JF tem 98 casos de síndrome gripal em profissionais de saúde

A infecção pelo novo coronavírus em profissionais de saúde já é uma realidade em Juiz de Fora. Lutando na linha de frente para salvar vidas em meio à pandemia, pelo menos 98 médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem, entre outras especialidades, estão afastados de seus postos de trabalho por causa da doença até esta segunda-feira (20). Desse total, 14 já fizeram os testes e são considerados casos confirmados de Covid-19, segundo informações da Secretaria de Saúde. Outros 84 apresentaram sintomas de síndrome gripal e ainda aguardam os resultados em isolamento. O número representa 6% do universo de casos suspeitos e confirmados no município, conforme o último boletim divulgado pela Prefeitura, no início da noite desta segunda. Os dados recentes apontam 1.506 pacientes em investigação, 105 infectados, além de seis óbitos, sendo apenas dois desses já positivos para Covid-19. Para especialistas, o fato de profissionais de saúde engrossarem as estatísticas de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus na cidade já era esperado, uma vez que eles estão mais expostos. No entanto, a escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs) ou o uso incorreto desses, a falta de treinamento adequado, assim como descuidos na paramentação e desparamentação, também são apontados como possíveis fatores que elevam esse quadro.

Quem sentiu na pele o que é precisar ficar isolada, não só do trabalho, mas também da família, sabe bem o quão necessário são os cuidados nesta exposição diária. “Sinto muito enjoo e dor nas costas ainda. Deve ser de tanto ficar deitada”, desabafou uma técnica em enfermagem, de 52 anos, que começou a sentir os sintomas da Covid-19 no dia 7 de abril. Ela ainda aguarda o resultado do teste, realizado na última quarta-feira (15), mas já começou a ser tratada como infectada pelo novo coronavírus, após realizar tomografia em um hospital particular, embora inicialmente tenha sido diagnosticada com sinusite. Questionada se deseja retornar à “batalha”, mesmo com a experiência de ficar trancada em um quarto, se alimentando por meio das refeições que sua filha leva à porta, ela ponderou: “Eu voltaria, mas com EPIs. Quero muito trabalhar, porque essa rotina já faz parte da minha vida. Fiz um juramento para salvar vidas e amo o que faço. Jamais irei abandonar o barco sem lutar. Mas para isso temos que ter o mínimo de consideração das empresas que prestam serviço, dando condições de trabalho.”

A técnica em enfermagem ouvida trabalha no setor vermelho de uma unidade de pronto atendimento, que atende casos graves. Para não correr o risco de infectar a família, ela permanece distante do marido, 60, dos três filhos, de 23, 27 e 29 anos, e da neta, 6. Sobre os sintomas, disse que sentiu mal-estar e perda de paladar. Não teve febre nem tosse, “graças a Deus”, mas afirmou ter sofrido com a solidão. “É muito ruim ficar só. Tenho lido muito, pesquiso sobre a Covid e vejo um pouco de TV. Mas dá vontade de sair gritando liberdade.”

Segundo ela, um colega também técnico em enfermagem não teve a mesma sorte de ficar em casa, e teria chegado a ser entubado em estado grave no HPS, na semana passada. A Tribuna solicitou informações à Secretaria de Saúde sobre o estado dele, mas a pasta informou que, a respeito da identidade dos pacientes com suspeita ou confirmação para Covid-19, não serão divulgados dados pessoais.

“De acordo com o artigo 322 da Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017, que consolida as normas sobre as ações e os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), é assegurado que ‘as autoridades de saúde garantirão o sigilo das informações pessoais integrantes da notificação compulsória, que estejam sob sua responsabilidade.” Ainda conforme a secretaria, o Departamento de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da Prefeitura de Juiz de Fora segue fielmente o que é preconizado pela Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso a informações.

Despreparo estrutural em todas as instâncias

“Infelizmente, nas estatísticas do mundo inteiro, os profissionais de saúde têm maior risco de se infectarem e terem Covid-19. A chance é maior por causa dessa exposição contínua que temos no dia a dia assistencial”, pontuou o infectologista Guilherme Côrtes. Segundo ele, sem dúvida, há ligação desse contágio com a escassez de EPIs. “Vemos essa discussão no mundo inteiro, principalmente de alguns equipamentos extremamente importantes, como as máscaras N95 ou equivalentes dessas, o que aumenta bastante o risco dos profissionais de saúde. Esse é um dos gargalos hoje em dia em relação a equipamentos de proteção individual. Não existe uma alternativa em relação à proteção de face. Os faces shields (protetores faciais do tipo escudo, normalmente de acrílico) podem ser manufaturados de alguma forma. Assim como as vestimentas de proteção, os capotes, como já há iniciativas na cidade (com costureiras voluntárias). Mas para esses respiradores máscaras, como a N95, realmente não tem substituto”, destacou o médico.

