13% dos casos de infecção por Covid-19 em JF são em profissionais de saúde

Das 3.093 pessoas com diagnóstico positivo de Covid-19 em Juiz de Fora até a última segunda-feira (20 de julho), 405 eram profissionais que atuam na rede de saúde da cidade, quantitativo que representa 13% do total de casos confirmados até a data, conforme dados da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), solicitados pela Tribuna. Ao passo que estes trabalhadores estão mais expostos, já que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus, eles também integram o público elegível para a testagem de forma gratuita quando apresentam sintomas, o que pode contribuir para que haja mais confirmações da doença.

Outros dados, no entanto, ajudam a ilustrar o aumento exponencial do contágio entre estes profissionais ao longo dos últimos meses. De acordo com a Secretaria de Saúde, até a última segunda, 1.492 notificações de síndrome gripal em trabalhadores que estão na linha de frente de combate à pandemia foram registradas, sendo que, destas, 405 foram confirmadas para a Covid-19 – cerca de 27%. Em levantamento anterior feito pelo jornal, em 20 de abril, o município registrava 98 casos de síndrome gripal entre médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e outras especialidades da área, sendo que 14 foram confirmadas para a doença. Ou seja: em três meses, o número de notificações aumentou mais de 15 vezes, ao passo que o número de confirmações de Covid-19 entre este público cresceu mais de 28 vezes.

Duas mortes

Desde o início da pandemia, a cidade já registrou, pelo menos, duas mortes de profissionais que atuavam em unidades de saúde em decorrência da Covid-19. Conforme a Secretaria de Saúde, até 13 de julho, o Departamento de Vigilância Epidemiológica e Ambiental registrou os óbitos de um homem de 41 anos, que faleceu em 12 de abril, com doença cardiovascular crônica como conformidade; e de um homem de 55 anos, que morreu no dia 10 de julho. Ele não teria comorbidades prévias relatadas.

Conforme a Prefeitura, a legislação vigente que se baseia no artigo 322 da Portaria de Consolidação nº 5 de 28 de setembro de 2017, “que consolida as normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde, não autoriza a pasta a divulgar e/ou confirmar a identidade das vítimas.” A lei versa que “as autoridades de saúde garantirão o sigilo das informações pessoais integrantes da notificação compulsória, que estejam sob sua responsabilidade, conforme preconiza a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011”.

Apesar disso, à época das mortes, a Tribuna verificou tratar-se do técnico de enfermagem Agnaldo do Nascimento Emidio, de 41 anos, que trabalhava no setor vermelho (casos graves) da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte; e de Antônio Jorge Costa, que tinha 55 anos e trabalhava na recepção da Unidade Regional Leste. A confirmação das identidades dos profissionais foi apurada pelo jornal com base nas datas dos óbitos e idades das vítimas, em cruzamento de dados com posicionamentos emitidos pelo Sindicato dos Profissionais de Enfermagem e pelo Sinserpu, respectivamente, quando dos falecimentos.

Na fachada da Regional Leste, faixa de luto homenageia o servidor Antônio Jorge Costa, uma das duas vítimas fatais do coronavírus que trabalhava na área (Foto: Fernando Priamo)

Testagem apenas em sintomáticos preocupa categorias

Há três meses, quando da publicação da reportagem da Tribuna sobre os casos relacionados a profissionais de saúde, a principal reclamação de trabalhadores da saúde pública era em relação à falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) em algumas unidades de saúde da cidade. No entanto, de acordo com a diretora de Saúde do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sinserpu), Deise da Silva Medeiros, atualmente, os servidores têm recebido os equipamentos. “O maior quantitativo de suspeitas e de confirmações de casos foi mais no começo (da pandemia), quando não tinham os EPIs, e as pessoas estavam sendo má orientadas e se contaminando mais”, afirma.

Entretanto, apesar de apontar normalidade em relação ao fornecimento dos EPIs atualmente, a diretora de Saúde do Sinserpu pondera que a falta de testagem de todos os servidores da saúde ainda é um fator que os expõe e deixa os trabalhadores apreensivos. “A queixa do servidor é de que ele está voltando ao trabalho e não está fazendo exame. Ele volta automaticamente (após a quarentena) e não está sendo testado se ele mantém a carga viral ou se está imune, assim como os assintomáticos, que também não estão sendo testados. Nós estamos recebendo EPI, estamos tendo condição de trabalho, mas ainda falta o exame”, avalia.

De acordo com ela, os servidores foram testados apenas em duas unidades, na Unidade Regional Leste e no Hospital Pronto Socorro (HPS). “Na Atenção Primária, a testagem em todos os servidores não foi feita nenhuma vez. Nestas unidades estão seguindo o protocolo da Vigilância, que é testar apenas quem está com sintomas.”

