Baixa procura por mamografias expõe juiz-foranas ao câncer de mama

A redução no número de exames de rastreio e diagnóstico do câncer de mama é mais uma consequência das circunstâncias impostas pela pandemia do coronavírus. Em Juiz de Fora, conforme levantamento feito pela Tribuna por meio do Datasus, sistema do Ministério da Saúde, a quantidade total de mamografias realizadas via Sistema Único de Saúde (SUS) caiu 62% entre janeiro e agosto deste ano, em comparação com o mesmo período de 2019. No ano passado, nos oito primeiros meses do ano, foram realizados 12.287 procedimentos, enquanto que, neste ano, foram apenas 4.768. O quantitativo inclui tanto os exames com finalidade diagnóstica como as mamografias bilaterais de rastreamento (ver gráficos). A situação é ainda mais preocupante quando levado em conta o cenário do estado, já que também houve diminuição no número de mamografias realizadas em Minas Gerais. Conforme o Datasus, a realização dos exames caiu 45,2% no mesmo intervalo.

Considerando que este é o câncer de maior incidência entre mulheres no Brasil, conforme o Instituto Nacional do Câncer, e que a mamografia é uma das principais formas de diagnóstico, a menor procura pelo procedimento pode expor mulheres ao risco de descobrir a doença em um estágio mais grave. A previsão do Inca era de que, em 2020, o o número de mulheres diagnosticadas aumentasse 30%, o que pode significar 66.280 novos casos de câncer de mama no país.

Segundo a mastologista Estela Junges Laporte, o rastreamento mamográfico do câncer de mama consiste na melhor ferramenta para diagnóstico precoce da doença, levando a uma diminuição da mortalidade. Portanto, a diminuição no número de exames gera atraso nos diagnósticos de câncer de mama, fazendo com que a doença avance. “Isso acarreta prejuízo no tratamento, maior morbidade e mortalidade pela doença, assim como aumento nos custos finais do tratamento”, analisa. Conforme a médica, dependendo do tipo de tumor, a disseminação da doença para outros órgãos pode ocorrer nesse intervalo de tempo, interferindo nas chances de cura e na forma como é conduzido o tratamento.

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“Em relação ao tratamento, a detecção precoce contempla as mulheres com a preservação da mama através de cirurgias conservadoras, menos mutilantes, impactando diretamente na autoestima da mulher e na maneira como ela encara e passa pela doença. Tumores iniciais, na dependência de algumas variáveis, pode poupar a paciente de um tratamento quimioterápico, por exemplo. Além disso, o diagnóstico precoce reduz os custos do tratamento e mantém social e economicamente ativa uma faixa importante da população feminina”, alerta.

Acesso restrito e isolamento social

Para a mastologista, a redução no número de exames de rastreio e diagnóstico está relacionada à diminuição do acesso às mamografias e também à baixa procura por parte das usuárias durante a pandemia, devido às orientações de isolamento social e à suspensão de serviços. “No início da pandemia, os serviços eletivos foram suspensos, e depois alguns foram sendo retomados, entre eles os atendimentos oncológicos e a realização de exames. Mesmo assim, foram abertos em número reduzido, o que permanece até hoje, para não haver aglomerações nas salas de espera e deslocamento dos usuários, visto que muitos vêm de outros municípios. Além desse acesso mais restrito, muitas pacientes, até hoje, não comparecem às consultas e à realização de exames por medo do contágio do coronavírus, principalmente as mais vulneráveis devido a idade avançada e/ou patologias associadas”, destaca Estela.

Segundo a Secretaria de Saúde de Juiz de Fora, embora atendimentos tenham sido suspensos devido à pandemia, a realização de consultas e mamografias para mulheres com fatores de risco e para aquelas com idade entre 50 e 69 anos – faixa etária preconizada pelo Ministério da Saúde para realização de exames – nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) não deixou de acontecer. A pasta também pontuou que houve queda na procura pelos procedimentos preventivos devido à reclusão da população. Com o risco de contaminação pela Covid-19, muitas usuárias deixaram de comparecer às unidades de saúde. A não realização de mutirões e de campanhas mais ostensivas sobre o Outubro Rosa, devido à pandemia, também são elencadas pela secretaria como um fator que pode ter contribuído pela diminuição na procura.

