Criar coragem para enfrentar abusos, intimidações e tantas outras violências sofridas em decorrência da idade avançada não é fácil. Porém, a cada dia mais idosos quebram o silêncio para denunciar os maus-tratos, como mostra relatório do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), elaborado a partir de queixas recebidas pelo Disque 100. Em Minas, os registros dobraram nos últimos cinco anos. Só no primeiro semestre de 2018 foram 2.380 gritos por socorro.
Longe de ser só física, a violência contra pessoas com mais de 60 anos pode se manifestar de diversas formas. Ataques psicológicos, negligência e uso indevido da fonte de renda são alguns dos casos mais relatados. Para assegurar proteção a esse público, a legislação brasileira conta com o Estatuto do Idoso. O documento, que completa 15 anos de vigência, consolida e reafirma direitos básicos de cidadania já previstos pela Constituição Federal.
Exemplos
Aos 65 anos, o pintor Osvaldo Gadelha diz estar cansado dos comentários pejorativos sofridos no ambiente de trabalho. “Faço meu serviço normalmente, mas fico ouvindo dos colegas mais jovens que estou velho, que não dou conta. É um preconceito”, lamenta. A hostilização e a humilhação são classificadas pelo MDH como violências psicológicas.
Dificuldades semelhantes são enfrentadas pelo também pintor Mário José de Moura, de 62. O descaso acontece no transporte público. Segundo ele, é raro algum passageiro deixar o assento destinado a idosos para os mais velhos. Há pouco tempo, sentindo-se indisposto, pediu a um jovem para sair do banco, mas a resposta o surpreendeu. “O moço não se levantou e ainda ameaçou me dar um tapa na cara se eu insistisse. Fiquei muito assustado, decidi não discutir e saí de perto”, conta.
A psicanalista Soraya Hissa de Carvalho ressalta que esse tipo de comportamento, que classifica como cruel, é capaz de agravar ou aproximar os idosos de doenças como a depressão. “Na tentativa de se livrar de uma situação de extrema aflição, pode até mesmo cometer um ato mais drástico. Cresce cada vez mais o número de pessoas da terceira idade que se suicidam”.
Em Minas, 62,8 mil crimes foram registrados contra pessoas maiores de 60 anos; os principais são furto, ameaça, roubo, estelionato, dano e agressão
Perfil
Embora ataques em ambientes públicos sejam comuns, a delegada Larissa Maia Campos Salles, da unidade Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e ao Idoso de Belo Horizonte, afirma que a maior parte dos maus-tratos ocorre dentro de casa. Os agressores são os próprios parentes.
“Quem sofre esse tipo de violação vive com a família, tem renda de dois salários mínimos e está em situação de fragilidade física e emocional. São pessoas que precisam de ajuda nas atividades diárias, como ir ao banco. Muitos suspeitos são filhos, netos ou cônjuges da vítima”, detalha a delegada.
A policial ainda destaca que a violência financeira tem crescido nos últimos anos no âmbito familiar. Fazer compras com o cartão de crédito do pai, não deixar que a avó tenha acesso aos próprios rendimentos da aposentadoria e até assinar contratos utilizando o nome do idoso são exemplos. “O problema é se apropriar de forma indevida da confiança dele. Isso ocorre em qualquer classe social”, frisa Larissa Maia.
Novas formas de agressão exigem atualização do estatuto
Criado em 2003, o Estatuto do Idoso é considerado por especialistas um importante instrumento para assegurar os direitos das pessoas com mais de 60 anos. O documento estabelece diretrizes de saúde, educação, segurança, urbanismo e assistência social que devem nortear a formulação de políticas públicas, além de tipificar crimes contra esse público.
Uma das medidas de destaque da norma é a previsão de abrigamento de vítimas em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Belo Horizonte tem 24 casas de acolhimento, com 916 vagas. Os locais oferecem atendimentos psicológico e social, além de alimentação e cuidados variados.
Atualização
Professor da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Rachid Silva defende a atualização do estatuto. O objetivo é se adequar às novas práticas que violam os direitos da terceira idade como, por exemplo, violências cibernética e sexual.
Para ele, que é especialista em direito da família, é essencial abordar a homoafetividade nessa faixa etária. “O público LBGTI precisa de atenção, especialmente porque há uma espécie de ‘dupla punição’ que os torna ainda mais vulneráveis. Eles acabam sendo agredidos porque são mais velhos e pela orientação sexual ou identidade de gênero”, afirma.
No caso da violência cibernética, o advogado reforça que, cada dia mais, maiores de 60 anos estão conectados à internet e se tornam alvo de golpes. “É muito mais fácil abordar um idoso por celular. Eles podem cair em armadilhas de extorsão ou até mesmo ser enganados por quem age de má-fé em sites de relacionamentos amorosos”.
Postado originalmente por: Portal Sete