‘Jequitinhonha é o vale das oportunidades’, diz ministro

Titular de Minas e Energia ressalta que hoje nióbio e lítio são grandes potencialidades

Único mineiro entre os 37 ministros de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Alexandre Silveira de Oliveira é natural de Belo Horizonte, formado em Direito e concursado como delegado de Polícia de Minas Gerais. Passou pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Governo do Estado e é ex-deputado federal por dois mandatos, eleito nos anos de 2006 e 2010 entre os cinco mais bem votados de Minas Gerais.

No Senado, atuou como 1º Suplente de Senador, na chapa encabeçada pelo ex-governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, foi diretor jurídico da presidência da Casa e, em 2022, tomou posse como Senador da República.

ministro recebeu o DIÁRIO DO COMÉRCIO para uma entrevista exclusiva sobre política econômica. Falou sobre o trabalho que vem fazendo à frente da Pasta que reúne os setores de energia, óleo e gás e mineração que, juntos, representam mais de 50% da economia nacional. Ele citou os desafios de cada área, bem como a importância para Minas Gerais. O Estado é historicamente o maior produtor mineral do País e tem recebido investimentos vultosos em energia – especialmente as renováveis – nos últimos anos.

Silveira também abordou os desafios políticos do novo governo, o andamento das tratativas para a repactuação do Acordo de Mariana, as apostas na exploração de novos minerais no Estado e no Brasil – como o lítio no Vale do Jequitinhonha – e a missão de representar a terceira maior economia nacional na Esplanada dos Ministérios.

Quais os principais desafios do Ministério de Minas e Energia e o que vislumbra para os próximos anos?

O Ministério de Minas e Energia representa mais de 50% da economia nacional. Estamos falando da totalidade do setor elétrico, de petróleo e gás e mineral. E todos estão interligados, porque o grande tema debatido no mundo, em especial depois da guerra entre Rússia e Ucrânia diz respeito à segurança alimentar e à segurança energética. Por isso, estamos trabalhando em políticas que além de estratégias são políticas fundamentais ao desenvolvimento social e econômico do País. Sabemos que a única forma consistente de se combater miséria, fome e desigualdade é por meio da geração de emprego e renda de qualidade. O Brasil, com a dimensão territorial e as potencialidades que tem, é reconhecido no mundo pelas condições de ser o grande celeiro da humanidade do ponto de vista alimentar, mas para isso também precisa ser autossuficiente em fertilizantes. Surge então a oportunidade de utilização do gás natural explorado pela Petrobras e pelas petroleiras da costa nacional. Isso precisa ocorrer através dos gasodutos de escoamento para aumentar oferta e diminuir a competição para fabricarmos a amônia e ter ureia para os nitrogenados. Também precisamos discutir a exploração de algumas minas estratégicas de potássio no País. O Brasil importa 90% do potássio para uso na agricultura. E também desenvolver grandes potencialidades de fosfato, outro mineral essencial ao agronegócio, visando uma produção maior de alimentos.

Entre essas potencialidades também estão as energias renováveis?

O Brasil já é referência em energias limpas e renováveis. Os Vales do Jequitinhonha, do Mucuri, o Norte de Minas e o Nordeste brasileiro têm peculiaridades e qualidades muito ricas do ponto de vista de energias, principalmente solar e eólica. Temos potencialidades naturais no Brasil graças aos ventos do Nordeste e ao sol que já castigou tanto nossos irmãos daquelas regiões e que agora pode ser uma grande fonte de riqueza, retribuindo e criando novas condições de vida para a população.

Como incentivar o uso dessas fontes de energia pelo País?

Temos alguns desafios. O primeiro é manutenção da modicidade tarifária. Ou seja, garantir tarifas mais módicas para pessoas carentes. O governo do presidente Lula tem um foco muito claro: o combate à desigualdade. E estamos debruçados sobre isso.

Em Minas, chegaram a falar em federalizar a Cemig em troca do pagamento da dívida do Estado com a União. Esta seria uma alternativa interessante para o governo federal?

Todo debate político é sempre muito bem-vindo. É legítimo e, nas Casas Legislativas, a relação entre os poderes é salutar e sempre boa, até para o fortalecimento da democracia. Mas esse tema não chegou ao governo federal, nem foi tratado. Já a privatização ou não da Codemig, da Cemig e da Copasa é um debate que deve acontecer entre o Executivo e o Poder Legislativo mineiro. Eu, particularmente, tenho muitas ponderações em relação a alguns modelos de privatização. Acho que algumas áreas de governo podem ser concessionadas ou privatizadas para poder melhorar a qualidade de serviço público para a sociedade. Mas outras são muito estratégicas e suas dimensões ultrapassam o desenvolvimento econômico e precisam ser decididas com muito critério. Digo isso porque muitas privatizações realizadas nos últimos anos no Brasil foram muito prejudiciais à sociedade brasileira. Acredito que Minas Gerais como grande protagonista da boa política nacional vai fazer o bom debate nesses temas e chegar a um ponteiro.

