Circulação de fake news sobre eleições deve aumentar nesta semana em JF

Na imagem verdadeira, fotógrafo do jornal registrou marido de Ione ao lado dela no lançamento de sua campanha

 

Na imagem adulterada, rosto do prefeito Antônio Almas foi inserido na fotografia

A partir desta semana até o dia de votação no primeiro turno das eleições municipais 2020, em 15 de novembro, a expectativa é de que aumente a disseminação das notícias falsas relacionadas ao período eleitoral. A avaliação é de especialistas, que analisam como a disseminação de fake news interfere no processo democrático. Mesmo que os disparos de mensagens em massa tenham sido expressamente proibidos pela primeira vez pela Justiça Eleitoral, as tentativas de enganar o eleitor com desinformação, por meio de montagens em cima de imagens reais, têm sido cada vez mais ousadas. Para tentar convencer o cidadão de que se trata de algo verídico, os fraudadores têm utilizado até nomes de empresas de comunicação, inclusive da Tribuna de Minas, ou de institutos de pesquisa para dar credibilidade aos conteúdos, normalmente direcionados para exaltar ou manchar a imagem de algum candidato.

Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter criado uma série de campanhas este ano, alertando sobre as fake news, ainda são poucas as denúncias feitas por meio dos vários canais disponibilizados, como o aplicativo Pardal, o Ministério Público Eleitoral e as ouvidorias da Justiça Eleitoral. Em Juiz de Fora, a 152ª Zona Eleitoral, que reúne mais de 103 mil eleitores – ou pouco mais de 25% do total de 410.339 votantes do município -, recebeu, até a última quarta-feira (4), 24 comunicações de propaganda eleitoral irregular, mas nenhuma delas é referente a fake news. A maioria está relacionada à fixação de cartazes ou de adesivos em locais ou veículos proibidos ou considerados como bens públicos, a materiais impressos sem CNPJ, a comícios e a postagens na internet que configurariam propaganda irregular. O mesmo acontece na 153ª Zona Eleitoral, a maior da cidade, com mais de 105 mil pessoas aptas a votar, que já acumula 20 denúncias, mas não teve qualquer relato de circulação de falsas notícias. Já as demais zonas, 315ª e 349ª, não informaram o balanço até o fechamento desta reportagem.

Com pós-doutorado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) sobre fake news, a professora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Teresa Neves, alerta:

“O problema é muito complexo e envolve outras questões. O mundo em que nós éramos apenas receptores de informação (de rádio, TV e jornal) ficou para trás, não existe mais. Estamos hiperconectados com tudo, e cada um de nós tem responsabilidade com as informações.”

Ela ressalta a importância de qualificar todo conteúdo recebido, enviado e compartilhado por meio das mais diversas plataformas digitais. “Todos nós produzimos informações, até quando curtimos uma postagem. E cada vez que compartilhamos, estamos produzindo nova informação, porque colocamos nosso aval e nosso patrimônio de qualidade, seja positiva ou negativamente.”

Para a advogada eleitoralista e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB Subseção Juiz de Fora, Isadora Andrade, a intensa presença dos eleitores nas redes sociais favorece o debate democrático, porém, na mesma medida, é solo fértil para a disseminação de notícias falsas. “Seja através de mensagens de texto, publicações em redes sociais, ou com requinte tecnológico, como no caso das deep fakes (imagens ou vídeos propositadamente adulterados), o intuito é sempre o mesmo: desmoralizar a imagem de um determinado candidato para que outro se sobressaia.”

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Pensamento crítico

Também consultora em privacidade e proteção de dados, Isadora observa que, com um número recorde de 11 candidatos disputando a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), o eleitor precisa exercitar, a todo instante, o pensamento crítico e o ceticismo diante de todas as informações que recebe.

“De onde vem a informação? Qual a fonte? Qual a data de publicação? Essas são perguntas simples que devem nortear o pensamento de todos os eleitores.”

Isadora pontua que a Justiça Eleitoral firmou excelentes parcerias, inclusive com as redes sociais, para garantir uma eleição transparente e livre de qualquer tipo de desinformação. “Os mecanismos variam desde um canal direto no WhatsApp para tirar dúvidas até um portal exclusivo para checagem de fatos. No mais, vale a orientação do próprio TSE: ‘Na dúvida, não compartilhe!”

