Comissão de Segurança da ALMG apoia movimento de policiais contra governo

Da Agência ALMG

Deputados e representantes de servidores da segurança pública defenderam o movimento “estrita legalidade”, que propõe que as ações policiais em Minas sejam executadas apenas em condições adequadas de trabalho e previstas em lei. Essa é uma resposta ao governador Romeu Zema, a quem acusam de descaso com o setor e com os servidores, apontado durante audiência pública realizada pela Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (15/3/22).

O presidente da comissão, deputado Sargento Rodrigues (PTB), afirmou que a ordem de manter a estrita legalidade partiu do próprio governador, ao contestar movimento reivindicatório pela reposição salarial da categoria. “Do mesmo jeito que o governo diz que vai cumprir a lei, a polícia também vai. Não vai usar mais celular próprio, não sairá com viatura com pneu careca, com colete vencido, não vai atuar sem supremacia de força”, exemplificou.

Durante a reunião, foram apresentados relatos, vídeos e fotos mostrando as precárias condições de funcionamento em diferentes unidades do Estado. Construções com paredes rachadas, janelas e portas quebradas, mofos, vazamentos, cadeiras danificadas, fiações expostas, muros desabados, sem equipamentos e vários outros problemas estruturais.

Os representantes dos servidores ainda reclamaram de viaturas sem cintos de segurança, com pneus desgastados, da falta de munição e de pessoal para executar os trabalhos.

Outras irregularidades, que também afrontam a legislação de segurança, foram enumeradas como o acondicionamento de materiais apreendidos nas delegacias, incluindo inflamáveis e drogas, em vez de serem direcionados para centrais de custódia, e falta de alvarás emitidos pelos bombeiros.

Enriquecimento ilícito

Muitos dos participantes falaram que, diante de tanta carência, é comum os servidores usarem equipamentos próprios, como celulares, para executar as tarefas e até se cotizarem para, por exemplo, fazer consertos ou adquirir materiais básicos ao serviço e até para alimentação de presos e de si próprios. “Ninguém pode nos obrigar a tirar da boca dos nossos filhos para dar para a sociedade”, reclamou Maria de Lurdes Camilli, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia.

Na avaliação de Sargento Rodrigues e do deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT/MG), o uso de recursos próprios dos servidores para executar os trabalhos é uma forma de enriquecimento ilícito do Estado, que seria responsável por suprir todas as necessidades.

“O movimento estrita legalidade é um instrumento para mostrar à sociedade que se a polícia mineira é uma das melhores do País, não é por ação do Estado; é pela coragem e dedicação de nossos servidores”, afirmou o deputado federal.

“A segurança pública não pode ser deixada de lado, porque isso reflete em bom atendimento também para a população”, acrescentou a deputada Delegada Sheila (PSL). Seus colegas de partido, deputados Delegado Heli Grilo e Coronel Sandro também lamentaram o descaso do governo com a segurança pública.

Ao participar de forma remota do município de Peçanha (Rio Doce), Coronel Sandro constatou as péssimas condições em delegacias da cidade, que precisam recorrer a doações de empresas para realizar obras. Delegado Heli Grilo afirmou que atualmente um dos alvos do crime organizado são policiais penais que mantêm a vigilância dos cárceres totalmente desarmados.

Houve, ainda, muita crítica à política de incentivos fiscais do governo à iniciativa privada. Para Beatriz Cerqueira (PT), a medida usa dinheiro público para beneficiar determinados grupos. “Faz com que o servidor e os serviços públicos paguem a conta”.

Pressão sobre os policiais

falta de efetivo para cumprir as diferentes tarefas da força de segurança pública também foi destaque na audiência pública.

O presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária, Jean Carlos Otoni Rocha, afirmou que todas as 182 unidades do sistema prisional do Estado vivem o caos. Ele citou o exemplo da Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte), que tem capacidade para abrigar 1,6 mil apenados, mas mantêm 2,5 mil. E para cuidar dessa população carcerária, a unidade conta com apenas 17 policiais.

Segundo o presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais (Aspra), sargento PM Marco Antônio Bahia Silva, a corporação conta atualmente com 36 mil homens, mas até o final deste ano 1,5 mil devem se aposentar. A previsão é de que nos próximos dois anos entre 4 e 5 mil servidores deixem o serviço. “Com esse efetivo tão baixo, estamos fazendo milagre”, lamenta.

