Juiz-foranos desrespeitam decreto e circulam por JF sem máscaras

Cerca de sete meses após a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) decretar a obrigatoriedade de uso de máscaras na cidade, os juiz-foranos parecem estar relaxando com a medida, uma das principais formas de evitar a transmissão do coronavírus. Tanto nas ruas centrais como nos bairros, é comum encontrar pessoas sem o equipamento de proteção, ou mesmo utilizando-o de maneira incorreta, com o nariz e a boca expostos. Na última semana, a Tribuna circulou por diversas regiões da cidade para verificar como está o uso de máscaras e ouviu especialistas, que apontam que a utilização do equipamento é um “compromisso social”, para proteção própria e de outras pessoas.

Desde o início da pandemia, a equipe da Tribuna flagra pessoas sem máscara transitando pela cidade. Ultimamente, no entanto, a situação tem sido mais comum. Relatos de leitores confirmam o que foi verificado pelo jornal, e também dão conta de que em alguns estabelecimentos comerciais não há cobrança quanto ao uso do equipamento, o que é grave, já que esses são locais fechados. Além disso, não há orientações sobre o distanciamento físico de pessoas nas filas.

Conforme autoridades de saúde, o risco também é grande em locais onde há maior circulação de pessoas, mesmo que a céu aberto. É o caso do Calçadão da Rua Halfeld, por exemplo, onde há um fluxo grande de pessoas diariamente. Fora da região central, no entanto, também há riscos. Na última quinta-feira (5), a reportagem esteve em Benfica, na Zona Norte, e o cenário encontrado não foi diferente. Na Rua Martins Barbosa, uma das principais do bairro, diversas pessoas foram vistas circulando sem máscaras. Em alguns casos, elas colocavam o equipamento apenas ao entrar em algum estabelecimento comercial.

Este comportamento também é observado por aqueles que buscam adotar a medida de proteção frequentemente e de forma correta. “Eu não saio sem máscara, até quando vou para a rua, mas muita gente não usa”, contou a dona de casa Luiza Oliveira, moradora do Bairro Igrejinha, Zona Norte, enquanto aguardava um ônibus em Benfica.

Na esquina da Rua Paulo Garcia e Martins Barbosa, em Benfica, pessoas que aguardavam para entrar em banco não respeitavam distanciamento físico (Foto: Leticya Bernadete)

O metalúrgico José Ornelas, morador de Nova Benfica, também não fica sem a proteção e demonstra preocupação quanto ao descuido por parte de outras pessoas. “O pessoal está relaxando. Eles acham que tem aquela tranquilidade, acham que isso é normal e passageiro. Não é, está fixo. A gente não vê a cor e não sabe nada sobre o vírus. Tem que usar a máscara para proteger a gente e proteger a outra pessoa.”

Transporte coletivo

A Rua Martins Barbosa, em Benfica, também conta com pontos de ônibus em toda sua extensão, o que traz uma concentração natural de pessoas. Mesmo com a aglomeração, muitos cidadãos continuam usando a máscara de forma errada. Muitos deixam o equipamento no queixo ou a seguram nas mãos enquanto aguardam o coletivo. Em outros momentos, a reportagem também flagrou usuários de ônibus sem máscaras.

Enquanto a reportagem estava no local, dois passageiros entraram no veículo sem proteção e não foram impedidos de realizar a viagem. Além disso, nos ônibus, também é comum flagrar pessoas que retiram o equipamento enquanto estão no interior do veículo. Em horários de pico, com os coletivos lotados, este comportamento pode trazer riscos aos demais passageiros.

Conforme o decreto municipal 13.929, “no transporte de passageiros coletivo ou individual, o motorista não poderá permitir a entrada de pessoa física sem o uso da máscara […] sob pena de incorrer nas sanções previstas”.

20 pessoas notificadas desde março

O decreto 13.929, publicado em 17 de abril de 2020 e ainda em vigência, prevê que o uso das máscaras deve ser feito pelas pessoas ao transitarem em espaços públicos, bem como ruas, praças, estabelecimentos públicos e privados. O cidadão que descumprir a medida está sujeito a sanções e multas. No caso dos estabelecimentos comerciais, não deve-se realizar atendimento a clientes que não estejam utilizando a proteção.

Desde março, a Secretaria de Meio Ambiente e Ordenamento Urbano notificou 20 pedestres pela não utilização das máscaras. Em nota, a Prefeitura de Juiz de Fora explicou que está “focando suas ações principalmente na conscientização da população a respeito da importância do uso de máscaras’”. Como destacado pela Administração municipal, campanhas já foram realizadas no Centro e nos bairros. Nestas ocasiões, houve a distribuição gratuita do equipamento à população, inclusive entre as pessoas em situação de rua. “Novas operações educativas estão em análise para serem realizadas ainda este ano”, afirma a PJF.