Duas notícias falsas envolvem a Tribuna

A própria Tribuna teve seu nome usado em, pelo menos, duas manipulações que foram espalhadas por meio do aplicativo WhatsApp. A mais recente trata-se de uma fotomontagem em cima de uma imagem captada pelas lentes do fotógrafo do jornal, Fernando Priamo, referente à candidatura de Ione Barbosa (Republicanos). A foto original havia sido publicada pela Tribuna no dia 10 de setembro na matéria intitulada “Ione Barbosa é oficializada como candidata à PJF.” Já a fake news, que teria começado a circular no fim de outubro, foi feita por meio de uma colagem grosseira do rosto do prefeito Antônio Almas (PSDB), sobreposta à face do marido de Ione, que aparece ao lado dela na imagem verdadeira. A falsa notícia ainda diz: “Tribuna de Minas – PSDB define apoio a Ione Barbosa na corrida pela PJF – Entretanto, tucanos definem apenas nesta terça-feira qual será o indicado a vice na chapa encabeçada pelo Republicanos.”

Já a outra fake news foi divulgada no início da campanha eleitoral, simulando uma falsa pesquisa em que a candidata Margarida Salomão (PT) aparecia sempre na liderança. Além de atribuir a publicação à Tribuna, a edição mentirosa citava a Akros Pesquisa e Assessoria Política como fonte. O responsável pela empresa, que também é advogado e cientista político, Cristiano Santos, explica que os fraudadores “pegaram carona” em uma pesquisa que havia sido realizada pela Akros no início de agosto e manipularam os resultados. “O que aconteceu foi um crime de fraude.” Segundo ele, o falso conteúdo, acessado por meio de um link, foi posteriormente removido. “A falsificação era grosseira, mas o eleitor médio nem sempre tem o mínimo de discernimento.”

A assessoria jurídica da campanha de Margarida disse, por meio de nota, ver esses fatos com muita preocupação. “Desde 2016, a nossa democracia está sendo vítima de uma epidemia de fake news, que precisa ser combatida. A nossa campanha, inclusive, já sofreu diversas vezes com esta prática. Quanto à pesquisa citada, também fomos surpreendidos com o seu conteúdo. Contudo, acreditamos que todo questionamento quanto à idoneidade desta ou de qualquer pesquisa deve ser levado à apuração das autoridades competentes para que os responsáveis sejam devidamente punidos, de forma a não comprometer candidaturas sérias, propositivas e comprometidas com a cidade. Ressalta-se, inclusive, que nossa campanha já judicializou um conjunto de práticas enquadradas como fake news ou ofensivas.”

A assessoria da campanha de Ione também se manifestou, por nota, sobre o caso envolvendo a postulante, e observa que, com o aumento significativo da participação das redes sociais nas eleições, o engajamento entre os eleitores e os candidatos cresceu exponencialmente. Ao mesmo tempo, entretanto, surgiram as condutas criminosas de difamação e adulteração de fatos e fotos. “Sabemos que o fenômeno não é novo, que há muito tempo as fofocas e as mentiras se espalham na tentativa de desmoralizar e atingir a honra das pessoas, principalmente na disputa de um mandato. Condutas assim mancham a lisura do processo eleitoral de Juiz de Fora. (…) Nunca utilizamos ou utilizaremos esse tipo de estratégia. Somos uma candidatura transparente e que segue as regras do jogo democrático honesto, respeitando nossos adversários, sem artifícios.”

Quanto à montagem da foto citada, a assessoria avalia: “É visível que foi manipulada no intuito de atribuir a nós a imagem de que seríamos a continuidade do atual governo. O que é uma grande mentira (…) Seguimos dedicados à nossa campanha, sem utilizarmos de ferramentas para confundir e enganar os eleitores.”

‘Fraudes’

O cientista político Cristiano avalia que, tanto a manipulação da foto da Tribuna, quanto aquela do resultado da pesquisa, tiveram o claro objetivo delituoso de fraudar o processo eleitoral, por meio da utilização indevida das imagens.

“Tenho evitado essa expressão fake news, porque é tornar lúdico um crime, feito para macular a imagem e biografia de pessoas. É uma fraude, crime previsto até na legislação penal comum.”

Cristiano destaca a importância do combate a essas falsas notícias, que tendem a aumentar com a aproximação do primeiro turno, fraudando, de forma clara, o processo democrático. Ele lembra que fake news é apenas um novo termo usado para um velho delito.”Essa é uma praga difícil de ser combatida, mas não é novidade. Boatos e mentiras sempre existiram, só que saíram das praças para as redes sociais. A ágora é eletrônica, mas os canalhas são os mesmos. Só mudaram para o ciberespaço.”

‘Receptor passivo ficou no passado’

A professora da Faculdade de Comunicação da UFJF, Teresa Neves, também faz coro dizendo que mentira não é novidade. “Notícia falsa não acontece só agora, sempre houve. O que transparece mais no nosso tempo é a credulidade das pessoas diante das informações que circulam.” Diante disso, ela orienta o eleitor a criar dúvidas sobre as mensagens consumidas e a desenvolver a capacidade crítica.