ADOECIMENTO E MORTE

Essas precárias condições de trabalho pressionam os policiais e provocam adoecimento e até suicídios. Tanto Delegada Sheila quanto Sargento Rodrigues lamentaram o autoextermínio de quatro agentes da segurança pública apenas na última semana.

O presidente da comissão apresentou dois vídeos com fatos ocorridos em 2017 de mortes de policiais em decorrência da precariedade do trabalho. Um ocorreu em Iicínea (Sul de Minas), onde um policial morreu porque estava usando um colete contra balas vencido. O outro, ocorrido em Santa Margarida (Zona da Mata), onde o policial foi morto ao enfrentar, sozinho, uma quadrilha.

Sargento Rodrigues reclamou que o deficit de pessoal na Polícia Militar é de cerca de 30% e na Polícia Civil ultrapassa os 40%.

Deputados defendem governador

Em defesa de Romeu Zema, se pronunciaram três deputados. João Leite (PSDB) justificou que assim como a Europa está vivendo em guerra, também o Brasil enfrenta aumento de violência. “Temos que conversar. Não dá para ter guerra com a polícia porque é quem nos defende. Vamos dialogar”, sugeriu.

O líder do Governo, Gustavo Valadares (PSDB), se esquivou de falar do movimento, argumentando que o assunto está judicializado e vai aguardar a decisão da Justiça. Ele admitiu que o Estado ainda tem muitos desafios, mas alegou que ainda sofre com dificuldades financeiras. “A principal razão (em atender as demandas) é falta de dinheiro, não é má vontade”, assegurou.

Do mesmo partido, Antonio Carlos Arantes considerou que o governo apresentou avanços, como a regularização do pagamento dos salários, mesmo diante de dificuldades que enfrentou desde o início. Ele citou o rompimento da barragem de Brumadinho (RMBH), as secas no Estado, o excesso de chuvas, as dívidas herdadas e a pandemia, como fatores que impactaram a economia e a saúde financeira do tesouro estadual.

Também da base de apoio de Zema, Guilherme da Cunha (Novo) disse ter convicção de que os problemas relatados serão atacados e resolvidos pelo governo. Citou medidas de investimentos em educação e acerto de contas feitas pelo governador como sinais da boa gestão.

POSIÇÃO OFICIAL

Luísa Cardoso Barreto, titular da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), afirmou que o governo compreende a importância e relevância dos servidores da segurança e de suas demandas, mas ressalvou que “o cobertor ainda é muito curto” para atendê-las. O Estado estaria impedido de ampliar o efetivo e os investimentos pelas restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Ela disse que o Estado tem buscado formas de minimizar as dificuldades e citou o acordo com a Vale de reparação pelos danos em Brumadinho. Segundo a secretária estão previstos investimentos de R$ 570 milhões advindos desses recursos obtidos pelo Estado e outros R$ 11 milhões de recursos da própria empresa para investimentos em segurança pública e aquisição de equipamentos.

Luísa Barreto afirmou, ainda, que os investimentos na área entre 2018, último ano da gestão anterior, e 2021 foram ampliados. Informou que nesse período, os recursos aumentaram de R$ 17 milhões para R$ 41 milhões, para a Polícia Civil; de R$ 14 milhões para R$ 51 milhões, no Corpo de Bombeiros; e de R$ 106 milhões para R$ 233 milhões, para a Polícia Militar.

A secretária foi contestada pela deputada Delegada Sheila. A parlamentar contra-argumentou que as emendas parlamentares federais (destinadas por deputados federais e senadores) para a Polícia Civil aumentaram em R$ 40 milhões nesse período. “Então o Estado não investiu diretamente nada”.

FAZENDA ALEGA LIMITAÇÃO DE RECURSOS

O secretário de Estado de Fazenda, Gustavo Barbosa, endossou a fala da titular da Seplag, de que a governo trabalha para melhorar a situação financeira do Estado e atender às necessidades das várias áreas da administração estadual.

“O dinheiro (do orçamento) é um só para o Governo do Estado administrar, e nele nem sempre cabem todas as demandas”, justificou. O titular da Fazenda também disse que o governo tem buscado incrementar a arrecadação do Estado, sem o aumento de impostos.

Gustavo Barbosa ainda defendeu a política de incentivos fiscais. Disse se tratar de uma política de Estado, que perpassa várias gestões, e não de governo, existindo para atrair empresas, gerar empregos e melhorar a arrecadação.

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