Em 2019, atletas chamados “convencionais” e os do para-desporto ainda competem separadamente. A ideia de juntar um atleta com e um atleta sem deficiência na mesma prova parece distante. Mas nos Jogos Mundiais Militares de Wuhan, na China, aconteceu. O tiro com arco entrou no programa dos Jogos na edição passada, em 2015, mesmo ano em que a competição também passou a ter atletas com deficiência em algumas modalidades. Hoje, as novidades de quatro anos atrás se uniram para outro ato de pioneirismo: a prova de duplas mistas não separou, mas sim uniu esses atletas. E para deixar a história ainda mais interessante para o Brasil, saímos com a medalha de ouro.
Habitualmente, as duplas são formadas por um homem e uma mulher, ambos sem deficiência. A prova em si não é nada que eles não estejam acostumados. A lógica é simples: os dois atletas atiram um por vez e as notas são somadas. As partidas são divididas em ‘sets’ e quem pontuar mais a cada ‘set’ leva a parcial, que vale dois pontos. Caso haja empate, cada time leva um ponto. O primeiro a atingir cinco pontos vence. Na final, as equipes chegaram empatadas a flecha da morte, lançada pelo brasileiro Marcus Vinícius D`Almeida que, por ter sido mais precisa que a do rival italiano, garantiu o ouro ao Brasil. Um abraço apertado no novo amigo, Juan Urrejola, selou uma parceria tão bem-sucedida quanto precoce e inesperada.
Segundo Marcus, os dois só foram realmente se conhecer entre a semifinal e a final, conversando no ônibus entre as competições. Não havia expectativa de que a chave de duplas mistas fosse realizada dessa forma. Os dois já haviam se esbarrado em outras competições, mas sem tanta proximidade. Eles vivem realidades distintas. D`Almeida é um atleta estabelecido entre os melhores do mundo que, mesmo aos 21 anos de idade, já construiu um nome no tiro com arco internacional e participou inclusive da Olimpíada do Rio, onde tinha expectativa de medalha. Urrejola, militar de carreira do Exército que foi vítima da explosão acidental de um morteiro em 1988 e teve os membros inferiores afetados, tem 50 anos de idade, mas apenas quatro dentro do tiro com arco. É bicampeão brasileiro, mas não tinha experiência em uma grande final internacional. Ajudar o outro foi se ajudar. Marcus Vinicius destacou como Juan soube ensiná-lo a passar os conhecimentos técnicos que tem no tiro, enquanto, do outro lado da relação, o atleta olímpico transmitiu tranquilidade para aquele que encarava um grande palco pela primeira vez.
No fim, deu tudo certo para o Brasil. Mas a simples presença de uma competição como essa também pode ser considerada uma vitória para todos que participaram. Um primeiro passo para algo maior. Atletas paralímpicos querem mostrar o que podem fazer e não existe maior plataforma para isso do que a Olimpíada, junto daqueles que são considerados os maiores do mundo. Eliminar diferenciações pode ser um bom caminho para um espetáculo ainda mais fascinante. O tiro com arco talvez tenha dado o exemplo para ser seguido daqui a um tempo por outras modalidades. O impacto pode ser fora de série.
EBC