Algo preocupa na área de combustíveis e na relação com a Petrobras?

A Petrobras é uma empresa vinculada ao Ministério e não subordinada, até por natureza jurídica de uma empresa de capital aberto. É uma empresa listada na Bolsa, mas que a União é acionista e controladora. E o governo precisa ter coragem de admitir isso. É ele que indica o presidente da estatal. É o MME que indica os conselheiros e, na minha visão, a Petrobras tem que ser uma empresa competitiva no mercado de combustíveis, senão não sobrevive e os acionistas deixam de aportar os recursos para os investimentos necessários ao seu crescimento. Por outro lado, ela tem uma missão constitucional de cumprir com o seu papel social. E qual seria esse papel? A companhia ser indutora do crescimento do País em políticas estratégicas de preço de combustíveis e de exploração do gás natural para reindustrializar o Brasil. A Petrobras tem que cumprir seu papel de indutora do crescimento e não nos faltará coragem de continuar defendendo que a companhia seja respeitada na sua governança e na sua natureza jurídica, mas também vamos cobrar, com muito vigor e com muita coragem e, às vezes, até contrariando muitos interesses, que ela cumpra seu papel com a sociedade brasileira.

Qual o papel da Pasta na reindustrialização brasileira e quais os desafios para a retomada do desenvolvimento nacional?

Precisamos criar mecanismos para reindustrializar o Brasil e reconhecer a necessidade de geração de emprego e renda como forma sólida e permanente de combater as desigualdades sociais do País. Os programas sociais devem existir para combater miséria e fome, para impedir que as pessoas vivam em estado degradante, mas precisamos desenvolver economicamente. E o MME, juntamente com o Ministério da Agricultura, forma um grande pilar da economia brasileira. No MME tenho a responsabilidade de desenvolver todo setor de energia, mineral e de petróleo e gás que, juntos, representam mais de 50% da economia nacional. Tenho uma dimensão cristalina da responsabilidade que é dirigir uma Pasta tão importante para economia nacional e só me interessa ser ministro se eu puder expressar e, mais do que isso, se eu puder imprimir, claro, convergentemente com as intenções do presidente eleito, os interesses da sociedade brasileira nas políticas públicas.

Quais são as metas do ministério para a mineração? O governo avalia alguma mudança de regras no setor?

Esse tema é um tema que requer coragem. É muito mais fácil jogar pedra do que discutir os problemas reais. O setor mineral é ápice em Minas Gerais. Ninguém consegue lembrar da economia mineira sem falar nele. E quando se fala em mineração, normalmente, se lembra exclusivamente do minério de ferro e não são somente essas nossas potencialidades. Hoje se discute a questão do nióbio e do lítio no Vale do Jequitinhonha. E quero ressaltar a alegria de ter sido alguém que trabalhou durante os primeiros 100 dias de governo de forma muito vigorosa para transformar o Jequitinhonha em vale das oportunidades através da exploração deste mineral. Temos outras potencialidades muito grandes em termos de mineração no Brasil que precisam ser discutidas.

Preocupa a situação das barragens de rejeitos? Como melhorar a relação entre o setor e o meio ambiente?

Temos que separar o joio do trigo. O empresário que respeita as leis e trabalha reconhecendo a necessidade de se fazer uma mineração dentro das regras de governança e de segurança dos maus empresários ou simplesmente aqueles que cometem crimes em vistas do enriquecimento ilícito e fazem uma atividade sem nenhuma responsabilidade social ou ambiental. É importante enaltecer aqueles que favorecem a segurança do trabalho, do ambiente e também dos moradores do entorno das mineradoras. São empresários que reconhecem que o setor mineral realmente deixa alguns danos para a sociedade onde a mineração acontece e sabe da necessidade das contrapartidas para que a mineração exista naquele município, porque é ali que a vida das pessoas acontece. Há de se deixar um legado, uma sociedade mais próspera e com mais oportunidade. Há de se deixar, no mínimo, uma estruturação melhor dos serviços públicos para saúde, educação, segurança e de estrada vicinal, para que o município continue acontecendo. O segredo está no equilíbrio. O equilíbrio do setor elétrico brasileiro é termos segurança energética e modicidade tarifária. Do setor de petróleo e gás é buscar a reindustrialização do Brasil e ter combustíveis que possam tornar o País mais competitivo economicamente para poder gerar mais emprego e renda. E do setor mineral as contrapartidas sociais para a sociedade. Uma atuação diferente disso causa uma imagem distorcida da atividade. E não podemos abrir mão da atividade. Caso contrário, daqui a 10 anos ou menos vamos nos envergonhar de ter que importar minerais estratégicos para a transição energética.

