Gilberto Kassab: apoiar a ciência brasileira é dever da maior gravidade

A pandemia do novo coronavírus é processo biológico e social da maior gravidade, trazendo até hoje muita preocupação. Pela sua natureza, gerou muito debate científico, apesar de figuras de relevo terem negado a ciência e negligenciado a busca pela vacina.

É admirável como se desenvolveram imunizantes em tempo recorde, reafirmando que a ciência é de absoluta importância no século do conhecimento. E, tratando do apoio federal ao setor, lembro comparação frequente que fazem mentes do governo: de um lado, Israel e sua escassez de recursos naturais ante “aquilo que é”. De outro, o Brasil, tendo tanto e pouco sendo. Jogo de palavras interessante: se tanto temos, por que não somos tanto?

É preciso lembrar que a ciência requer apoio de verdade para a sociedade contar com a excelência de seus processos e a economia se beneficiar do que surge nos laboratórios. Mas, cortando tanto do setor, não será possível ao nosso país ser muita coisa.

Dada a última redução de suplementação orçamentária, mais de R$ 600 milhões, o CNPq —Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão fundamental que completou 70 anos— tem dificuldade de tocar projetos como a Chamada Universal de pesquisas, o programa Ciência na Escola e verbas para os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Manobras do governo federal junto ao Fundo Nacional do setor também põem em xeque a crença de que dá para fazer ciência no país.

Tive a honra de servir como ministro da Ciência e Tecnologia. Minha equipe e eu, entre outras iniciativas, pudemos “ligar na tomada” o acelerador de partículas Sirius. Seu nome é o da estrela mais brilhante do céu, assim como é brilhante e fundamental para o Brasil este equipamento operando hoje com cinco estações.

Lançamos o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas), que permite internet banda larga a todo o país e já poderia ser plenamente operacional, considerando que o programa Internet para Todos, hoje Wi-Fi Brasil, teve início há três anos. Outro exemplo: demos suporte para pesquisas no enfrentamento ao zika vírus. E demos sequência à regulamentação do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovações, que potencializa parcerias de universidades com o setor privado.

Essas foram construções coletivas, de militantes da causa da ciência e de agentes públicos de várias gestões. O Sirius, que nasceu após longa “gravidez”, opera hoje por mérito de muitos.

Para o CNPq, fazíamos muitas gestões para “o dinheiro voltar”, além de ajustes e realocações de verbas. Cumpriam-se compromissos com os institutos nacionais, lançavam-se editais para milhares de projetos e chamadas a pesquisa em vários temas, além da retomada de premiações e reconhecimentos de cientistas. Retrato atual do órgão se expressa pelo que disse o atual ministro sobre “pouca consideração” da pasta da Economia. E, segundo a presidente de honra da SBPC, Helena Nader, representante da Economia dissera em encontro com cientistas que os cortes foram definidos pela Casa Civil e Secretaria de Governo.

Nós travávamos batalhas junto dos institutos vinculados à pasta, pesquisadores e entidades do setor. Se o dinheiro “sumia”, era prioridade total sensibilizar órgãos de governo, achar alternativas e fazer ver que não se corta a ciência impunemente.

Claro que a ciência precisava de mais. E hoje precisa. De apoio efetivo e simbólico, para além da crença de que o futuro está no nióbio —diga-se, pesquisa que merece todo incentivo. Contudo, jogos de palavras e marketing em redes sociais não “desacontecem” a realidade.

 

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