“Realmente é assustador que, no século XXI, pessoas com nível razoável acreditem (em algumas fake news). Como chegamos a esse ponto da trajetória, de (as pessoas) serem crédulas em coisas que não poderiam se apresentar como confiáveis?”

A especialista, que também mergulha no universo das fake news como integrante do Centro Internacional de Pesquisa Atopos, da USP, é taxativa ao dizer que o receptor passivo ficou no passado, porque todos produzem informação o tempo todo. Portanto, é necessário ter responsabilidade, para não “pagar um preço alto demais”. “Cada um tem que assumir sua condição de cidadania, sendo corresponsável por todas as informações que circulam, seja para qualificá-las ou desqualificá-las. Como cidadãos, temos corresponsabilidade para tirar as pessoas dessa passividade e assumirmos nosso lugar.”

A advogada eleitoralista Isadora Andrade avalia que a disseminação das fake news está intimamente ligada ao valor que o apelo emocional ganhou nos últimos anos. “Os fatos objetivos perderam espaço, e o processo jornalístico responsável foi severamente descredibilizado. Com a virtualização do mundo e a urgência que vivemos por cada vez mais informações, a qualidade é deixada de lado, e a veracidade é cada vez menos verificada. A tendência para o futuro é de campanhas com cada vez menos propostas concretas e cada vez mais apelo emocional.”

Denúncias de propaganda irregular crescem em Minas

Embora muitas fake news possam se enquadrar como fraude, crime previsto no artigo 171 do Código Penal, a assessoria de comunicação do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) informou que o tema fake news não é tipificado especificamente como crime na legislação eleitoral ou penal, nem identificado como classe processual. “Questionamentos relacionados a notícias falsas e desinformação são tratados dentro de processos de propaganda eleitoral.”

Questionada sobre quantas denúncias sobre fake news já foram recebidas em Minas Gerais e em Juiz de Fora, a assessoria esclareceu que os sistemas de acompanhamento processual não permitem fazer buscas e extrair estatísticas pelo conteúdo, apenas pela classe. “Para identificar quantos dos processos de propaganda estão relacionados a notícias falsas e desinformação, seria necessário entrar em cada um para verificar o que consta na petição inicial e em outros documentos apresentados.”

As representações de propaganda eleitoral irregular que chegaram ao TRE-MG cresceram cerca de 58% no estado em relação às últimas eleições municipais, em 2016. Naquele ano, de janeiro até 4 de novembro, haviam 1.294 processos em Minas, contra 2.055 no mesmo período de 2020. Já em relação a Juiz de Fora, houve queda significativa, caindo de 52 representações para 11, até o último dia 4. Segundo o TRE, os dados refletem os assuntos cadastrados pelas respectivas zonas eleitorais no momento da autuação.

Canais para denunciar irregularidades e fake news

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem repercutido muito o tema das fake news e pondera que, com a aproximação da data do primeiro turno das eleições municipais, os eleitores acabam consumindo mais informações sobre os candidatos e o próprio processo eleitoral. “Algumas são verdadeiras, mas outras são falsas e, geralmente, têm o objetivo de desviar a atenção do que realmente importa: as propostas dos candidatos e a realização de eleições limpas.”

O TSE chama o cidadão a denunciar as irregularidades, a fim de garantir um pleito democrático, evitando que as fake news tomem grandes proporções nas Eleições 2020. “Podem ser feitas denúncias de notícias falsas sobre a realização da eleição, orientações para o dia da votação, resultados e candidatos, entre outros assuntos.”

Segundo o TSE, os eleitores têm à disposição pelo menos três meios on-line para se manifestarem. As denúncias podem ser registradas no Pardal (aplicativo que permite o envio de fotos e vídeos), podem ser encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral em Minas, pelo link  e às Ouvidorias da Justiça Eleitoral pelo link . “O melhor caminho que o eleitor tem é a imediata comunicação do ilícito ao Ministério Público Eleitoral, para que esse órgão possa tomar as providências para cessar a irregularidade e acionar a Justiça Eleitoral, se for o caso.”

Combate às fake news

O Tribunal mantém, desde agosto de 2019, o Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020, que conta com a parceria de 52 instituições, entre partidos políticos, entidades públicas e privadas, associações de imprensa, plataformas de mídias sociais, serviços de mensagens e agências de checagem. “A proposta da iniciativa é que todos possam trabalhar com a Justiça Eleitoral para minimizar os efeitos negativos provocados pela desinformação nas eleições.”

Conforme o TSE, quem se deparar, nas redes sociais, com informações falsas ou prejudiciais às eleições, como orientações enganosas ou data de votação errada, também pode denunciar as publicações nas próprias plataformas nas quais viu a divulgação, como WhatsApp, Instagram, Facebook, TikTok e Twitter, evitando que as mensagens continuem sendo compartilhadas.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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