Mães compartilham experiências de acompanhamento do ensino remoto com os filhos

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou o estado de contaminação causada pelo Sars-Cov-2 para pandemia, depois que o vírus tinha se espalhado por todo o globo. A desenvolvedora de softwares Julyana Villela de Souza não imaginava que o período pandêmico seria tão alongado. Depois dos primeiros quinze dias de suspensão de aulas na escola privada em que o filho dela, Marcelo, de 8 anos, estudava, as primeiras atividades adaptadas para o ensino remoto começaram a chegar. Com as lições escolares, também chegou a necessidade de readaptação de toda a rotina da criança e da vida da mãe.

“Como trabalho por conta própria e em casa, tenho maior facilidade de estar com ele. Mas, ao mesmo tempo, ficou mais difícil trabalhar em casa, com ele fazendo aula do meu lado. Meu filho não é 100% autônomo para assistir aulas sozinho. Ele acaba pedindo a mim para tirar dúvidas”, conta Julyana. Ela diz que consegue ‘apagar alguns incêndios’ enquanto as aulas acontecem, mas só passou a conseguir trabalhar à noite. Fica atenta às demandas de seus cliente, mas ouvindo com atenção às explicações dos professores, para poder ajudar Marcelo a fazer as tarefas.

A advogada e comerciante Iolanda Fiorillo precisou mudar o horário em que trabalhava na loja para acompanhar as atividades escolares da filha Diovanna, de 14 anos. Para ela, foi um momento importante ter essa proximidade maior em casa, porque a maior parte do tempo da formação da adolescente acontecia na escola municipal na qual ela estuda. “Agora a gente acompanha o dia a dia dela. Vê ela aprendendo cada coisa e isso é gratificante. Tive a oportunidade de vibrar, de vê-la desabrochar.”

Iolanda mudou os horários de trabalho para acompanhar as atividades escolares da filha e garante que está aprendendo com ela (Foto: Arquivo Pessoal)

A experiência, segundo Iolanda, também contribuiu com novos conhecimentos. “Tive que aprender a lidar de maneira mais profunda com as redes sociais. Antes o contato era mais leve. Além de vê-la crescendo, estou aprendendo também”, relata Iolanda. Ela ressalta a relevância dos professores e da professora de apoio, que fornecem todo o suporte necessário. “Sozinha eu não conseguiria. No ensino remoto, a ajuda é mútua. Mesmo no período em que a Prefeitura ainda não tinha começado a oferecer o material, eu já inventava algumas atividades para ela, para que não ficasse parada.”

A também advogada Cristiane Mara Teixeira da Silva tem três filhos no ensino remoto – os gêmeos Manoel e Augusto, de nove anos, e Clarisse, a caçula, de seis – e e conta que a experiência foi vivida em fases, do choque inicial com a responsabilidade até o reconhecimento do resultado dos esforços, traduzidos em cadernos repletos de atividade e o acompanhamento do processo de alfabetização de Clarisse.

Para Cristiane, a ponto crucial do processo foi organizar o cotidiano com o que é possível. Fazer as crianças desenvolverem um senso de responsabilidade e, ao mesmo tempo, dar o apoio que elas demandam. “É um grande desafio cumprir essa rotina. Sabemos que é maçante, porque ela está condicionada ao mesmo local. Eles estão no mesmo ambiente ao acordar, ao se arrumar, na hora de comer e estudar. Incentivamos essa rotina, mas se o almoço não sai antes da aula, vamos ter calma, no intervalo almoçamos.”

Cristiane preocupa-se em estimular o senso de responsabilidade e, ao mesmo tempo, apoiar os três filhos (Foto: Arquivo Pessoal)

Dificuldade para conciliar tudo

“O acúmulo de tarefas é algo já conhecido pelas mães, numa sociedade que ainda entende equivocadamente que cuidado com as crianças é algo da natureza feminina”, afirma a coordenadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário Estácio Juiz de Fora, Adriana Woichinevski Viscardi. Mas há um agravamento do quadro com a pandemia, já que o isolamento aumenta o tempo de convivência e tira espaço para o exercício de outras atividades, de modo que acumulou-se a tarefa de professora e recreadora em tempo integral. Além disso, também ocorre que, com o trabalho remoto sem horários bem definidos, fica mais difícil conciliar tudo. Ela destaca, nesse sentido, a relevância das parcerias, sem as quais pode ser muito difícil seguir sem problemas maiores.

A relação mãe-filhos, segundo Adriana, tem realidades diversas e incomparáveis. Há, segundo ela, questões contextuais muito impactantes, que são intensificadas pelo período pandêmico, como a realidade econômica da família, o emprego; a relação do casal; a divisão de tarefas entre pai e mãe; acesso à tecnologia para trabalhar e estudar, entre outros.

