Juiz de Fora tem pico de casamentos homoafetivos 

Foto: Arquivo pessoal

Se em 2017 apenas 11 casais homossexuais se uniram oficialmente nos cartórios do município, em 2018 esse número foi quase quatro vezes maior, chegando a 40 registros, aumento percentual de 263,6% em relação ao ano anterior. Em 2019, até dezembro, foram celebrados 25 casamentos homoafetivos, mais que duas vezes que em 2017, embora, em relação a 2018, o número represente queda.

Esse contexto de aumento no número dessas uniões em Juiz de Fora foi corroborado pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), com o lançamento das Estatísticas do Registro Civil de 2018. Conforme o levantamento nacional, houve crescimento de 61,7% no número de casamentos civis entre cônjuges do mesmo sexo. De 5.887, em 2017, para 9.520 em 2018.  No país, o levantamento mostra que houve um pico de formalização de casamentos, ocorrido em dezembro de 2018, quando 3.098 casais homoafetivos buscaram cartórios para formalizar sua união. No mesmo período do ano anterior foram 614.

No momento em que casaram, Raphael e Rubens já tinham em mente que o casamento deles representava mais do que uma união. “É ter acesso ao que todo mundo tem direito: a amar, poder viver, casar e compartilhar a vida com quem queremos. É mais um ato de liberdade do que a manifestação de um casamento homoafetivo. E eu queria muito que isso fosse aberto a todos, independente de suas preferências e ações”, conta Raphael.

Foto: Arquivo pessoal

Para Rubens, que é médico, reforçar sua orientação sexual de maneira formal, perante a sociedade e a própria família, ajuda a reforçar que o casamento homoafetivo é tão casamento quanto qualquer outro. “Se foi graças a muitas pessoas estigmatizadas que deram suas caras a tapa que conseguimos nossos direitos, é importante todo mundo dar a cara a tapa também. Dizemos que somos casados, e não há problema algum nisso.” Com o ato, de acordo com o médico, o casal conquistou ainda mais respeito. “A partir do momento que digo: ‘sou casado com um homem’, as piadas e brincadeiras caem por terra.”

O jornalista comenta que antes percebia que os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo eram reclusos, vividos às escondidas, e o crescimento no número de casamentos representa uma abertura significativa. “As pessoas tinham medo de se expor a esse trato social de chegar e falar que o seu estado civil é casado. Havia também vergonha de falar isso e não é para ter vergonha. Esse dado (de crescimento no número de casamentos homoafetivos) é uma felicidade.”, avalia Raphael.

Para eles, importava que a união não fosse apenas uma instituição fechada, ou uma imposição social simplesmente. “Em um cenário de grande repressão, embora mais pessoas se conscientizem, ainda existem muitos casos de discriminação. Eu e meu marido fomos alvo de um desses ataques recentemente no Rio.” Raphael disse que não esperava viver algo assim, ainda mais depois do casamento, mas considera que o combate a esse tipo de ação criminosa ganha força quando o casal se posiciona de maneira clara e aberta. “As pessoas tendem a marginalizar ou apagar os casais gays como família. Mas quando percebem que há apoio entre nós, passam a nos ver com outros olhos, com maior respeito”, completa Rubens.

Foto: Arquivo pessoal

Contexto político

Para entender esse movimento, alguns fatores precisam ser levados em consideração, é o que diz o professor da Faculdade de Educação da UFJF e um dos líderes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed), Anderson Ferrari. Para ele, o primeiro ponto é o quadro que estava posto no fim de 2018, com a eleição do novo Governo federal. “É fundamental destacar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma conquista diante dos Governos anteriores, que também não o reconheciam. As eleições acabaram agravando uma situação que não vem de hoje.” Anderson frisa que esse foi um dos traços preponderantes mostrados pela estatística divulgada pelo IBGE.

