Juiz de Fora: Treinamento na Nexa vai deslocar 800 moradores da região de Igrejinha

“Estamos em Minas Gerais, onde duas barreiras já se romperam. Imagina convencer uma comunidade de que a nossa barragem está segura?! Tentamos, mas é difícil. Os moradores me respondem: ‘Você acredita que está segura?’. Respondo: ‘Não só acredito, como preciso acreditar. Se não acreditar, não durmo’”, relata Geisilaine da Silva Castro, 36 anos. Liderança do Bairro Igrejinha, onde mora “desde que me entendo por gente”, a agente comunitária de saúde participará, neste sábado (8), às 9h, do exercício preventivo para evacuação de emergência da Zona de Autossalvamento da Barragem da Pedra, localizada às margens da BR-267, cuja proprietária é a Nexa Resources – antiga Votorantim Metais. Cerca de 800 pessoas habitam a área nas comunidades de Igrejinha e Vila São João Batista, que será potencialmente atingida em caso de rompimento da estrutura.

Nos últimos meses, Geisilaine, junto a demais moradores da região e representantes da Nexa, participou de reuniões preparatórias para a atividade preventiva de evacuação – a primeira realizada pela metalúrgica desde o início das operações em Juiz de Fora -, além de ter, recentemente, visitado a estrutura de contenção de resíduos industriais. O exercício é considerado introdutório para o simulado previsto para outubro. “As pessoas estão muito apreensivas em relação ao exercício, mesmo que a gente oriente, fale que se trata somente de uma ação preventiva. Os moradores estão muito assustados devido aos rompimentos de Mariana e Brumadinho”, conta Geisilaine. “As pessoas dizem: ‘Ah, a gente não está seguro’, ‘Minha mãe não está dormindo’, ‘Meu filho não quer ir para a escola por medo’ (…) Temos uma barragem, precisamos conhecer o entorno.”

Evacuação de emergência da Zona de Autossalvamento da Barragem da Pedra, localizada às margens da BR-267, comerá às 9h, neste sábado (Foto: Olavo Prazeres)

Ainda que a Nexa assegure a estabilidade das barragens por meio de monitoramento rotineiro dos instrumentos geotécnicos e de inspeções visuais, os recentes rompimentos das barragens das minas do Fundão, em Mariana, e do Córrego do Feijão, em Brumadinho, além do iminente desabamento de um dos taludes do dique da Mina Gongo Soco, em Barão de Cocais, assustam as comunidades de Igrejinha e Vila São João Batista. De acordo com o Relatório de Segurança de Barragens da Agência Nacional das Águas (ANA) de 2017 – última edição publicada pelo órgão -, o dano potencial associado das barragens da Pedra e dos Peixes – estrutura inativa, mas ainda mantida – é classificado como alto, isto é, em caso de rompimento, as consequências seriam graves, considerada a ocupação da área abaixo da barragem.

Treinamento em 3 etapas

O exercício de evacuação será dividido em três etapas: em Igrejinha, às 9h; às 11h, na Vila São João Batista; e, por fim, às 13h30, na planta industrial da Nexa. Conforme a coordenadora de Meio Ambiente da Nexa Resources, Milena Alves Moreira, as orientações a respeito de comportamento e trajeto a serem tomados foram repassadas aos moradores. “Teremos carros de som percorrendo as ruas que se encontram dentro da área de autossalvamento, convidando os moradores para que possam se deslocar até o ponto de encontro mais próximo. Ao chegar, serão entrevistados para dizer se verificaram alguma condição adversa no caminho, sobre a sinalização, o tempo gasto para chegar até o ponto de encontro. Também receberão uma pasta com o mapa da localização desses pontos de encontro.”

São seis pontos de encontro para os moradores em ambas comunidades. Todos são localizados fora da zona de autossalvamento, isto é, à margem do território a ser atingido em caso de eventual rompimento da Barragem da Pedra. “Temos um estudo de ruptura hipotética. O estudo é um modelamento matemático, considerando sempre cenários conservadores. A partir deste estudo, temos uma delimitação. Há, aproximadamente, 800 pessoas localizadas nessa área. Dessas, tivemos a participação de cerca de 500 nas reuniões preparatórias”, pontua Milena, lembrando que entre um eventual rompimento e o alagamento de toda a área serão necessários 19 minutos. De maneira prática, as comunidades de Igrejinha e Vila São João Batista conhecerão as rotas de fuga e os pontos de encontro em caso de emergência. Placas de sinalização para direcionar os moradores foram instaladas pela metalúrgica recentemente.

BR-267 interditada

A princípio, o treinamento mobilizará 11 militares do Corpo de Bombeiros e, ainda, nove servidores vinculados à Subsecretaria de Defesa Civil de Juiz de Fora. A pedido dos moradores, a BR-267 será interditada, entre 9h e 9h30, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), para maior segurança durante a atividade.

