Apadrinhamento afetivo melhora a vida de crianças em casas de acolhimento

Os irmãos Luiz Felipe, de 13 anos, e João Gabriel, 14, são afilhados afetivos do pastor Victor Luiz, 51. Há cerca de dois anos, eles se conheceram. Desde então, os laços que os unem não param de ficar mais fortes. Tanto é verdade, que os três guardam o desejo que esse vínculo criado entre eles por meio do Programa de Apadrinhamento Afetivo seja um elo que perdure para toda a vida. Os dois adolescentes foram acolhidos pela família do pastor, que é casado e tem três filhos e uma neta. Ao longo deste tempo, foram diversos momentos partilhados. Atualmente, como afirma o padrinho afetivo, Luiz Felipe e João Gabriel são verdadeiros membros da família. “Eles são tratados pelos meus filhos como irmãos mais novos e estão integrados ao nosso convívio”, diz. Para o dindo, a dádiva de ser pai de coração é um sentimento que só quem cede seu amor ao próximo e o recebe de volta sabe identificá-lo. “O carinho que eles nos dão não tem preço. É um retorno que não consigo achar palavras para expressar, a não ser o próprio conceito de amor”, emociona-se.

Os irmãos vivem na Casa Esperança, um projeto de Juiz de Fora, que acolhe crianças e adolescentes de zero a 18 anos, que viviam em situação de rua ou foram retirados de suas famílias por ordem judicial por se encontrarem em situação de risco, sendo expostos a condições que prejudicavam seu desenvolvimento físico, emocional ou social. Os encontros com a família do pastor acontecem de forma periódica, às vezes a cada semana, às vezes de 15 em 15 dias. “A gente tem nossos programas, como piscina, lanche, sítio e idas ao parque. É um encontro familiar, e nunca os deixamos à parte, pois já temos uma aliança de amor”, ressalta o pastor.

Na Casa Esperança, que tem sede no Bairro Cascatinha, além dos irmãos, há outros 19 meninos e meninas que já têm padrinhos afetivos. Em Juiz de Fora, dados da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS), apontam que existem cem crianças e adolescentes vivendo em abrigos. Delas, dez adolescentes e uma criança estão em condições de serem apadrinhadas afetivamente, mas o número é flutuante, já que a situação pode mudar a cada dia, porque há um constante processo de ingresso e de desligamento das instituições. O município, desde junho, teve regulamentadas novas diretrizes para a realização do Programa de Apadrinhamento Afetivo.

Para o presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, Lindomar José da Silva, essas normas são um avanço para o acolhimento institucional em Juiz de Fora. “Elas trazem mais qualidade para esse serviço, porque conseguem minimizar a situação de crianças e adolescentes, que estão há muito tempo no acolhimento institucional, cumprindo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e garantindo convivência familiar e comunitária. Por mais que a instituição siga as orientações técnicas e que sejam bem executadas, a institucionalização provoca impacto nas vida desses meninos e meninas”, considera, lembrando que as diretrizes foram regulamentadas por meio de resolução aprovada em 19 de junho.

“O objetivo é fazer o papel que um padrinho faz na vida real, criando um vínculo que colabore para que essas crianças e adolescentes fiquem cada vez menos vulneráveis” Samyra Ribeiro Namen, promotora de Defesa da Educação e dos Direitos da Criança e do Adolescente (Foto: Marcos Araújo)

Lançamento de edital

O CMDC tem previsão de lançar, até setembro, um edital de chamamento público para a seleção de entidades a fim de implantarem o Programa de Apadrinhamento Afetivo. “Já era algo que existia na cidade de outra forma. O que aconteceu agora foi a sua regulamentação, num formato mais técnico, mais profissional, com uma equipe formada por uma coordenação, um psicólogo e um assistente social, para fazerem a seleção dos padrinhos e apresentá-los ao judiciário para sua aprovação e, posteriormente, capacitação”.

A regulamentação do programa era uma demanda do Ministério Público. “Levamos cerca de 60 dias para finalizar essas diretrizes. Depois da escolha da entidade que atenda os requisitos que essa resolução impõe, seguiremos para a fase de formalizar o convênio, dando início ao programa. Nossa expectativa, é termos um volume maior de padrinhos envolvidos”, aponta Lindomar. O recurso para implantação do programa é do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. A verba é no valor de R$ 255 mil e prevista para financiamento de um ano e meio de atividades. O investimento foi captado por meio do Imposto de Renda de Pessoa Física e multas aplicadas no que tange à violação de direitos das crianças e adolescentes.