A Guarda Municipal também atua na fiscalização do uso de máscaras, de forma “preventiva e educativa”. A repartição destacou a realização de ações como “Da Vida, Pela Vida”, realizada em bairros da cidade com o intuito de orientar sobre os comportamentos seguros em relação à pandemia. “Em alguns momentos, a Guarda chegou até a oferecer a proteção para quem estava sem o acessório em via pública, reforçando as medidas preventivas, antes de qualquer coerção”, explica.

‘Pacto com o outro’

Durante a pandemia de um vírus cuja transmissão é eminentemente respiratória, a utilização de máscaras se torna um dos “pilares” para o controle da propagação, de acordo com o infectologista e chefe do setor de Gestão da Qualidade e Vigilância em Saúde do Hospital Universitário da UFJF, Rodrigo Daniel de Souza. “À medida em que as pessoas vão banalizando o seu uso ou não a utilizam, só aumenta o risco de elas pegarem e também transmitirem a doença, mesmo que ainda não saibam que estejam doentes”, explica. “A pessoa tem um compromisso social, um pacto com o outro. Não é uma medida só para se proteger. Ela também tem que tomar a medida para proteger o outro”

O seu uso se torna necessário não só por haver pessoas assintomáticas, mas porque, antes mesmo de apresentar sintomas, há transmissão. Neste momento, quem foi contaminado é considerado pré-sintomático, mas a carga viral já é alta, o que aumenta os riscos de propagação. “O problema é que, das pessoas que estão na rua, nós não sabemos quem vai ficar sintomático nos próximos dias”, diz o infectologista. “Não dá para saber se daqui a três ou quatro dias nós vamos começar a ter tosse e febre. Daí a importância de que todos utilizem a máscara o tempo todo.”

A utilização da proteção é recomendada para todas as pessoas, inclusive aquelas que já foram diagnosticadas com Covid-19 e se curaram. Isto porque ainda não há evidências concretas sobre possíveis reinfecções. “Apesar de não estar claramente definido, a recomendação é que, por enquanto, até que saia uma resposta mais concreta, é que ela mantenha a utilização de máscaras”, diz Rodrigo Daniel.

Redução de alergias

Para além da proteção contra a Covid-19, a utilização de máscaras pode contribuir para barrar outras patologias. Ao contrário do que muitos acreditam, o equipamento não favorece o surgimento de outras infecções respiratórias, segundo o infectologista Rodrigo Daniel. Pelo contrário, contribui para sua redução, como por exemplo no caso de rinites. “As pessoas que têm crise [alérgica] tiveram menos crises porque se expõem também a menos poeira, menos ácaro. Então as máscaras também ajudam contra tudo que vai no ar e pode irritar.”

Conforme o especialista, entre os argumentos de pessoas que não utilizam máscara está que a mesma dificulta a expelir o gás carbônico, mas não há comprovação de que isso, de fato, atrapalhe. “Estudos mostraram que a quantidade de gás carbônico que é retido ali e que a pessoa inspira não tem importância nenhuma, mesmo para prática de esportes”, explica Rodrigo. Como exemplo, o médico cita o jogador de vôlei Lucão, do Taubaté (SP), que chamou a atenção recentemente por usar a proteção durante os treinos e partidas. “A utilização das máscaras traz só um desconforto apenas no momento de utilização, ou uma queda pequena do rendimento, mas não vai fazer a pessoa ficar doente e desenvolver uma doença do pulmão só por causa disso.”

Pesquisa multinacional avalia prática

Uma pesquisa multinacional, liderada pela Universidade Politécnica de Hong Kong, busca compreender a prática do uso de máscaras entre o público em geral durante a pandemia da Covid-19. Além do Brasil e Hong Kong, a investigação inclui a China Continental e Macau, Reino Unido, Coreia do Sul, Filipinas, Turquia e Estados Unidos. A partir de um questionário on-line respondido por pessoas desses lugares, o estudo irá analisar a utilização do equipamento como uma das medidas para evitar a Covid-19.

O levantamento foi dividido em três escalas. A primeira delas busca analisar a prática do uso em diferentes ambientes (público, domiciliar e hospitalar), a partir da percepção de proteção. Já a segunda identifica os motivos, a partir de modelos de crenças em saúde. Por último, a terceira escala tenta identificar sintomas de depressão que podem se associar ao uso do equipamento de proteção. A pesquisa também buscou observar os principais tipos de máscaras utilizados, bem como seu manejo.

