Cartórios registraram 329 casamentos de meninas com até 14 anos em Minas

Os cartórios de Minas Gerais registraram 1.238 “casamentos excepcionais” envolvendo meninas menores de 16 anos entre 2006 e 2018, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 329 desses casos, as adolescentes tinham 14 anos ou menos, sendo que o ato sexual ou libidinoso com crianças abaixo desta idade configura estupro de vulnerável, independentemente do matrimônio reconhecido pela lei.

Para especialistas os números revelam um lado cruel e pouco conhecido desse crime. Longe do debate público e com a anuência da legislação, os casamentos excepcionais envolvendo crianças e adolescentes menores de 16 anos continuaram a ser realizados no Estado pelo menos até 2018 – último ano com dados consolidados pelo IBGE –, quase sempre com homens maiores de idade. A prática foi proibida definitivamente apenas em março do ano passado, após uma alteração concreta no Código Civil.

A versão anterior do texto no Código Civil permitia a união mediante autorização dos pais, “para evitar imposição de pena ou em caso de gravidez”. Na esfera criminal, porém, essa exceção criada para impedir a punição ao violador já havia sido extinta há 13 anos, em 2005, com a revogação de parte do artigo 107 do Código Penal. Até aquele momento, os acusados estavam totalmente isentos de denúncia e condenação se viessem a se casar com a vítima, com o consentimento da família dela.

Os números do IBGE indicam que meninas da faixa etária mais vulnerável continuaram se casando legalmente em Minas e no Brasil entre 2005 e 2018. Na esfera penal, inclusive, a lei já havia ganhado uma nova redação em 2009 para esclarecer definitivamente que toda relação sexual ou libidinosa com menores de 14 anos configura crime de estupro de vulnerável, em qualquer situação, com pena de oito a 15 anos de reclusão.

Tanto fatores legais quanto culturais explicam a continuidade dos casamentos, na perspectiva de Viviana Santiago, gerente de gênero da Plan International, ONG especializada em pesquisas sobre casamento infantil. “Entre 2005 e 2019, havia um descompasso entre o Código Civil e o Código Penal. Mesmo assim, deveria ser aplicado o entendimento de estupro de vulnerável. Mas aí vemos que, infelizmente, somos um país em que algumas leis ‘pegam’ e outras, não. Os cartórios seguiram casando”, afirma.

A quantidade de casamentos infantis em Minas vem caindo de forma constante desde a primeira mudança na norma penal, porém voltou a subir em 2018 após ter atingido o patamar mínimo no ano anterior.

A promotora de Justiça Fabíola Sucasas pondera que houve avanços na legislação do país, mas o cenário permanece problemático. “Retirar a excludência do Código Penal e negar o casamento civil a quem tem menos de 16 anos foi uma forma de mostrar que ele é uma violência com as meninas. É uma violação dos direitos humanos, e sua eliminação está na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas”, destaca.

A ONU propõe que os países membros abandonem os casamentos prematuros até o término desta década. Os últimos informes da organização colocavam o Brasil no quarto lugar do ranking mundial em número absoluto de matrimônios infantis.

ESTADO REGISTROU 350 FILHOS DE MENINAS CASADAS DE ATÉ 14 ANOS

Segundo dados do Ministério da Saúde sobre nascimentos e constatou que, entre 2006 e 2018, 350 bebês foram gerados no Estado por meninas casadas no Registro Civil e com entre 10 e 14 anos de idade no momento do parto. O cruzamento das informações aponta para uma possível correlação com os números do IBGE, pois a gravidez continuou valendo como exceção para permitir os casamentos abaixo dos 16 anos na esfera civil até março de 2019.

Fonte: O Tempo

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Postado originalmente por: Portal Onda Sul – Carmo do Rio Claro

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