A pandemia da Covid-19 alterou a dinâmica da vida de milhares de mulheres. Foram evidenciadas dimensões de desigualdades sociais, entre a sobrecarga e o acúmulo das tarefas, se desdobrando para conciliar trabalho, filhos, falta de dinheiro e sanidade mental. Metade das brasileiras passou a ter de cuidar de alguém por conta da pandemia, apontou o levantamento “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, da Sempreviva Organização Feminista.
Essa proporção segue uma tendência que detectou um aumento de famílias brasileiras sendo chefiadas por mulheres. Passaram de 14,1 milhões em 2001 para 28,9 milhões em 2015, segundo estudo realizado pela Escola Nacional de Seguros. Quase metade dos domicílios tem uma mulher no comando. Dados do IBGE, em 2018, indicam que cerca de 7,8 milhões de mulheres negras brasileiras chefiavam famílias.
Desempregada há dois meses por causa da pandemia, Adriana Abreu (40), moradora da Rocinha, favela localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, tem cinco filhos e cria uma sobrinha. “Estava trabalhando na cozinha da escola da prefeitura, aqui mesmo na comunidade. Só que devido a pandemia desligaram os funcionários e agora vamos ter que aguardar 90 dias. Talvez as escolas abrindo eles nos chamem de volta”, contou.
Em meio à falta de dinheiro, Adriana vem se mantendo com o cartão-merenda das crianças, no valor de R$54,25 cada, e à espera do seguro desemprego. Sozinha ela segura as pontas em casa. “Sempre corri atrás de tudo, sempre batalhei para sustentar e dar o melhor para eles”, disse. (Foto em destaque)
Moradora de Campestre do Maranhão, município do interior, Edilene da Silva Chagas (41) é mais uma das muitas mulheres que chefiam a família no Brasil. Trabalhando em casa vendendo lanches, ela viu as coisas apertarem em meio à pandemia e contou com o auxílio emergencial para continuar mantendo a comida na mesa. Edilene se enquadra na categoria que recebeu duas cotas, somando o valor de R$ 1.200,00.
“Para mim que sou mãe solteira, mãe de três filhos, o auxílio veio em uma boa hora, porque as necessidades estavam falando mais alto”, contou. Em meio às econômicas dificuldades enfrentadas, o auxílio servia para as necessidades básicas, além de pagar as contas de água e luz. “As despesas são grandes, as coisas estão muito caras”.
A última parcela da ajuda financeira foi paga no final de janeiro. Com a continuidade da pandemia e da crise econômica, o Senado aprovou na última semana uma nova rodada de pagamentos, ainda sem garantia. A proposta será avaliada na Câmara. A previsão é de que o benefício passe a ser concedido em março e os novos valores devem variar entre R$ 150 e R$ 375.
Dupla jornada na linha de frente
Segundo o relatório “Covid-19: Um Olhar para Gênero” do Fundo de População das Nações Unidas, 70% da força de trabalho ligada à área da saúde no mundo é feminina. No Brasil, os números são parecidos. O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), indica que 65% dos seis milhões de profissionais do setor são do sexo feminino.
Além de conviver com o medo diário da contaminação e o afastamento da família, dormindo separada do marido e evitando contato com o filho, a pandemia fez com que a médica nefrologista de Manaus, Ana Wanda (49), acumulasse uma dupla jornada. Intercalando a rotina exaustiva do trabalho na linha de frente, cuidando de pacientes com Covid-19 em estado grave em hemodiálise, e os afazeres de casa.
“Trabalhar fora e trabalhar em casa. Realmente isso me deixava bastante cansada, e ainda continuo trabalhando dessa maneira. Trabalho fora de casa no hospital e quando eu chego tenho que fazer as coisas em casa. Meu marido e meu filho me ajudam, mas a maior parte realmente sobra para a mulher”, afirmou.
A capital amazonense se tornou o epicentro da pandemia no País, enfrentando dias de caos sanitário, tumulto nas filas de leitos de UTI e falta de oxigênio para os pacientes. Vendo pessoas morrerem diante dos seus olhos todos os dias, até os próprios colegas, Ana disse ter se visto em um cenário assustador.
“Eu acabei fazendo a opção por reduzir a minha jornada de trabalho, meu marido teve Covid-19, foi de uma forma moderada mas ele ficou mal. Tive que cuidar dele e diante do medo de contaminar a família, o meu filho, optei pela redução na jornada de trabalho”, contou.
Em meio ao contexto alarmante, a médica hoje se vê uma mulher mais forte. “Mostramos a nossa importância e a nossa capacidade de se adaptar, de enfrentar os desafios e mostrar que sempre conseguimos superar.”
Representatividade e esperança
Mulher, negra, trabalhadora, mãe e chefe de família, um símbolo do Brasil e de esperança de dias melhores. A enfermeira do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Mônica Calazans (55), foi a primeira pessoa a ser imunizada contra a Covid-19 no País. Com coragem, ela se arriscou todos os dias desde o início a pandemia para salvar vidas.
Sua trajetória não foi fácil. Começou sua atividade na área hospitalar em 1985, em busca de mais conhecimento entrou na faculdade de enfermagem com mais de 40 anos e lutou para se formar. Em toda a sua jornada Mônica disse nunca ter passado por uma situação tão triste e complicada, mas a vacina trouxe de volta seu otimismo.
“Eu sou uma pessoa comum, uma pessoa que trabalha, uma pessoa que sai cedo. A minha vida pessoal não mudou nessas questões, eu continuo trabalhando todos os dias. O que mudou foi a minha representação, eu falo em pró à saúde, aos brasileiros, que agora nós temos uma saída”, disse.
Fonte: Brasil 61
Postado originalmente por: Portal Sete