Ex-juiz do TRE avalia cenário eleitoral

Álbum pessoal Wladimir Leal Rodrigues Dias é doutor em Direito, Mestre em Administração Pública, professor universitário, consultor da ALMG e advogado especialista em direito eleitoralEm 2020, as eleições irão movimentar, mais uma vez, os municípios em todo o país. Prefeitos e vereadores serão eleitos, num momento em que a política tem se reinventado. Para o doutor em Direito, especialista em Direito Eleitoral e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Wladimir Leal Rodrigues Dias, o pleito tem dinâmica diferente das nacionais e deve ser um momento peculiar.Sobre o momento eleitoral do país, Wladimir Dias aponta que algumas tendências verificadas desde as últimas décadas provavelmente irão se manter, embora com modificações em alguns casos. Ele destaca que os políticos e as principais instituições políticas gozam, em geral, de baixa credibilidade perante a sociedade. O sistema partidário tende a se manter fragmentado, sem partidos dominantes, com uma prevalência de partidos médios. “Pesquisas mostram que o brasileiro não se identifica com os partidos e os indicadores de preferência partidária nunca estiveram tão baixos. Havia uma tendência desses partidos ao centro político, com uma atuação mais pragmática e fisiológica e menos programática; recentemente essa tendência tem sido mitigada por dois elementos: a criação e introdução na cena política de partidos mais fortemente ideológicos, seja à direita, como o Partido Novo, seja à esquerda, como o PSOL; e o crescimento do populismo radical à direita. Além dessas tendências, teremos em 2020 uma mudança importante nesse cenário, decorrente do fim das coligações, que deve tornar o sistema partidário um pouco menos fragmentado, embora ainda inflado”, vislumbra.Ele acrescenta que o sistema eleitoral permanece, fundamentalmente, o mesmo, com as eleições parlamentares baseadas no modelo proporcional com lista aberta. É um modelo competitivo e caro, além de pouco esclarecedor para o eleitor, já que é centrado em pessoas e questões específicas, não em partidos e propostas gerais. Não é por acaso, frisa, temos as eleições mais caras do mundo. Somente para o Fundo Partidário, em 2020, serão mais de R$ 2 bilhões. O modelo mais propício à corrupção, em sua avaliação.Outro ponto importante, em sua opinião, é que o sistema tem sido marcado pela chamada judicialização da política. “É uma anomalia difícil de corrigir, que tem gerado, no campo eleitoral, eleições incertas, com um número de cidadãos inelegíveis que não tem paralelo em nenhuma democracia do mundo, e resultados constantemente alterados pelas Cortes. Não por acaso, em 2016 tivemos o maior número de eleições extemporâneas da história, e 2020 deve bater esse recorde”, avalia Wladimir Dias.Outra consideração importante a respeito de 2020 é relativa ao papel das lideranças estaduais e nacionais nas eleições municipais. “Pode ser que, diferentemente de outros momentos, a polarização vista em 2018 repercuta nas eleições municipais, tornando-as mais suscetíveis a fatores alheios à dinâmica municipal. Por fim, as pesquisas vêm mostrando outro dado interessante relativamente às possibilidades de reeleição. Se em 2016 e 2012 os prefeitos foram fortemente penalizados, porque, em geral, produziram pouco em comparação com os do período anterior, agora, parece que teremos um eleitor mais tolerante, conformado, tendente a não julgar com tanto rigor os atuais prefeitos que, também neste mandato, tiveram muitas restrições para governar”, pondera. Processos O ex-juiz do TRE vê como um grande problema a velocidade com que os processos eleitorais são julgados. O direito processual eleitoral é regido pelo princípio da celeridade, admitindo, inclusive, menos formalismo que outros ramos. “Há processos que demandam tempo, para coletar provas, para assegurar os direitos das partes, porque as consequências de um processo judicial eleitoral podem ser muito sérias. Uma decisão que muda a vontade das urnas deve ser tomada com muita certeza; uma decisão que restringe a cidadania de alguém é muito grave. Então, há processos que precisam ser demorados para chegarem a bom termo. Não obstante, deve-se considerar que a jurisdição eleitoral é extremamente rápida. O nosso TRE, habitualmente, trabalha dentro das metas do Conselho Nacional de Justiça, e a grande maioria dos casos é julgada em um tempo razoável”, aponta.Todavia, o prazo que a Lei eleitoral dá, hoje, para determinados atos e procedimentos relativos às eleições, é um problema. “Não adianta pretendermos resolver todas as pendências jurídicas em um período eleitoral de menos de dois meses. Muitos casos demoram, naturalmente, mais que isso. Falta razoabilidade à Lei eleitoral, que poderia fixar tempos mais condizentes com a necessidade de cada procedimento. Então, por exemplo, será novamente possível termos cidadãos inelegíveis disputando e vencendo eleições, as quais, depois de julgada a inelegibilidade, serão anuladas, o que gerará novas eleições”, lamenta.LegislaçãoEm Ipatinga, cidade onde o Diário do Aço tem sua sede, os munícipes têm convivido com a instabilidade política, com eleições extemporâneas e troca de prefeitos. Para Wladimir, a política brasileira pode melhorar sua legislação. Ele menciona dois grandes problemas no Brasil que estão na raiz desse mal: um é a Lei de Inelegibilidades, excessivamente repressiva, na contramão de um desenvolvimento civilizatório baseado em liberdades, democracia e direitos fundamentais; o outro é o tempo curto para as eleições, fixado na Lei 9.504/97.