológicos e socioeconômicos.
O professor de medicina da UFMG e fundador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer Lisboa, mostrou também como a área, que conforma um vale, é importante para a segurança hídrica de toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Segundo ele, o minério que se pretende retirar é essencial para garantir a filtragem e o acúmulo de água no lençol freático que vai, mais adiante, abastecer toda a Bacia do Rio das Velhas.
Ao longo do trajeto percorrido, os parlamentares viram, também, grandes barrancos que se descolaram da serra e que demonstram como o tipo de solo da região é vulnerável à erosão.
Segundo o ex-superintendente do Ibama Júlio Grillo, os escorregamentos são inevitáveis quando a mineração é feita nesse solo e, assim, ele classificou como “falácia” os estudos que garantem que o Pico Belo Horizonte, símbolo da Capital, não será atingido pela mineração a menos de 200 metros de distância.
Exploração iniciada na década de 1970 gera danos até hoje
Em um dos pontos observados durante a visita, um desmoronamento provocado pela mineradora Pau Branco atingiu a área, que deveria estar protegida, do Parque Estadual da Baleia. Em outro, uma queda de barranco já inicia a destruição na área atualmente de propriedade da Tamisa, que é alvo do licenciamento agora em discussão. O empreendimento que gerou esses problemas é resultado de uma escavação minerária iniciada na década de 1970.
No início dos anos 2000, a Empabra entrou com um pedido de licenciamento para executar um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), e a autorização foi concedida primeiro pela gestão municipal de Belo Horizonte e depois pelo governo estadual mineiro. O projeto aprovado previa uma breve exploração mineral seguida de recuperação da área, como explicou Jeanina Oliveira, do coletivo Mexeu com a Serra, Mexeu Comigo.
Atualmente interditado judicialmente por se ter verificado fraude documental no licenciamento, como explicou Jeanina Oliveira, o empreendimento só executou a mineração prevista no plano e não a recuperação, o que pode ser facilmente verificado na caminhada pela região.
Sérgio Augusto Domingues, da Fundação Municipal de Parques, evidenciou, ainda, que a cada ano sem que a recuperação aconteça o problema se aprofunda, já que novas chuvas trazem erosões que avançam inclusive para as áreas protegidas.
Essa situação facilitaria, ainda, a expansão de plantas invasoras, como o capim, que acabam se alastrando nos dois parques adjacentes, o Parque Estadual da Baleia e o Parque Municipal das Mangabeiras, criando um terreno favorável para incêndios.
Sobre a recuperação, o especialista fez questão de ressaltar que, mesmo que seja feita, ela tem alcance limitado, já que não é possível recompor o ecossistema ao seu patamar original.
Por isso, os presentes destacaram os riscos de se acumular os efeitos negativos, e talvez irreversíveis, de um problema iniciado na década de 1970 e ainda sem solução com as consequências de uma nova mineração no território adjacente.
Proteção da Serra do Curral deve continuar na pauta
Autora do requerimento que deu origem à visita, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) chamou de “impactante” o trajeto percorrido. “Como vamos começar uma mineração ao lado de outra mineração que já causou tantos problemas que seguem sem solução?”, questionou. Ela afirmou que as atividades da comissão, que pretendem demonstrar a inviabilidade técnica e legal da mineração da Serra do Curral, terão continuidade nas próximas semanas.
A parlamentar também criticou a postura da Federação das Indústrias Mineiras (Fiemg), que entregou a todos os parlamentares sua agenda estratégica para os próximos anos. Entre as prioridades da agenda, segundo Beatriz Cerqueira, está a reprovação de todos os projetos de proteção ambientais e históricos de regiões como a Serra do Curral, Serra do Caraça, Serra do Rola Moça, Serra da Moeda e Serra do Brigadeiro.
Nesse cenário, Beatriz Cerqueira defende a rápida aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 67/21, que pretende tombar a Serra do Curral como patrimônio de Minas Gerais.
Ela lembrou também que já foi aprovado pela Comissão de Administração Pública um ofício pedindo que o governo estadual anule a licença da mineradora Tamisa na região. Por fim, a parlamentar salientou que já foi protocolado recurso junto ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) para que o processo de licenciamento seja revisto.
Representantes da Câmara dos Deputados também estiveram presentes. O deputado federal Rogério Correia (PT) afirmou que já foram protocolados pedidos também nos órgãos ambientais federais para que o empreendimento seja barrado.
Já a deputada federal Áurea Carolina (Psol) disse que é preciso rever toda a legislação minerária brasileira e encorajou os presentes a pressionarem o Senado a aprovar, por exemplo, a Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens, já votado na Câmara.
CONTRAPONTO
O deputado Bartô (PL) também acompanhou a visita e disse que a exploração minerária é hoje essencial para a humanidade, mas ninguém deseja ter uma mineradora “no quintal de casa”. Assim, ele falou que é preciso debater mais a questão. O parlamentar disse ainda que defende uma CPI sobre a mineração em Minas Gerais e a punição daqueles que praticam a atividade de forma irresponsável.