Impactos da institucionalização

A longa permanência em abrigos impacta a vida dessas crianças e adolescentes, uma vez que o passar dos anos de institucionalização arruína a perspectiva da volta para a família de origem, da convivência com outros parentes e da adoção. Dessa forma, o apadrinhamento afetivo surge como uma medida que restaura a esperança na vida dos afilhados. “O objetivo é fazer o papel que um padrinho faz na vida real, criando um vínculo que colabore para que essas crianças e adolescentes fiquem cada vez menos vulneráveis”, ressalta a promotora de Defesa da Educação e dos Direitos da Criança e do Adolescente, Samyra Ribeiro Namen.

A história de vida marcada por traumas é o que, geralmente, leva meninas e meninas para os abrigos, onde permanecem até completarem 18 anos. Muitas vezes, eles foram abusados sexualmente ou negligenciados pelos pais, que se sucumbiram à dependência do álcool ou das drogas. Outras vezes são filhos de homens e mulheres despreparados e desestruturados para serem pais, pois se sentem incapazes de assumirem uma criança. “Esses garotos e garotas que nos chegam já vêm fragilizados emocionalmente pela própria trajetória. E, dentro dos abrigos, é realizado tudo que pode contribuir para o resgate da autoestima e da confiança e para prepará-los para a vida adulta. Todavia, conforme eles permanecem mais tempo no acolhimento, mais vulneráveis e vitimizados se transformam. Assim, o padrinho serve para ligá-los ao mundo real. Geralmente, aos 18 anos, quando eles saem do abrigo, é o padrinho que ajuda, colabora no aluguel de uma casa, auxilia a encontrar um emprego, fazendo um encaminhamento para o futuro”, afirma a promotora.

Para ela, todo esse processo é uma via de mão dupla, porque os padrinhos também são afetados de forma positiva. “Eu acredito nisso, porque, além deles perceberem que estão mudando o amanhã de alguém, cria-se um vínculo de amor. Para o padrinho e para madrinha é um laço muito forte que se forma, envolvendo satisfação e gratidão”, destaca Samyra, fazendo uma ressalva: “É importante entender que os padrinhos nunca serão adotantes, pois não podem burlar a adoção com o apadrinhamento. Eles ajudam essas crianças e adolescentes a terem uma vida melhor, mas não viram pai e mãe, porque se fosse assim eles entrariam com uma ação de adoção. Quando há o interesse em adotar, o caminho a ser tomado é outro”, enfatiza.

Na visão da representante do Ministério Público, as diretrizes que ora são adotadas para o apadrinhamento afetivo no município, além de um progresso, dão mais confiabilidade ao programa. “Os padrinhos terão uma orientação técnica e vão ganhar preparação para assumir as crianças. Se houver hesitação, esses padrinhos não continuam no processo, evitando frustrações futuras. Para os operadores de direito, isso é um avanço, pois as pessoas estarão preparadas para lidar com as ações necessárias”.

Para a subsecretária de Proteção Social, Promoção e Defesa de Direitos, Carla Salomão, participar desse programa é uma forma de beneficiar os afilhados, aumentando-lhes o repertório de habilidades sociais. “Obviamente, abre-se um leque de oportunidades. Pode, por exemplo, o padrinho, além desse investimento afetivo que é fundamental, fazer investimento em uma aptidão que o afilhado tenha no esporte, na cultura e na arte. Contemplá-los com cursos profissionalizantes, contribuindo para o desenvolvimento da autoestima e da autonomia”, pontua.

Programa exige disponibilidade, responsabilidade e afeto

O apadrinhamento afetivo é destinado a crianças e adolescentes que estão no acolhimento institucional, com período acima de sete meses, e que, tecnicamente, perderam a possibilidade de reinserção familiar. O público alvo do programa são crianças com deficiência a partir dos 4 anos de idade e sem deficiência a partir dos 7, uma vez que, a partir dessa idade, elas estão fora do perfil para adoção. “O apadrinhamento visa a garantir a convivência familiar e comunitária, mas é um substituto implantado pelo Estado que não substitui a família”, avalia o presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, Lindomar José da Silva.