Para o presidente do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem de Juiz de Fora, Anderson Stehling, é de se esperar que haja alta contaminação de trabalhadores da saúde durante uma pandemia. Por esse motivo, ele pontua que o rastreamento dos servidores deveria ser maior e defende a ampliação de testagem para todos os trabalhadores da área. “A minha preocupação é que não testando um assintomático, ele possa transmitir para familiares e para pacientes de outros hospitais. Muitos trabalham em mais de uma unidade. Então, o risco de um trabalhador da área, que seja assintomático, propagar o vírus é muito alto”, justifica.

PJF diz seguir protocolos

Questionada sobre a testagem dos trabalhadores, a Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora informou, por meio de nota, que a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) publicou, em 20 de julho, uma “Atualização Técnica Ao Protocolo De Infecção Humana Pelo Sars-Cov-2”, e esse material define que, “neste momento, devem ser testados os profissionais de saúde que apresentarem sintomas de síndrome gripal”.

Com relação à retestagem para o retorno ao ambiente de trabalho, a pasta afirmou que segue a portaria de n° 20, publicada em junho pelos ministérios da Saúde e da Economia, que diz respeito aos cuidados a serem tomados para prevenção e controle dos riscos do coronavírus no ambiente de trabalho. “No item 12.11, do anexo I desta portaria, é descrito que ‘não deve ser exigida testagem laboratorial para a Covid-19 de todos os trabalhadores como condição para retomada das atividades do setor ou do estabelecimento por não haver, até o momento da edição deste Anexo, recomendação técnica para esse procedimento’.”

Público-alvo

Ainda de acordo com a pasta, a Prefeitura, por meio de parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), garante a testagem para profissionais de saúde sintomáticos, entre o terceiro e o décimo dia de sintomas; todos os pacientes internados em “leitos covid”, pactuados com o Município; os atendidos na atenção básica, em situação de vulnerabilidade (acima de 65 anos, cuidadores de idosos, diabéticos, hipertensos descompensados e obesos); e servidores, que estejam sintomáticos, da segurança pública, do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb), da Companhia de Saneamento Municipal (Cesama), dos centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Especializado de Assistência Social (Creas) e dos demais serviços de assistência social que prestam atendimento direto à população. “O público elegível para realização de testes de forma gratuita no município é superior ao recomendado pelos órgãos estaduais e federais. A Secretaria de Saúde segue trabalhando para ampliar este grupo.”

Servidores do Hospital Regional João Penido também pedem ampliação

A ampliação da testagem também é uma demanda dos servidores do Hospital Regional Doutor João Penido (HRJP). Em reportagem publicada em junho, a Tribuna mostrou que os trabalhadores da unidade, que é referência para atendimento de casos de Covid-19 na região, aguardavam posicionamento do Estado em relação à ampliação de testagens a todos os servidores. De lá pra cá, no entanto, a situação na unidade continua a mesma, segundo servidores da unidade.

Na época, procuradas pela Tribuna, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) e a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), gestora do Hospital João Penido, informaram que seguem os protocolos vigentes sobre a Covid-19, os quais estabelecem a testagem de servidores sintomáticos, que são encaminhados seguindo o fluxo de atendimento do Município, onde a unidade está localizada, conforme a política do SUS.

A diretora regional do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde), Lenir Romani, afirmou à Tribuna que, além dos assintomáticos não serem testados, os servidores que atuam no hospital também enfrentam falta de alguns equipamentos de proteção como máscaras e protetor facial (face shield). “Muitos compraram suas próprias máscaras”, conta.
Wildania Maia, técnica de enfermagem da Enfermaria de Covid, afirma que a maior preocupação da categoria é de que funcionários assintomáticos estejam trabalhando e, dessa forma, possam contaminar outras pessoas. “A todo momento recebemos a notícia que alguém testou positivo, ou que está internado, ou perdeu a vida. É uma questão de respeito e responsabilidade com o trabalhador. Nós cuidamos dos outros, e quem cuida da gente?”, indaga.

Ela também afirma que EPIs estariam sendo contingenciados na unidade. “Estão pedindo aos funcionários do administrativo que usem máscaras de pano, mas a gente sabe que dentro de um hospital não dá, ainda mais sendo referência para o tratamento da doença. Para um plantão de 12 horas nos entregam quatro máscaras e seis gorros para passar o expediente”, diz Wildania.

‘Denúncias improcedentes’

Questionada sobre as afirmações, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), gestora do João Penido, julgou “improcedentes as denúncias” em relação à unidade. Conforme a instituição, o hospital cumpre os protocolos determinados pela Fhemig, alinhados com as diretrizes do Comitê de Enfrentamento à Covid-19, e disse que os materiais oferecidos são “recomendados e seguros conforme orientação técnica adequada a cada procedimento”.