“O amor entre mães e filhos é o mesmo de sempre, a vontade de acertar é a mesma de sempre, e o prazer de poder estar perto das crianças e vê-las crescer é algo inédito para muitos pais e mães”, diz Adriana, que também é mãe de duas crianças que estão no ensino remoto e, além de psicóloga, também é professora universitária e vivencia essa realidade.

Desafios

Julyana diz que um dos principais desafios é a diferença das aulas presenciais. Por mais que o professor se esforce, segundo ela, o contato direto, se não inclui interações que chamem a atenção das crianças, facilita a dispersão. Afinal, em casa há outras coisas acontecendo simultaneamente, como o barulho dos eletroeletrônicos, as reações dos animais de estimação, entre outros estímulos que acabam tirando a concentração. Ela reconhece os esforços da escola e elogia, inclusive, a decisão de redução da carga horária, porque sabe que muitas crianças não conseguem fixar a atenção nas telas por longos períodos de tempo.

“A vida de mãe é doação. Tive que aprender a viver com menos recursos, financeiramente falando, para dar conta de fazer tudo e apoiar o meu filho com a escola. Eu tenho que fazer, porque, se não fizer, quando voltar, as dificuldades serão ainda maiores,” explica. Atenta ao filho, ela diz que ele ficou mais agarrado com ela do que já era. Julyana identifica a falta que as outras relações fazem. “Torço para que o retorno presencial possa ocorrer logo. As interações fazem falta, meu filho mudou de escola e ainda não conhece a professora pessoalmente”, relata.

Julyana concilia o trabalho em home office e o suporte oferecido ao filho durante as aulas remotas (Foto: Arquivo Pessoal)

Iolanda explica que é desafiador conseguir ter tempo para tudo. Além de acompanhar a rotina escolar de Diovanna e trabalhar, ela também cuida da mãe, de 95 anos. O que exigiu um período de adaptação, mas agora já funciona bem, segundo ela.

Cristiane reconhece o privilégio que tem por poder oferecer o ensino privado aos filhos, que não tiveram interrupções nas atividades. Além da rotina, como também continuou trabalhando, ficava preocupada nos momentos em que precisava se ausentar da residência. “Sair é ficar com o coração na mão de não saber se eles iam dar conta sozinhos. Mas tenho consciência de que a grande maioria das mães não teve essa oportunidade de estar pertinho no ambiente de estudo, que é uma experiência que nunca tive antes, com tudo o que tem de bom e de ruim.”

‘A criança não está na escola, ela está em casa’

Antes, estar em casa por tempo alongado era sinônimo de férias. Agora, nessa nova realidade, Adriana ressalta que é preciso lançar outro olhar para as crianças. “Para muitas delas o isolamento tem representado uma oportunidade inédita de ficar perto dos pais, apesar de toda a confusão, e eu acho que aqui reside uma oportunidade, se a gente conseguir entrar um pouco no mundo deles, ao invés de tentar encaixá-los no exigente, regulamentado e cronometrado mundo adulto.” Ela também aconselha a trocar o relógio por ritmo, de modo a proteger a casa e a família da invasão da escola e do trabalho.

“Os pais não são professores, e isto ficou muito claro agora – e nem têm que ser. Esta culpa de não ser um bom professor para seus filhos pode ser superada.” A psicóloga destaca que “a criança não está na escola, ela está em casa. Em casa, ela não é aluna, ela é filha. E não tem professor, tem pai e mãe, com o amor de sempre, com a vontade de acertar de sempre.” Isso, inclusive, se consolida uma forma de ampliar a compreensão sobre a educação, que vai muito além de transmissão de conteúdos.

Adriana reforça que, além de aprender juntos com a situação, os pais devem buscar dar mais autonomia aos filhos, reforçando as habilidades e as competências deles, sem que a atividade represente um estresse para o adulto e uma experiência ruim para a autoestima da criança.

Ganhos em meio à adversidade

As mães dividem a percepção de como os filhos conseguiram encontrar meios de desenvolver suas habilidades, mesmo em um momento permeado por adversidades. Julyana conta que Marcelo tem um intervalo de dez minutos, período em que as crianças podem interagir. Ela comenta que o filho conseguiu fazer novos amigos, depois de mudar de escola, em meio a pandemia. “Ele ficou bem feliz, agora tem três ou quatro amigos, formaram um grupo e ele conseguiu se ambientar bem.”

Iolanda diz que apesar de desafiador, tem sido gratificante acompanhar e participar desse momento. “Aprender é difícil. Vamos vencendo as dificuldades e subindo degrau por degrau. Estou vendo Diovanna florescendo, subindo essa escada e isso é muito bonito.”

Cristiane relata que passou a se cobrar menos, porque não é possível dar conta de tudo. “Vamos ter calma. Fazemos o que é possível com muito amor e carinho, nos desculpando.” No último ano, ela acompanhou a alfabetização da filha por meio do ambiente virtual. “É emocionante. Está lendo que é uma gracinha! Me escreve mil e um bilhetes. É muito gratificante, ver de pertinho.”

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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