JF tem mais de dez casos por mês de violência sexual contra menores

Dados do Conselho Tutelar repassados para a Promotora de Justiça de Defesa da Educação, da Criança e do Adolescente, indicam que, pelo menos, 170 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes foram denunciados, em Juiz de Fora, nos últimos 16 meses. Apesar de impressionar os representantes dos dois órgãos, o montante – mais de dez casos por mês – não pode ser considerado como retrato fiel dessa triste realidade, que, na maioria das vezes, acontece de forma velada dentro dos lares. Tanto a Promotoria quanto o Conselho Tutelar são unânimes em dizer que o isolamento social, uma das medidas para conter a pandemia da Covid-19, vem mascarando os registros desse tipo de crime, que virão à tona, com novos casos, após o fim do surto de coronavírus.

“Esses números não refletem a realidade, porque hoje estamos com as escolas fechadas, e o primeiro lugar em que a criança mostra sinais de abuso e exploração sexual é na escola. A criança que é abusada não aceita o toque, não olha direto nos olhos, começa a ter comportamentos sexualizados, faz desenhos de conotação sexual, e a professora é quem detecta isso. Acreditamos que há um aumento efetivo dos casos dentro dos lares”, considera a promotora de Justiça de Defesa da Educação, da Criança e do Adolescente, Samyra Ribeiro Namen, alertando que existe uma subnotificação de registros. “As crianças estão ficando invisíveis dentro de casa, esse é o primeiro fator que mascara esse cenário. E o segundo, é que existem casos que não chegam para o Conselho Tutelar”, afirma, uma vez que são denunciados, diretamente, nas delegacias de Polícia Civil.

A conselheira tutelar Cecília Marques Alvim, que já está na sua segunda gestão no Conselho Tutelar Sul-Oeste, faz a mesma avaliação. “Temos percebido o aumento de relatos de denúncias de abuso sexual e acreditamos que ainda existem muitos casos que são velados, porque a escola é um dos primeiros setores que observam a mudança de comportamento da criança, como inquietude, irritabilidade, diminuição ou aumento de apetite e redução do rendimento e da frequência escolar. Sem a escola, a criança está isolada em casa sendo abusada sexualmente ou mesmo sendo agredida fisicamente.”

Em razão do maio laranja, mês de alerta para toda a sociedade sobre o combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou que 52% dos casos de exploração, violência ou abuso sexual ocorrem dentro da casa da vítima, e apenas um em cada 10 casos é notificado às autoridades. Em Juiz de Fora, na semana passada, um crime desse tipo veio à tona depois que investigações da Polícia Civil apontaram que um homem, de 28 anos, foi indiciado como responsável por estupro de vulnerável e maus-tratos contra seu enteado, de 5 anos.

Foram mais de seis meses de apuração, que revelou que os abusos aconteceriam desde que a criança tinha 2 anos. Os crimes, no entanto, foram negados pelo suspeito e seriam desconhecidos da mãe da vítima, moradora da Zona Nordeste de Juiz de Fora. De acordo com a delegada da Especializada de Atendimento à Mulher responsável pelo caso, Ione Barbosa, a mulher, 24, também vai responder por omissão. O inquérito foi concluído na última terça-feira (18), justamente no Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Ainda conforme a delegada, o caso foi acompanhado pelo Conselho Tutelar e, atualmente, o menino está sob a guarda da avó materna. O pai biológico da criança é falecido. A pena para o crime de estupro de vulnerável varia de 8 a 15 anos de reclusão, mas, conforme Ione, neste caso, será aumentada por se tratar de relação de padrasto e enteado. Já os maus-tratos prevê reclusão de dois meses a um ano.

Ações de afastamento de convívio familiar

De acordo com a promotora Samyra Ribeiro Namen, na Promotoria em que atua, houve aumento da quantidade de entradas de ações na Justiça com pedido de afastamento do convívio familiar. “Os agressores são, geralmente, pai, irmão, tio, avô e namorado da mãe, ou seja, são pessoas que convivem com a criança e com o adolescente, morando com ela. Nessas situações, é preciso entrarmos com uma ação na Justiça, para que esse agressor saia da residência para protegê-la, porque a criança nunca pode sair”, ressalta. Apesar de afirmar que houve aumento das ações, a promotora não pôde informar os números relativos à questão, uma vez que ainda não tinha uma estatística disponível.

Ainda segundo a conselheira Cecília Marques Alvim, a percepção desse aumento tem ligação com os impactos causados pela pandemia na sociedade. “A situação financeira tem colaborado para isso também, porque as pessoas estão sem emprego, permanecendo em casa. Acredito que só quando a pandemia passar teremos noção real dos casos de abuso e exploração sexual e agressão física”, enfatiza, lembrando que as vítimas também estão expostas à violência física e psicológica. “Qualquer número apresentado agora será superficial e vai aumentar muito quando voltar a escola e as idas ao psicólogo, porque vão aparecer esses casos que ficaram escondidos ao longo desse tempo”, avalia.

Quanto à questão do retorno das atividades presenciais na escola, no último dia 18, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) divulgou um protocolo sanitário com orientações para a volta. O documento foi produzido por um grupo de trabalho criado para definir as medidas para o retorno seguro das instituições de ensino em âmbito municipal e teve a participação do Ministério Público, que ao longo do último mês vinha cobrando do Município explicações pela demora na divulgação do regramento. Apesar da publicação dos protocolos, a Secretaria de Educação da PJF ainda não divulgou data para a retomada das atividades escolares presenciais na cidade.