O professor explica que o movimento gay, quando se organizou no contexto da ditadura no Brasil, começou a reivindicar e se fortalecer, em função das políticas de prevenção ao HIV/Aids. “A primeira luta por reivindicações entre os gays começou com uma tentativa de aproximação com o Legislativo”, pontua. No entanto, lutas como a criminalização da homofobia continuam paradas ou engavetadas no Congresso. Depois disso, houve uma aproximação com o Executivo, para manter conquistas, o que não aconteceu.” Anderson salienta que, embora exista uma resistência dos deputados e senadores em lidar com as demandas, a Justiça tem se esforçado para garantir os direitos. Como em junho desse ano, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), por oito votos a três, determinou que LGBTIfobia é crime no Brasil, enquanto o Parlamento não aprove a matéria.

Somente em 2013, os cartórios foram obrigados a realizar uniões entre pessoas do mesmo sexo, em função da publicação da Resolução 175, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “O Governo Lula atendeu muito timidamente a algumas pautas do movimento gay. Durante a passagem de Dilma, foi ainda pior. Agora, com esse governo, as pessoas se sentiram mais ameaçadas, e as conquistas se deram via judiciário. O casamento gay vem do judiciário. Ele não é trazido pelo legislativo. Está o tempo inteiro na possibilidade de perda, porque se muda algo na Constituição, se muda algo na lei, ele pode não ser reconhecido”, salienta Anderson.  Por isso, o professor considera que uma parcela significativa desse aumento de registros é em função desse medo e das possibilidades de alterações no campo legislativo.

Outros motivos

Além do contexto político, também há outros pontos a considerar. Entre eles, são as discussões dentro de um campo de luta amplo, que possibilita as pessoas a tomarem conhecimento de seus direitos e assumirem suas orientações sexuais sem constrangimento. “Os homossexuais estão lidando com seus afetos de forma diferente, com orgulho, isso faz com que as pessoas se sintam à vontade para oficializar suas relações”, diz Anderson.

Indo além, registrar oficiamente o casamento, também representa uma forma de resistência. “Temos a Lei Rosa em Juiz de Fora, que permite o afeto entre pessoas do mesmo sexo em espaços públicos, mas é difícil pensar na efetividade dela, porque não é uma lei que vai mudar a mentalidade das pessoas. Por isso, a garantia do casamento é importante. Não basta dizer não. Temos que ser criativos. É preciso resistir construindo algo. Por mais que tenhamos tentativas de retrocesso, não temos como voltar para o armário. Certamente essa onda de casamentos também acontece em função disso.”

O que o futuro reserva, de acordo com o professor, é a continuidade das relações de forças, para que não ocorram perdas a cada peça mexida no tabuleiro da política, segundo ele, uma nova estratégia deve ser abordada. Mas no fim das contas o que ele marca como fundamental é o reconhecimento desses direitos. “É importante dizer que o casamento gay é uma forma de mostrar que a gente existe. O casamento é uma questão de direitos humanos, uma garantia de existirmos enquanto casais. Para algumas pessoas, isso é fundamental. Estamos no país que mais mata LGBTIs no mundo. Precisamos lutar pelas conquistas e efetivá-las na prática, exercendo-as.”

Parceria para todos os aspectos da vida

Para os casais homossexuais que ainda estão em dúvida sobre a oficialização da relação, Rubens aconselha que elas pensem, em primeiro lugar, se é isso o que elas desejam. “Se for, digo que vale muito a pena. Tanto na parte emocional, de reforçar o compromisso, quanto na parte legal. Ao precisar acessar uma pensão, um plano de saúde, algo assim, os casais gays podem enfrentar resistência de pessoas preconceituosas. Ter a validação de que você é casado ajuda nesse processo. Eu incentivo totalmente.”

O médico disse que a partir do casamento deles, muitas pessoas passaram a entender essas questões e foram se apoiando no exemplo. “É assim que acontece. Um vai puxando o outro, chamando para que as pessoas se mostrem e se afirmem. Também ajudamos a quebrar com uma série de esteriótipos, como a de que gays são promíscuos, ou não têm relacionamentos sérios.”

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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