A Secretaria de Estado de Saúde (SES) também informou que orientou, mesmo durante a pandemia, os serviços de saúde, profissionais e gestores municipais quanto à realização de exames de detecção de câncer de mama. Segundo a SES, foi recomendada a manutenção do acesso à coleta de exames citopatológicos do colo do útero e de mamografia de rastreamento, bem como de consultas e exames nos casos de alta suspeição e fechamento de diagnóstico. Apesar disso, dados de casos diagnosticados e tratados encaminhado pela pasta estadual à Tribuna também mostram diminuição proporcional de 2019 para 2020. Em 2020, até junho, apenas 1.324 diagnósticos de câncer de mama foram fechados em Minas Gerais. No ano passado, o total foi de 5.455. Também houve queda proporcional nos diagnósticos de câncer de colo de útero e de ovário, de 66% e 55%, respectivamente; e no quantitativo de casos tratados via SUS.

Autoexame é alerta para mulheres fora da faixa etária

Segundo Estela, no Brasil e em outros países em desenvolvimento, a incidência de câncer de mama em mulheres com idade entre 40 e 50 anos é proporcionalmente maior que a de países desenvolvidos. Ela explica que há diferenças entre as pacientes que já estão incluídas na faixa etária de rastreamento mamográfico e aquelas que não estão. “As mulheres que já realizam mamografia, com algumas exceções, farão diagnóstico mamográfico muito antes de essa lesão se tornar palpável. As que ainda não estão incluídas no grupo que realiza rastreamento dependem do autoexame e do exame físico das mamas realizado por profissionais para diagnóstico. Caso haja alteração nas mamas, ela deve ser encaminhada para avaliação por mastologista e condução do caso, independente da idade.”

Embora a situação diagnóstica da doença tenha piorado com a pandemia, o índice de novos casos de câncer de mama no país é alto todos os anos. Na avaliação da especialista, esse cenário tem relação com a forma com que o rastreamento é conduzido. “No Brasil, o rastreamento de câncer de mama é oportunístico, diferente do rastreamento organizado, realizado em países desenvolvidos, onde as pacientes são convocadas para realizar o exame quando atingem a idade preconizada. No Brasil, dependemos da iniciativa da paciente em procurar atendimento e ser solicitada a mamografia. Isso, por si só, já compromete o rastreamento, sendo ainda mais agravado pelas dificuldades no acesso ao atendimento médico especializado, problemas burocráticos, demora na marcação e realização dos exames, medo da paciente de sentir dor ao realizar a mamografia, e, muitas vezes, negação e fuga por medo do diagnóstico”, observa a mastologista Estela Junges Laporte.

Prevenção e conscientização

Diante de números tão expressivos, a conscientização e a prevenção tornam-se ainda mais importantes aliadas no combate ao câncer de mama. Sobre as formas de prevenir a doença, a mastologista Estela Junges Laporte cita que há a prevenção primária, que atua no sentido de diminuir causas e fatores de risco com a finalidade de impedir que a doença ocorra. Isso é feito através da promoção da saúde e/ou medidas específicas. “No caso do câncer de mama, essa prevenção é feita em mudanças no estilo de vida, na alimentação e com prática de exercícios físicos. Cada vez mais se prova a relação entre maus hábitos alimentares/obesidade e altos índices de câncer de mama. E, também, com tratamentos específicos, como cirurgia preventiva redutora de risco, nos casos de pacientes com mutações, por exemplo”. O rastreio mamográfico faz parte da prevenção secundária do câncer de mama. “O intuito do rastreamento é fazer diagnóstico precoce da doença, diminuindo assim a mortalidade específica, mas não evita que o câncer se desenvolva”, pontua.

No SUS, a realização dos exames é preconizada para mulheres entre 50 e 69 anos. Apesar disso, o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, a Sociedade Brasileira da Mastologia e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, por meio da Comissão Nacional de Mamografia, recomendam que a realização do rastreio por imagem seja antecipada. Conforme os órgãos, pacientes de baixo risco devem iniciar o rastreamento com mamografia aos 40 anos. As mulheres com risco pessoal ou familiar para câncer de mama, segundo a recomendação, devem fazer rastreamento por imagem com mamografia e ressonância magnética de mamas anualmente, com idade de início variável, a depender da condição que as coloque no grupo de risco.

Dados ainda podem estar subnotificados

Sobre a diferença entre os tipos de exame, a mastologista explica que a mamografia de rastreamento é o exame realizado em paciente assintomática, em faixa etária preconizada, mas sem alterações ao exame físico ou em exames anteriores. Já a mamografia diagnóstica é o procedimento para investigar uma alteração clínica ou para controle de uma lesão já detectada em exame prévio.

“Acredito que os números do Datasus não correspondam à nossa realidade. Os pedidos do SUS contemplam dois campos de preenchimento no verso da folha, em que se indica se o exame é diagnóstico ou de rastreamento. Grande parte dos pedidos vem com esses campos em branco ou são preenchidos errados. Isso faz com que, mesmo a paciente apresentando alguma alteração, o pedido venha como de “rastreamento”, levando assim a uma subnotificação dos exames diagnósticos.”

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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