JF tem 48 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes

De janeiro a abril deste ano, 48 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes foram registrados em Juiz de Fora. A cidade aparece em quarto lugar na lista que elenca as 20 cidades com mais casos em Minas Gerais, divulgada pela Polícia Civil, e só ficou atrás de Belo Horizonte (200), Uberlândia (66) e Contagem (54). Em todo o estado, 17 crianças e adolescentes sofreram, diariamente, algum tipo de abuso sexual em 2020, segundo as ocorrências registradas no período.

Como forma de conscientizar a população, neste 18 de maio, Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual, teve início a programação da Semana de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, organizada pela Frente Parlamentar Juntos Contra a Pedofilia, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com a participação da Polícia Civil.

Apesar de os números serem altos, os dados dos meses de janeiro a abril apresentaram redução em 2020, se comparados às ocorrências registradas no mesmo período de 2019, quando foram 23 vítimas diárias, e em 2018, quando 22 crianças ou adolescentes sofreram violência sexual no estado por dia. No entanto, segundo a chefe da Divisão de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente da Polícia Civil, Elenice Cristine Batista Ferreira, a redução pode estar relacionada ao momento de distanciamento social no estado.

“Esse distanciamento pode estar causando estas reduções de registros de ocorrências. Podemos estar diante de subnotificações, pois muitas denúncias surgiam a partir das escolas e da comunidade que aquela criança ou adolescente frequentava. E hoje, essa vítima pode estar em casa, com seu abusador, às vezes sem saber a quem recorrer”, pontuou a delegada.

Os dados apresentados referem-se a diversos crimes sexuais praticados em todo o estado contra crianças e adolescentes, entre 0 e 17 anos. Entre eles, o estupro de vulnerável aparece com os maiores índices. Foram cerca de três mil casos, tanto em 2018 quanto em 2019, de janeiro a dezembro; em 2020, nos quatro primeiros meses, foram 787 registros.

O único crime que apresentou aumento entre 2019 e 2020 foi o de importunação sexual, tipificado pela lei 13.718, em setembro de 2018. O crime de importunação teve 217 registros em 2019 e 331 em 2020. A delegada Elenice também observou que as meninas são as principais vítimas. “Sempre digo que precisamos cuidar das nossas meninas. 84,48% das vítimas são do sexo feminino. E destas, quase 40% são crianças entre 0 e 11 anos. É alarmante”, lamentou.

Conscientização e alerta

A fim de conscientizar os mineiros a respeito da exploração e do abuso sexual de crianças e adolescentes, teve início, nesta segunda, a Semana de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, organizada pela Frente Parlamentar Juntos Contra a Pedofilia, com a participação da Polícia Civil.

Entre as ações estão previstas lives com autoridades e especialistas sobre o tema e uma Caminhada Virtual, com distribuição da versão on-line da cartilha da Polícia Civil contra abuso e exploração infantil nas redes sociais da instituição e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Segundo a titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), com sede em Belo Horizonte, Renata Ribeiro, é preciso estar vigilante não só em relação às violações presenciais, mas também as virtuais. “Nesse tempo de pandemia, as crianças e os adolescentes ficam mais tempo conectados, usam mais a internet.

Por isso, é importante que os pais ou responsáveis acompanhem quais conteúdos estão sendo acessados, com quem e sobre o que estão conversando”, ressaltou, lembrando que quem tiver informações sobre crianças e adolescentes que possam estar sendo vítimas de abusos deve procurar a polícia ou recorrer ao Disque 100 e ao 181 para fazer denúncias anônimas por telefone.

‘Fenômeno multidimensional’

Para o superintendente de Polícia Técnico-Científica da Polícia Civil, médico-legista, ginecologista e psiquiatra forense, Thales Bittencourt de Barcelos, a violência sexual é um fenômeno multidimensional que afeta pessoas de todas as idades, classes sociais, raças, etnias e orientações sexuais. Constitui uma das principais formas de violação dos direitos humanos, atingindo o direito à vida, à saúde e à integridade física.

Um dos grandes desafios para enfrentar essa violência é a articulação e a integração dos serviços e do atendimento de forma a evitar a revitimização das pessoas. Segundo Bittencourt, a Polícia Civil, junto com a Secretaria de Estado de Saúde, promove esse atendimento integral em várias cidades de Minas e procura ampliar a cada dia esse serviço.

Para fechar a semana de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, Bittencourt vai participar do debate “Atendimento integral às vítimas de violência sexual”, que também terá a participação da chefe do setor de Sexologia Forense do Instituto Médico Legal da Polícia Civil, Elisa da Cunha Teixeira. A live será realizada na próxima sexta-feira (22), às 15h, com transmissão pelo canal da ALMG no Youtube.

80% dos casos ocorrem em ambiente familiar

Durante a palestra “O olhar e o cuidado com as nossas crianças e adolescentes durante a pandemia”, transmitida pelo canal da ALMG pelo Youtube, a psicóloga Ana Flavia Ferreira de Almeida Santana, que atende na Vara Especializada em Crimes contra a Criança e o Adolescente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), afirmou que 80% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são cometidos em ambiente familiar.

De acordo com a profissional, geralmente, quem comete a violência é íntimo da criança e do adolescente, como pais, avós, tios, primos, irmãos, vizinhos, padrinhos e amigos da família. “Isso mexe muito com a cabeça da criança, que vive uma dualidade. Ao mesmo tempo em que tem afeto pelo agressor, tem também medo”, relatou.

O isolamento social imposto pela pandemia exige ainda mais atenção, segundo especialistas, já que, neste período, crianças e adolescentes estão sem rotina escolar e permanecem em casa. Além disso, como alerta a Polícia Civil, o uso da internet é maior, e os pais devem ficar atentos, já que o universo on-line pode facilitar esse tipo de prática criminosa.

Conversar é preciso

Ana Flavia Ferreira de Almeida Santana também desmistificou a visão de que o abuso sexual ocorre apenas em famílias desestruturadas. Conforme ela, essa situação ronda todas as famílias, de todos os lugares, independentemente de classe social. A psicóloga acrescentou ainda que dados mostram que só 6% dos violadores apresentam distúrbios psiquiátricos.

Para ela, a solução é cuidar atentamente das crianças e adolescentes, além de defender a necessidade de uma conversa aberta com a criança, quando ela já entende e interage bem com a família. “Cada criança tem um desenvolvimento, mas normalmente é por volta dos 3 ou 4 anos (que ela passa a entender)”, destacou.

Essa conversa deve deixar claro para a criança que há partes íntimas no corpo dela e que ninguém pode tocar essas regiões, exceto quando seus responsáveis vão realizar a higienização da criança. Nessa conversa, segundo a psicóloga, os pais devem orientar que os filhos relatem caso alguém tenha tocado nessas partes íntimas. A conversa pode ocorrer da seguinte forma: “Se alguém fez algo no seu corpo que não foi legal, que te deixou triste, eu preciso saber”.

Ana Flávia enfatizou que alguns sinais devem acender o alerta para pais e responsáveis. São eles: mudança brusca de comportamento, atitudes e conversas sexualizadas, introdução de objetos em regiões íntimas, terror noturno, irritabilidade, presença de corrimento, secreção, coceira e/ou hematomas nas partes íntimas e distúrbios alimentares. Ela também citou a automutilação, em casos de adolescentes.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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