O infectologista também acredita ser necessária uma certa prática para lidar com pacientes em meio a uma pandemia contagiosa.

“Acho que há um despreparo cultural mesmo em relação à importância do uso de equipamentos de proteção individual no meio, nos hospitais e nas unidades de saúde. Há, por um lado, pouca disponibilidade. Por outro, pouco treinamento.”

Um terceiro ponto a ser considerado, para o especialista, é a questão da carência de uma preocupação histórica das gestões em relação à importância dessas condições de trabalho para esses profissionais de saúde. “É simples ver, inclusive pelos isolamentos respiratórios aqui da nossa cidade: quantos, de fato, são isolamentos respiratórios, que preenchem todos os critérios que deveriam? Isolamentos respiratórios não são quartinhos que se deixa o paciente. Isso já evidencia um despreparo estrutural em todas as instâncias do atendimento à saúde. Estamos falando de Juiz de Fora, mas, certamente, podemos falar do Brasil inteiro que, por regra, é a mesma coisa.”

Denúncias em unidades de saúde

Matérias publicadas pela Tribuna neste mês revelaram denúncias sobre a falta de EPIs em algumas unidades de saúde da cidade. Uma delas foi divulgada na última sexta-feira (17), quando quatro médicas e uma técnica em enfermagem relataram o problema que teria ocorrido na segunda quinzena de março na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte. Uma denúncia a respeito também foi protocolada no Conselho Regional de Medicina em 19 do mês passado. No mesmo dia da reportagem, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que vai abrir processo administrativo contra a empresa terceirizada responsável pela gestão da UPA, embora a mesma afirme que o uso correto dos EPIs entre seus colaboradores sempre foi uma das prioridades. Ainda conforme a administração da unidade, desde a instalação do risco de pandemia, houve empenho para se adequar ao novo momento e disponibilizar os equipamentos aos funcionários, conforme a necessidade, seguindo as normativas do Ministério da Saúde. Também na última sexta, profissionais da Secretaria Municipal de Saúde estiveram na UPA Norte para fiscalizar a disponibilização e o uso correto dos equipamentos. “Só foi observada uma pequena inconformidade na forma de utilização dos EPI’s. Contudo, as observações da Vigilância Sanitária foram prontamente acatadas”, informou a PJF após a visita.

Sobre a possível contaminação de pelo menos cinco profissionais de saúde que atuam na UPA Norte, como o caso da técnica de enfermagem que conversou com a Tribuna e do técnico de enfermagem que estaria entubado em estado grave no HPS, a administração da unidade disse, na semana passada, que, conforme dados da Vigilância Sanitária de Juiz de Fora, não havia nenhum caso confirmado de paciente com Covid-19 atendido na UPA Norte, “não tendo como vincular o contágio dos funcionários aludidos com a unidade, visto que o vírus é de disseminação comunitária, além de que vários funcionários prestam serviço em outros estabelecimentos de saúde”.

PJF já foi alvo de denúncias

A própria Prefeitura também já foi alvo de denúncias de falta de EPIs no HPS e em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), conforme reportagens publicadas nos dias 1º e 2 de abril. A Secretaria de Saúde negou o desabastecimento de materiais, como máscaras e capotes, no HPS, onde 60 leitos foram destinados no terceiro andar para o tratamento de pacientes com Covid-19. Na época, a pasta também afirmou que estava oferecendo, durante aquela semana, uma espécie de reciclagem para seus servidores e que as máscaras N95 são recomendadas para “profissionais que fazem procedimentos invasivos, que liberam gotículas, como cirurgias, aspiração e coleta de swab”.
Já nas UBSs, a secretaria garantiu, na oportunidade, que estava justamente fazendo uma rota emergencial para reposição de produtos de higiene, como álcool e sabonete líquido, e de EPIs, como máscaras cirúrgicas, luvas e aventais.

João Penido

No dia 30 de março, a Tribuna já havia mostrado que a qualidade e segurança dos EPIs utilizados por enfermeiros no Hospital Regional Doutor João Penido, considerado pelo Estado com referência nesta pandemia, preocupava o Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde). No entanto, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), que administra a unidade, afirmou cumprir a orientação prevista em norma técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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