“Com a Lei das Inelegibilidades temos, a cada ano, milhares de litígios envolvendo cidadãos que, por um motivo ou outro, desejam ser candidatos, mas a licitude de sua candidatura é duvidosa. Como disse, essa Lei contraria os principais documentos internacionais em matéria de eleições e cidadania, afastando pessoas da disputa democrática de maneira completamente arbitrária. Para se ter uma ideia, uma diretriz internacional que deveríamos seguir é a de somente afastar um cidadão da disputa em função de condenação criminal transitada em julgado; no Brasil afastamos esses condenados sem decisão definitiva – trânsito em julgado – e, mais, em virtude de condenação civil, de condenação administrativa, e de condenação em julgamentos políticos. É excessivo e desnatura a democracia. Uma lei mais razoável evitaria muitas demandas”, salienta.A fixação do calendário eleitoral leva em consideração apenas o interesse em produzir campanhas mais baratas, tornando-as mais curtas. Então, são dois meses para processar e julgar litígios envolvendo candidaturas. “É muito pouco. Na prática, o julgamento definitivo de um candidato inelegível pode acontecer depois das eleições, o que obriga a fazer uma nova, com um custo político, administrativo, social e econômico altíssimo. Deveríamos ter um calendário eleitoral alongado, com prazos distintos para distintas ações. Assim, os registros de candidatura deveriam ser processados pelo menos seis meses antes das eleições, mantendo-se outras ações, como certas propagandas, em prazo mais curto. Com mais prazo para o processamento dos registros de candidatura, evitaríamos muitas eleições extemporâneas”, destaca.Eleições municipais e suas dinâmicas Sobre as eleições municipais, Wladimir Dias frisa que, tradicionalmente, possuem uma dinâmica diferente das nacionais. Em geral, há um eleitor que conhece um pouco melhor a vida e as propostas dos candidatos e que se interessa mais por problemas próximos, ligados à realidade local. A escolha do voto, habitualmente, decorre do cruzamento de uma avaliação retrospectiva e outra prospectiva. No âmbito municipal, essa avaliação é facilitada, já que o eleitor está mais próximo dos candidatos e partidos locais.Não obstante, existem alguns fenômenos que, apesar de ocorrerem em escala mais ampla, podem influenciar a cena eleitoral nos municípios. Por exemplo, o antipetismo: é um fenômeno que, em alguma medida, sempre existiu, mas que se mostrou com mais força nas últimas eleições municipais. Para 2020, o advogado aponta que o bolsonarismo tenta se impor como força dominante, mas os nossos sistemas eleitoral e partidário não favorecem esse tipo de fenômeno. Para Wladimir, não é possível sequer afirmar que Jair Bolsonaro terá um partido em 2020. “Perceba que, nestes casos, não é exatamente um partido novo crescendo em uma eleição municipal, mas políticos municipais estabelecidos que simplesmente se deslocam para partidos no poder, os quais, realmente, tendem a se encorpar no período em que estão empoderados. Assim foi com Arena, PDS, PMDB, PRN, PSDB e PT. Claro que haverá candidatos municipais explorando o radicalismo à direita, bem como aqueles vendendo a imagem de amigo do presidente, com bom trânsito nos corredores do poder e coisas afins. Como haverá os amigos do Lula, a explorar o lulismo que remanesce. Mas tenho dúvida sobre uma relevância elevada e geral desse efeito, já que, além do sistema político não facilitar, as pesquisas fornecem resultados muito tímidos a esse respeito e os precedentes não são nesse sentido… Não apostaria nele como fator preponderante. Ainda assim, podemos vislumbrar a polarização vista em 2018 repercutindo nas eleições municipais, embora com um potencial reduzido de defini-la”, mensura.Por fim, o ex-juiz do TRE destaca um fator relevante derivado da experiência das últimas eleições presidenciais, e de várias eleições pelo mundo nesta década, e que deverá ter um papel ainda mais relevante nas municipais de 2020. É o uso das novas mídias e das redes sociais. As ferramentas destinadas à instrumentalização política desses meios vêm se aperfeiçoando e devem ser utilizadas de forma mais intensa nas próximas eleições. “Se a ‘Cambridge Analytica’ conseguiu manipular eleições gerais nos Estados Unidos, na Índia e na Grã-Bretanha, é evidente que o seu modelo pode ser transposto, com certa facilidade e chance de sucesso, para ambientes menores, mas fáceis de trabalhar. Aqui entra tanto um potencial de democratização de campanhas, quanto um risco altíssimo de o poder econômico manipular eleições mediante notícias falsas direcionadas a públicos vulneráveis. Pode ser um fator de desestabilização política e pode definir resultados, com ações de longo alcance produzindo impactos em um tempo muito curto. Por isso, a importância da fiscalização e de uma certa agilidade da jurisdição eleitoral no combate às ‘fake news’ e na garantia dos direitos de resposta para os candidatos prejudicados”, conclui. (Bruna Lage – Repórter)

Postado originalmente por: Diário do Aço

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