“Nós não temos estudos no Brasil e no mundo sobre o uso de máscaras durante a pandemia, e não se tinha, até o desenvolvimento desse estudo, uma investigação mais profunda sobre o uso de máscara para autoproteção e para proteção do outro também”, explica a coordenadora do estudo no Brasil e professora do Departamento de Enfermagem do polo de Rio das Ostras da Universidade Federal Fluminense (UFF), Fernanda Pereira Ávila.
Atualmente, os pesquisadores estão processando os dados levantados desde março deste ano. “Temos um banco de dados bem grande porque tivemos uma participação muito expressiva”, conta. “Além do público em geral, responderam nossa pesquisa, também, profissionais de saúde, principalmente de enfermagem. Tivemos uma boa aceitação por parte desses profissionais”.

Resultados preliminares

Parte dos dados levantados pela pesquisa foram publicados na Revista Latino-Americana de Enfermagem, sobre os fatores associados à utilização e reutilização de máscaras entre brasileiros. Entre os pontos destacados pelos pesquisadores está que as máscaras de tecido são as mais utilizadas entre os participantes do levantamento, e as mesmas exigem a lavagem após a utilização. “Não foi investigado neste estudo quando o indivíduo considera ser necessário submetê-las à limpeza, mas ficou evidente que boa parte dos participantes reutiliza-as, pelo menos, cinco vezes”, apontam os pesquisadores.

Além disso, entrevistados relataram reutilizar, inclusive, máscaras cirúrgicas, algo considerado como uma “prática de risco”. “Essas máscaras são descartáveis e não devem ser limpas ou desinfetadas para utilização posterior, pois quando úmidas perdem a capacidade de filtração”, explica o artigo. Sobre estes comportamentos, os pesquisadores reforçam a necessidade de investimentos em diretrizes, políticas públicas e estratégias educativas para o desenvolvimento de práticas de proteção assertivas durante a pandemia da Covid-19.

Usar máscara no queixo, com o nariz e a boca descobertos, e tocar a frente do equipamento com as mãos sujas são erros que expõem pessoas ao risco de contaminação (Foto: Leticya Bernadete)

‘A pandemia não acabou’

De acordo com a professora da UFF, Fernanda Pereira Ávila, o uso de máscara pelos brasileiros é algo novo, diferentemente de outros países, como os orientais, que mantêm a prática por conta de outras síndromes respiratórias. “O Brasil está vivendo uma mudança de atitude, cultura e de hábitos por uma situação que jamais imaginou e por algo muito novo. A realização dessa pesquisa em âmbito brasileiro tem um benefício de auxiliar a sociedade”, destaca. “Temos pesquisas de universidades públicas de qualidade que vão devolver, à população, a produção de conhecimento científico de alto nível, que possa nortear e permear a atenção de políticas públicas para estudos e orientações futuras.”

Como lembrado pela professora, apesar de importante, apenas o uso de máscaras não garante total proteção quanto à contaminação pelo coronavírus. Essa prática deve vir acompanhada de outras, como higienização das mãos e distanciamento social. “A pandemia não acabou. Isso precisa ficar muito claro. Os números estagnaram em alguns lugares, em outros tivemos uma diminuição, mas a pandemia está aí, o vírus está aí”, ressalta. “O isolamento social, agora com a retomada, não é mais uma coisa que as pessoas vão conseguir fazer, então manter o distanciamento físico também é importante”, afirma.

Decreto prevê recomendações quanto à qualidade

Além de trazer as diretrizes para obrigatoriedade do equipamento de proteção na cidade, o decreto 13.929 também aponta orientações da PJF sobre as máscaras caseiras, indicadas para a população em geral. É recomendado que cada pessoa tenha, pelo menos, três delas. A Administração municipal também reforça que o uso deve ser individual, não podendo ser compartilhado com ninguém, mesmo entre pessoas da mesma família. As máscaras devem ser utilizadas sempre que a pessoa sair de casa, porém, levando uma de reserva, assim como ter uma sacola plástica para guardá-las após a troca. O documento ainda ressalta que, enquanto a pessoa estiver utilizando a máscara, deve evitar tocá-la e ficar ajustando a todo tempo.

Ao chegar em casa, a orientação é retirar o utensílio após higienizar as mãos com água e sabão. A máscara deve ser higienizada por meio de uma imersão em recipiente com água potável e água sanitária (2 a 2,5%) por 30 minutos, sendo que a proporção de diluição a ser utilizada é de uma parte de água sanitária para 50 partes de água.

Após o tempo de imersão, deve-se realizar o enxágue em água corrente e lavar com água e sabão. Após a secagem da máscara caseira, utilizar ferro de passar roupa e acondicioná-la em saco plástico. Para a sua reutilização, o equipamento de proteção deve estar seco.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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