O risco de faltar medicamentos do chamado “kit intubação” para o socorro a casos graves de Covid-19 já é real em pelo menos 292 das 853 cidades de Minas Gerais, segundo consulta realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) entre os dias 23 e 25 de março.
O número pode ser maior, tendo em vista que apenas 462 prefeituras participaram do levantamento no Estado – a entidade não revela quais. De acordo com o relatório, há pelo menos 1.316 cidades nesta preocupante situação em todo o Brasil. “Sem uma ação de socorro, 50,4% dos pesquisados não conseguirão manter os atendimentos aos pacientes em estado grave”, conclui a CNM.
Em Minas Gerais, a pesquisa indicou ainda que 134 prefeituras admitem o risco de ficarem sem oxigênio hospitalar nos próximos dias. Em 90 cidades, os gestores informaram não haver contratos vigentes para o fornecimento do insumo em quantidade suficiente para suprir o ritmo atual da demanda. Mais de oito em cada dez municípios informaram não ter recebido oxigênio enviado pelo governo do Estado.
Ainda entre os prefeitos participantes do levantamento em Minas, 300 disseram ter adotado o fechamento de atividades não essenciais, 446 impuseram toque de recolher noturno e 403 determinaram restrições de mobilidade aos fins de semana. Por fim, 221 diminuíram a circulação de ônibus, 447 suspenderam as aulas presenciais e 33 anteciparam feriados municipais.
Governo federal foi alertado há semanas
Para o presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM), Julvan Lacerda, a situação é preocupante, já que a demanda pelos remédios cresceu até 500%. “Não tem mais esses medicamentos disponíveis no mercado. Além de faltar leito, não vai ter mais tratamento”, alegou.
O kit intubação é composto por dois medicamentos simples: são sedativos e relaxantes musculares. Conforme Julvan, a entidade vem alertando o Ministério da Saúde sobre o esgotamento dos estoques há semanas, mas até hoje não teve nenhum retorno. “Estou começando a ficar assustado com o cenário que está se desenhando. Até então, esse era um problema de um lugar ou outro, mas só aumenta”, disse.
Como exemplo, o dirigente citou o panorama do município de Lagoa da Prata, na região Centro-Oeste, que atende diversas outras cidades do entorno. “É a referência e no início desta semana a prefeitura emitiu um documento informando que só tinha o kit para mais três dias. Depois, conseguiu um pouco, só que o negócio está complicado”, declarou. Julvan lembra ainda que há 20 dias a região recebia pacientes de outras partes do estado por conta da disponibilidade de leitos.
“A nossa região tem uma excelente estrutura hospitalar e antes conseguia socorrer pessoas de outras áreas. Só que agora, estamos com 150 pessoas na fila de espera. Só de UTI, são 80 pacientes aguardando um leito. É muito sério o que está acontecendo”, frisou. O ex-prefeito de Moema disse que o quadro é reflexo da falta de coordenação nacional em meio à pandemia. “Temos um SUS e precisamos de um comando operacional centralizado. Enquanto os municípios estão com comitês de enfrentamento há um ano, a União só fez isso agora para começar uma estratégia. Estamos gritando por socorro faz tempo”, disse.
Risco de mais óbitos
O infectologista e membro do comitê de enfrentamento à Covid-19 em Belo Horizonte, Unaí Tupinambás, disse que a falta do insumo pode aumentar ainda mais os índices de mortalidade nos leitos de UTI. “Se faltar, o tratamento vai ser inadequado e a ventilação mecânica fica muito prejudicada. É preciso relaxar o músculo e dar a sedação, caso contrário o aparelho não funciona e vai ser uma coisa catastrófica para o paciente”,
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Demanda nas alturas
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde informou que o consumo dos medicamentos chegou a registrar uma alta de 229,24%. De acordo com a pasta, são realizados levantamentos periódicos do estoque e há um planejamento extraordinário para a aquisição de itens de uso hospitalar de terapia intensiva. “Para os próximos dias está previsto, por parte do Ministério da Saúde, o abastecimento destes insumos para os estados que se encontram em situação de stress”, declarou.
Já o Ministério da Saúde declarou que enviou uma comitiva técnica para “conciliar a equalização dos estoques nacionais” e os executivos se reuniram com três fabricantes. Só nesta sexta, teriam sido enviadas mais de 129.000 ampolas de medicamentos para intubação e a previsão é que sejam entregues em todo o Brasil em até 72h após o faturamento ao longo dos próximos sete dias. Nesta semana, a pasta enfatizou que já iniciou a distribuição de 2,8 milhões de unidades dos remédios.
Brasil
Em todo o país, metade dos municípios que responderam à pesquisa indicou risco iminente de os hospitais locais ficarem sem medicamentos do kit intubação nesta semana.
Segundo a CNM, os dados demonstram que “há grande preocupação dos gestores para atender aos pacientes internados com Covid-19”. Medicamentos como analgésicos e bloqueadores neuromusculares estão em falta em todo o país, o que compromete o atendimento de pacientes já internados.
O Fórum Nacional de Governadores já havia alertado para o risco de “um colapso dentro do colapso” pela falta desses medicamentos De acordo com documento do fórum, 18 Estados relatam a escassez, por exemplo, de bloqueadores neuromusculares, usados para a intubação de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
Na sexta-feira passada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou medidas para evitar o desabastecimento de medicamentos. Uma delas simplifica os processos de importação de dispositivos médicos e de medicamentos prioritários para o uso em serviços de saúde, mesmo que não regularizados no país, em caráter excepcional e temporário por órgãos e entidades públicas e privadas.
Nesta quinta-feira (25), a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) também alertou para o risco de que a falta de remédios impeça o atendimento de pacientes. Segundo a Anahp, os medicamentos para intubação podiam faltar em um prazo de três a quatro dias.
A pesquisa da CNM investigou ainda a falta de oxigênio nos municípios, outro problema diante do aumento da demanda, relatado principalmente por unidades de saúde de menor porte. A maioria dos municípios consultados em todo o país (1.805) afirmou não haver risco de faltar de oxigênio no hospital ou centro voltado para a Covid nesta semana. Já 709 cidades informaram que esse risco existe. Oito em cada dez municípios ouvidos pelo levantamento afirmaram que não receberam oxigênio enviado pelos Estados.
Apesar das dificuldades de atendimento dos pacientes, a minoria dos municípios (37,6%) pesquisados estão realizando lockdown (caracterizado como fechamento total das atividades não essenciais), enquanto 61,1% afirmaram que ainda não tomaram esta atitude. Sem fechar o comércio, as prefeituras estão restringindo a circulação de pessoas à noite. Oito em cada dez prefeituras estão com essa medida em vigor nesta semana e maioria (84%) paralisou as aulas presenciais.
Fonte: O tempo
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