Por isso, a seleção dos “dindos” afetivos é uma importante fase de todo o processo. “Eles precisam se enquadrar no perfil, como ter disponibilidade de tempo para participar efetivamente da vida dos afilhados”, afirma. A equipe técnica irá fazer a captação de padrinhos, selecioná-los e submetê-los ao judiciário para validação da escolha. Passada essa etapa, eles seguem para a fase de conhecer as crianças e adolescentes e estabelecer um vínculo. “Assim, eles deverão ter disponibilidade de visitar o abrigo, visitar a escola, levá-los ao dentista e para passeios. É um envolvimento afetivo de modo contínuo”, aponta Lindomar.

Dessa forma, o padrinho ou madrinha, entre as exigências necessárias, precisa ser residente no município ou cidade vizinha para haver disponibilidade de participação na vida do afilhado. O candidato tem que ter idade acima de 21 anos, respeitando a diferença de ser 16 anos mais velho que a criança ou o adolescente, e ter idoneidade moral. “Depois de ser considerado apto, os padrinhos irão passar por uma série de orientações que deverão cumprir. Eles precisam atender essas exigências a fim de que não se crie uma expectativa que possa se transformar em decepção”, observa Lindomar.

“Eles se tornam mais calmos, mais afetivos, mais meigos. O estudo melhora e tem melhor aproveitamento escolar”, Elissa Antunes Silveira Durães, coordenadora-geral de projetos da Adra (Foto: Leonardo Costa)

Qualidade de vida para abrigados

Dentro da Casa Esperança, o apadrinhamento afetivo representa um instrumento gerador de qualidade de vida para os abrigados. De acordo com o coordenadora-geral de projetos da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), entidade que administra a casa, Elissa Antunes Silveira Durães, o espaço é dotado de bens materiais e de boa estrutura, mas é preciso dar atenção a questões afetivas. “Embora as equipes e a coordenação busquem oferecer esse carinho, falta a questão do ponto de vista familiar, e esse programa serve para isso, para dar respaldo à afetividade familiar”, salienta Elissa.

A entidade conta hoje com uma equipe técnica composta por profissionais de psicologia, assistência social e pedagogia. “Fazemos estudo psicossocial e visita domiciliar com o intuito de verificar as condições da casa do padrinho que irá receber o afilhado, além de uma série de documentos necessários. Se a equipe ver a possibilidade de que a pessoa seja padrinho, ela ganha permissão para visitar o abrigo, tendo contato com a criança, por meio de autorização da Vara da Infância”, explica.

Segundo Elissa, depois que são apadrinhadas, as crianças e adolescentes mudam de comportamento. “Eles se tornam mais calmos, mais afetivos, mais meigos. O estudo melhora e tem melhor aproveitamento escolar. Sem falar que eles passam a ter melhor convivência dentro da casa e respeito aos educadores, porque recebem carinho e passam a retribuí-lo.”

Carinho paterno e norte a seguir

É justamente nessa questão que o pastor Victor Luiz considera que o apadrinhamento faz diferença na vida dos meninos. “Mostramos a eles o carinho paterno, o que é uma família estruturada, expressando amor, estabilidade emocional, física e tranquilidade em todos os aspectos”, avalia. “Para o futuro, estamos tentando trazer para eles o que é necessário a uma sobrevivência fora da casa, como um conforto familiar junto da nossa casa, a fim de que consigam se estabelecer.”

Para o adolescente Luiz Felipe, a família afetiva representa um norte a seguir. “Com eles, também apreendi que preciso estudar, porque, além de ser jogador de futebol, quero ser arquiteto”, vislumbra. Já João Gabriel, que pretende se formar em medicina veterinária, os dindos ocupam o vazio deixado no coração. “É muito bom ter um padrinho, pois eu gosto dele e de toda a sua família. É bom compartilhar os momentos na casa deles, ver televisão juntos”.

Aos que têm interesse em fazer parte do Programa de Apadrinhamento Afetivo, Victor Luiz deixa a mensagem: “Quem tem essa vontade deve abrir o coração e oferecer uma oportunidade, porque eles que estão abrigados precisam dela. Nós devemos praticar o amor, porque acima de tudo, isso é amor. É muito gratificante e será reconhecido aqui ou na eternidade.”

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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