A Fhemig informou ainda que não haveria “desabastecimento de EPIs na unidade”, e destacou que o “treinamento para paramentação e desparamentação desses equipamentos, parte fundamental para a segurança de servidores e pacientes, também é preconizado e realizado em toda Rede Fhemig”. A nota diz, ainda, que os EPIs entregues são indicados aos procedimentos necessários e com tempo de uso validado pelos protocolos. “Ressalta-se que, em caso de inutilização desses equipamentos, como umidade ou contaminação, estão disponíveis as substituições imediatas.”

Em relação ao pedido de ampliação das testagens para os servidores, a Fhemig informou que o Hospital Regional Doutor João Penido está inserido numa rede hospitalar que cumpre as orientações dos protocolos clínicos relacionados à Covid-19. No protocolo atual é recomendada a testagem somente para os servidores sintomáticos. “Todos os procedimentos, avalizados pelas autoridades sanitárias federais e estaduais, constam nesses protocolos e são cumpridos.”

Infectologista defende que toda a população deveria ser testada

A pedido da Tribuna, o infectologista Marcos Moura comentou as estatísticas e questionamentos explicitados nesta reportagem. Para ele, o fato de os profissionais de saúde ampliarem as estatísticas de pessoas contaminadas pelo coronavírus na cidade é esperado, uma vez que eles estão mais expostos e são um dos grupos sintomáticos mais testados. Portanto, quanto maior o número de testagens, maior a detecção da doença. No entanto, a falta de proteção devido à escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs) ou ao seu uso incorreto, a carência de treinamento adequado, assim como a ausência de ampla testagem são apontados pelo especialista como fatores que poderiam elevar esse quantitativo. “A alta contaminação em trabalhadores da saúde indica claramente o início de uma pandemia. Isso é importante porque, em todo lugar do mundo, a pandemia explodiu após a infecção dos trabalhadores da saúde. Eles estão em contato e, muitas vezes, vão disseminar a doença, então é muito importante testá-los”, analisa.

O infectologista também aponta que uma estratégia para expor menos esse público poderia ser a elaboração de uma espécie de “consórcio” pelas instituições e/ou poder público para que se reduzisse o trânsito desses profissionais pela cidade. “Os profissionais de frente mesmo, enfermeiros e técnicos de enfermagem, poderiam, por exemplo, ter seu trabalho focado em um unidade, e assim diminuir o trânsito dessas pessoas. Porque muitos trabalham em várias instituições públicas muitos distantes uma das outras e precisam ficar se deslocando, pegando ônibus (…), e isso talvez ajudaria.”

‘Não tem que ser seletivo’

Interpelado sobre os protocolos de testagem, o médico Marcos Moura pontua que os profissionais da área são público-alvo, justamente, por serem as primeiras pessoas a se contaminarem em uma pandemia. “Quando você tem jovens e profissionais da saúde se contaminando é porque a pandemia está começando. Depois é que a doença chega nas pessoas idosas e domiciliadas. Isso aconteceu na Europa e na China, por exemplo, e acontece no Brasil, porque a população aqui é bem mais jovem”. Em Juiz de Fora, de acordo com dados disponibilizados pela Prefeitura, até 20 de julho, 77,6% das 3.093 pessoas já diagnosticadas com a Covid-19 na cidade tinham entre 20 e 59 anos. A ideia média dos casos confirmados é de 43,2 anos.

Nesse sentido, o especialista defende que a testagem deveria acontecer de forma horizontal. “Não tem que ser seletivo, o ideal seria testar todo profissional de saúde, mesmo os assintomáticos, assim como a população. Isso é importante para que se tenha uma melhor visão do cenário da pandemia. Testar apenas sintomáticos não mostra dados reais da doença. Mesmo porque estima-se que se tenha 20% de sintomáticos em um contexto populacional igual ao de Juiz de Fora.”

Em relação à retestagem de profissionais que retornam a seus postos de trabalho após a quarentena, o infectologista explica que existem protocolos que podem estar baseados em análise de sintomas ou em testagem. “Cada instituição vai adotar a que seja mais adequada. O que sabe hoje é que algumas pessoas podem ficar positivas por mais de 30 dias, com o vírus de forma intermitente, o que inviabilizaria o retorno desse profissional ao trabalho. Por outro lado, o que também se sabe é que a partir do 8º dia, a chance de transmissão desse vírus é baixa, mesmo a pessoa sendo positiva. Então, é preciso ter uma leitura indivíduo-indivíduo, ter um infectologista para acompanhar o caso e definir a necessidade de um retestagem ou não. Ou então, ter uma política institucional ou do poder público para retestagem”, defende.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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