Como está o andamento da repactuação do Acordo de Mariana?

O MME foi incluído no Comitê Interfederativo (CIF)  para discutir as bases desse acordo. Existe uma determinação clara e um empenho enorme de todos do governo federal para que esse acordo avance. Mas é importante que ele avance atendendo os anseios da sociedade brasileira, tanto na questão da reparação ambiental quanto da questão social, com os impactos diretos nas famílias que perderam seus entes queridos. Então, há de se ter uma imensa responsabilidade nestas tratativas. Queremos avançar no acordo, vamos fazê-lo e tenho convicção que este é o melhor caminho. Mas não abriremos mão de que os valores sejam suficientes para reparação dos danos sociais e ambientais e que a aplicação dos recursos seja total e completa com toda a transparência para que a sociedade possa acompanhar de perto.

Vivemos um momento de alta polarização política no País. Qual o caminho enxerga para a pacificação?

Nós ministros temos uma missão muito clara no primeiro momento pós-eleições: unir o povo brasileiro e reconstruir o Brasil. E é fundamental depois de uma eleição que, de certa forma, dividiu o País e que foi muito dramática, que possamos ter essa compreensão e saber por onde passar. Eu tenho andado pelo País e independente das colorações partidárias, conversado com todos os prefeitos e governadores, dialogando e discutindo problemas reais da sociedade. Se nós como o governo eleito começarmos a segregar, vamos ampliar o furor social e esse não é o objetivo do governo. Pelo contrário, o objetivo é diminuí-lo e construir um País mais justo. Acredito muito que o presidente Lula vai conseguir cumprir no auge do seus 77 anos, com muito vigor e muita experiência política. E eu, como mineiro, tenho sido uma voz lá no colégio de ministros para defender a boa política. A boa política na minha visão é aquela que busca, através do diálogo, discutir os problemas reais da sociedade brasileira – que não são poucos.

Na sua avaliação, quais são?

Ainda há uma forte demanda por melhor qualidade da saúde, da segurança e da infraestrutura nacional. Além disso, somos pouco competitivos. Aqui em Minas, por exemplo, nossas estradas estaduais e federais estão em péssimo estado. Precisamos melhorar a qualidade delas, primeiro para dar segurança ao usuário, segundo para diminuirmos o custo Brasil, o preço do transporte e, consequentemente, o preço do alimento – tornando-o mais acessível à sociedade. São questões e premissas muito caras ao governo do presidente Lula. Estamos muito determinados e há hoje um trabalho harmônico entre todos em vistas de construir uma política pública eficiente.  Sabemos que a maioria dessas políticas públicas permeia todos os ministérios. Não há como eu falar de políticas públicas do MME sem haver uma sinergia com o Ministério da Economia (Fazenda). Que diga-se de passagem, o ministro (Fernando) Haddad tem feito um ótimo trabalho referente aos juros do Brasil. É impossível viabilizar qualquer atividade econômica em um País com uma inflação baixa e 14% de juros. Recordo-me bem do também mineiro e para mim uma grande referência na vida pública, o saudoso vice-presidente José Alencar. Lembro o quanto ele lutava para diminuir os juros, porque não há como se falar em combater a inflação com juros altos num País que é recessivo. O brasileiro consome muito pouco. A maioria do povo brasileiro mal, mal consome alimentos para suprir suas necessidades. Precisamos ter juros mais baixos para estimular a economia e gerar mais emprego e a partir daí criar um círculo virtuoso para toda a sociedade. Esse é nosso propósito, nosso trabalho e meu objetivo à frente do Ministério. Tenho completa, irrestrita e a mais cristalina noção da responsabilidade que é representar um dos estados mais importantes do Brasil, o estado mais importante do ponto de vista geopolítico do País na Esplanada dos Ministérios. E tenho feito isso de forma extremamente dedicada e responsável para que eu possa, como também José Alencar, ter a alegria de poder voltar para casa. Ele falava que quando você tem a oportunidade de servir o Brasil, não pode nunca esquecer de que é para casa que você vai voltar. E a minha casa é a casa das mineiras e dos mineiros. É Minas Gerais. E eu quero poder me orgulhar e voltar para Minas e prestar conta dessa oportunidade que tenho de servir ao meu País representando o meu Estado.

O conteúdo é do Diário do Comércio.

Foto: Leonardo Morais.

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