Maioria das vítimas são meninas abaixo dos 12 anos

Nos casos que chegam para a Promotora de Defesa da Educação, da Criança e do Adolescente, as vítimas são, principalmente, as meninas e, sobretudo, as mais novas. “Quando é adolescente, elas ainda têm contato com outros adolescentes, conseguem pedir socorro. O problema maior é a criança abaixo de 12 anos, que fica vulnerável”, avalia a promotora Samyra.

Já no que diz respeito ao abusador, Cecília adverte que ele tem um perfil sociável e amigável, o que o deixa longe de desconfianças. “Essa pessoa não demonstra sinais de que ela é abusadora ou que tem um comportamento mental alterado. E isso atrapalha na identificação, porque pode ser um vizinho que conhece a criança há muito tempo ou algum familiar que convive com ela. Então, como ele está sempre inserido no núcleo familiar, fica mais difícil para a criança compreender o que está acontecendo e denunciar. Temos visto que os abusos estão começando cedo, com a criança com dois ou três anos. O abusador simula o abuso com carinhos, pede para a vítima não contar sobre o que ocorre e, só com o passar do tempo, a criança percebe que aquele carinho não é normal e começa o medo e as ameaças, fazendo ela mudar de comportamento”.

Alerta

De acordo com a conselheira tutelar Cecília Marques, é necessário orientar a criança para casos de carinhos diferentes, exposição de fotografias com conteúdo impróprio e se ela recebe o apelo para não contar para outra pessoa o que está ocorrendo. “Se isso acontece é porque algo pode estar errado, e ela deve procurar um amigo ou uma tia. Não precisa ser necessariamente a mãe, não precisa ser o responsável legal, pode ser qualquer pessoa para fazer a denúncia no Conselho. E há também a possibilidade de denúncias ao Disque 100 ou ligando para nossa sede ou para o número de plantão do Conselho Tutelar, sendo que, no sábado e domingo, o funcionamento é de 24 horas pelo celular.”

Ela ressalta que, para a denúncia, não é necessário ter a certeza de que a criança ou o adolescente tenha sido abusado ou agredido. “O denunciante pode desconfiar e fazer a comunicação, passando endereço, nome da mãe, para irmos até a casa e identificar o risco. Caso seja identificado, orientamos para fazer o boletim de ocorrência e ir até delegacia para fazer a guia de exame no Protocolo de Atendimento ao Risco Biológico Ocupacional e Sexual (Parbos) do Hospital de Pronto Socorro (HPS).

Depoimento para conscientizar a população

Em razão da campanha do maio laranja, o Conselho Tutelar tem chamado a atenção da população para o enfrentamento à violência e à exploração sexual de crianças e adolescentes por meio da divulgação do áudio de um depoimento verídico, realizado durante atendimento a uma denúncia. Trata-se do caso de uma mulher, cuja identidade não é revelada, que narra sobre o abuso sofrido por seu neto de dois anos e oito meses. O crime foi cometido pelo próprio pai da criança.

“Meu neto já estava aprendendo a falar, já estava desfraldado e observamos que ele estava muito agressivo, não gostava mais de tomar banho e não queria que nós déssemos banho nele. Nós não sabíamos o porquê, até que ele próprio nos contou que o papai dele o tinha machucado. Com isso, eu e minha filha quase enlouquecemos. Levamos ele para UPA e passou por exame. O Conselho Tutelar foi acionado e nos deu a maior atenção o tempo todo. Foi muito importante esse auxílio que recebemos”, diz a denunciante, acrescentando que, sobre o caso, foi realizada a denúncia, a investigação e a conclusão de que, realmente, o pai da criança havia cometido o abuso, fato que levou o homem a ser condenado.

“Eu peço para que as pessoas prestem atenção nas crianças. Se ela se negar a ir para casa de certa pessoa, é porque pode estar acontecendo algo muito grave. Preste atenção na reação das crianças quando a gente vai abraçá-las, se elas ficam com medo, porque isso são sintomas de quem está sendo abusado”, alerta a mulher. De acordo com ela, após o abuso, seu neto precisou de atendimento psicológico. “Hoje ele tem seis anos e foi muito traumático. Ele faz tratamento com psicólogo até hoje e vai ter que fazer para sempre por conta do que ele passou”.

Ações do Município para o combate à violência e exploração sexual

A respeito de ações para o combate à violência e exploração sexual de crianças e adolescentes por parte a Administração Municipal, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informa que, para proporcionar um debate acerca do tema e refletir sobre os desafios da promoção de políticas públicas voltadas, seu Departamento de Políticas para a Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (DPDH) realizou algumas ações com o tema “Em Casa Com Segurança – uma campanha de proteção da criança e do adolescente em tempos de pandemia”.

Ainda segunda a pasta, foi elaborada uma cartilha virtual voltada para o público infanto-juvenil e compartilhada pela Secretaria de Educação (SE) com as escolas. A cartilha também está disponível para acesso no site da PJF . “Também foram divulgados os telefones dos Conselhos Tutelares da cidade e Disque 100. Além disso, foram elaborados cartazes de divulgação da campanha com algumas orientações e a divulgação do Disque 100. Os cartazes foram compartilhados através das redes sociais e espalhados em alguns lugares físicos como ônibus e locais de grande circulação”, informa a Secretaria.

Entre as ações, como pontuou a pasta, também foi realizada uma live no último dia 18, com o tema “Violência Contra Crianças e Adolescentes – análise de cenários e propostas de Políticas Públicas”, com representantes do Conselho Tutelar de Juiz de Fora e dos Conselhos Municipal e Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, que está disponível para acesso no site da PJF.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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