Primeira simulação que é realizada em JF

sancionada a Política Nacional de Segurança de Barragens, Lei 12.334, os simulados são exigências do Plano de Ação de Emergência (PAE), previsto para empreendimentos de barragem. “O PAE estabelecerá as ações a serem executadas pelo empreendedor da barragem em caso de situação de emergência, bem como identificará os agentes a serem notificados dessa ocorrência (…)”, prevê o dispositivo. Dentre as prerrogativas do plano, estão “estratégia e meio de divulgação e alerta para as comunidades potencialmente afetadas em situação de emergência”. A Barragem dos Peixes, primeira da Nexa em Juiz de Fora, entrou em operação ainda em 1998; a Barragem da Pedra, por exemplo, armazena resíduos industriais desde 2006.

Questionada pela Tribuna por quais motivos o simulado será realizado pela metalúrgica apenas neste ano, a coordenadora de Meio Ambiente, Milena Alves Moreira, afirmou que a Nexa sempre focou em prevenção. “A Nexa sempre focou todos os esforços na prevenção e na manutenção de suas barragens. As suas barragens são de baixo risco. Tínhamos já um PAE, mas ele foi reavaliado depois da revisão dos estudos de ruptura hipotética em 2016, após Mariana. É um processo no qual, dado o alto número de pessoas mobilizadas, há a necessidade de um tempo para se organizar e se planejar, além de envolver outras instituições.”

Desde dezembro último, as lideranças comunitárias reivindicam junto à Nexa maiores informações sobre as barragens e as providências a serem tomadas em situações emergenciais. “O que a empresa nos passa é que as barragens são monitoradas a todo o tempo, que não oferecem, neste momento, nenhum risco para a comunidade, mas estamos atentos, porque uma barragem nunca está 100%. Devemos ter o pé atrás, principalmente depois do que aconteceu em Brumadinho. Estamos atentos”, afirma Luís Carlos Barbosa, conhecido, popularmente, como Cachoeira, e presidente da Associação de Moradores dos bairros Igrejinha, Jardim Cachoeira e Vila São João Batista. Embora acredite em alta adesão ao exercício de evacuação, o líder comunitário reforça a apreensão da população. “Há um pouco de insegurança. Por mais que tenhamos a explicação logística [de rotas de fuga e pontos de encontro] da empresa, a comunidade não está 100% segura sobre o fato.”

“Depois daquela de Brumadinho, todos nós ficamos apreensivos, inclusive em relação à barragem da Represa de Chapéu D’Uvas. Deus me livre aconteça alguma coisa, venha a arrasar Juiz de Fora inteira para baixo!”, diz Gaúcho, 70 anos, aposentado (Foto: Olavo Prazeres)

‘É igual cascavel’

A exemplo de Geisilaine, Adelirton Antônio da Costa, 70 anos, aposentado, participará da atividade preparatória para o simulado. À época de trabalhador, Gaúcho – como é chamado pelos vizinhos -, integrou os quadros da antiga Paraibuna Metais antes de se mudar para Ipatinga, onde foi vinculado à também antiga Vale do Rio Doce. “Depois [do rompimento] daquela de Brumadinho, todos nós ficamos apreensivos, inclusive em relação à barragem da Represa de Chapéu D’Uvas. Deus me livre aconteça alguma coisa, venha a arrasar Juiz de Fora inteira para baixo!”, diz. “É igual cascavel: está enrolada, mas, de repente, dá o bote e nos pica. São assim as nossas barragens.” Segundo Gaúcho, entre amigos e vizinhos, “a gente só incentiva a ter coragem e a agradecer a Deus pela nossa própria segurança”.

Sirenes somente em setembro

Uma das diferenças entre o exercício preventivo para evacuação deste sábado (8) e o simulado a ser realizado em outubro é a presença de sirenes para alertar a comunidade em caso de emergência. Ainda que a Nexa não os disponha, os instrumentos de alerta sonoro são também exigências para os empreendimentos de barragem. Em caso de estado de alerta, por exemplo, situação em que há adversidades passíveis de afetar a segurança estrutural, as sirenes são acionadas para pronta evacuação dos moradores. Neste treinamento, devido à ausência de sirenes, os moradores serão convocados a participar por meio de carros de som.

Em audiência pública realizada em fevereiro na Câmara Municipal, o gerente geral da Nexa, José Maximino Ferron, afirmou que a expectativa era de instalação das sirenes no entorno da planta industrial ainda neste primeiro semestre. Entretanto, conforme Milena Alves Moreira, os instrumentos estarão à disposição somente em setembro. “O projeto [das sirenes] teve início no ano passado. Nós não adquirimos as sirenes simplesmente. Elas precisam ser fabricadas”, ressalta. “Não são sirenes comuns, facilmente adquiridas no mercado interno. Precisam ser fabricadas e importadas. Estarão instaladas e prontas para o simulado em setembro, e, em outubro, o simulado será realizado com as sirenes. Sempre trabalhamos de maneira preventiva. (…) Hoje, as sirenes são uma exigência legal. Neste processo, iniciamos a aquisição e, em setembro, estaremos com elas instaladas.”

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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